Eleição é, sempre, o momento de crise nos regimes democráticos. O governante em exercício luta para permanecer no cargo, desfrutar das delícias do poder e utilizar à farta a capacidade de prender e soltar. Seus adversários sonham em sentar-se na cadeira, no trono ou na cadeira curul, poltrona utilizada na Roma antiga para receber grandes dignatários. Com um pouco de planejamento, alguma sorte e uma rápida leitura nos conceitos básicos de Maquiavel é possível pensar numa ação governamental de longo prazo. Getúlio Vargas, um mestre na dissimulação, permaneceu quinze anos do Palácio do Catete, antiga sede do governo no Rio de Janeiro, afagando ou batendo na direita e na esquerda, de acordo com as circunstâncias.
Getúlio perdeu o poder como consequência do final da Segunda Guerra. Os 25 mil soldados brasileiros lutaram na Itália ao lado das forças norte-americanas comandadas pelo general Mark Clark contra o fascismo de Mussolini e a favor dos ideais democráticos alardeados pelos aliados. Perceberam no calor da luta a diferença entre um e outro regime. A FEB teve contato com o que havia de melhor em matéria de estratégia, tática e equipamentos militares. Os pracinhas não poderiam defender no Brasil o que combateram no exterior. Os generais de hoje, supostamente, acompanham os ideais de seus antecessores.
Este é um exemplo da história política brasileira. O atual presidente Jair Bolsonaro, tenente que depois de ir para a reserva foi promovido a capitão, conseguiu ser eleito e reeleito para a Câmara dos Deputados. Foi um parlamentar de poucos projetos, algumas discussões tolas e palavreado de baixo calão. Um golpe de sorte, em momento de falência do poder civil, abriu uma janela de oportunidade que permitiu sua eleição para a Presidência da República. São situações raras na política. Alcançar o poder por golpe de sorte é algo muito especial. O premiado deve reverenciar seus deuses, ajoelhar diante do altar do senhor das coincidências e se preparar para o reencontro com a realidade.
Bolsonaro não se preparou para exercer a presidência da República porque nem em seus melhores devaneios, durante as pescarias em Angra dos Reis, imaginou que poderia habitar o Palácio da Alvorada. O poder caiu em seu colo. Ele não tinha partido, grupo ou correligionários. Fez acordos de emergência e se baseou no faro dos filhos. A desconfiança é o padrão de seu comportamento. Seus auxiliares da primeira hora foram todos, um a um, excluídos do governo. Demitidos com humilhação. A paranoia e o sempre presente receio de golpe, além de sua história muito próxima das milícias cariocas, explicam os temores.
Ele governou sempre no ataque, segundo os conselhos de seu filho Carlos na campanha. Deu certo. Criticar, humilhar, desconsiderar, agredir, descontruir foi o que ele realizou, com êxito, na busca de votos. Venceu. Mas não percebeu que a eleição tinha terminado. Não desceu do palanque. Continuou a agredir. Bolsonaro revela ter necessidade de adversários, de exibir músculos na sua guerra particular contra seus demônios reais ou imaginários. Ele é contra tudo: sistema eleitoral, Petrobras, operação lava-jato, empresários, mulheres, jovens, homossexuais e ministros do Supremo Tribunal Federal. Trata-se de um paranoide reacionário. Quanto mais ele avançou neste caminho, mais perdeu correligionários.
O presidente tem hoje menor número de eleitores do que tinha na eleição de 1998. E rejeição maior. De repente, ele e seus auxiliares, civis e militares, descobriram que haverá eleição para presidência da República em outubro deste ano. Abriram os olhos e enxergaram uma guerra na Europa. Com um pouco mais de trabalho perceberam que a economia da China, motor do mundo, vive dificuldades por causa da pandemia. E com base em improvisação pretende solucionar a questão do preço do combustível no Brasil. Mas, privatizar a Petrobras não significa reduzir o preço do combustível.
A sonhada reeleição está sob sério risco. ?? difícil ganhar duas vezes na loteria eleitoral. O caminho errático gera prejuízos, queda da bolsa, dólar mais alto, desemprego e inflação. Se o governo continuar caminhando às cegas, o governo Bolsonaro poderá até produzir inédita escassez de combustível no país. Será outra consequência do improviso que o levou a ter um Ministro da Educação preso por formar uma organização criminosa e outros malfeitos, como gostava de qualificar os desvios de dinheiro público a inesquecível Dilma Rousseff, que viveu problemas semelhantes.
André Gustavo Stumpf), jornalista ([email protected])
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O poder e a sorte (André Gustavo Stumpf),
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