Tributo em Pauta: Ainda sobre responsabilidade tributária do sócio

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Responsabilidade tributária do sócio é um daqueles ‘temas eternos’, que sempre rendem boas discussões. Sempre haverá aquele que olhará torto por atribuir o fracasso de uma empresa a um sócio que não honra com compromissos perante os credores. Mas a verdade é que, na grande maioria dos casos, o sócio vê o sonho de todo uma vida se desmanchar em decorrência de um plano de negócio mal elaborado ou executado. A intenção era legítima e boa, mas, simplesmente, não deu certo!
 
Há três semanas, abordamos situações que justificam a desconsideração da personalidade jurídica da empresa para que os seus sócios e administradores sejam diretamente responsabilizados. Tratamos sobre a dissolução irregular e as suas consequências para o sócio que não soube encerrar a empresa da forma como manda lei (relembre aqui) . Hoje, falaremos sobre o outro lado da moeda. Falaremos daquele sócio que, apesar de comprometido com o negócio, viu todas as suas economias serem consumidas pela empresa que, apesar de todos os seus esforços, só acumulou dívidas. 
 
Assim como foi preciso definir parâmetros para evitar que o Fisco tivesse sua pretensão executiva frustrada – no caso da dissolução irregular, por exemplo – também foi igualmente preciso impor limites à atuação do Fisco nas suas investidas para cobrança de débitos tributários, para, assim, evitar abusos de sua parte.
 
Antes da Constituição Federal de 1988, o Supremo Tribunal Federal (STF) tinha competência para julgar interpretação divergente de lei federal e entendia que a responsabilidade de sócio, prevista no artigo 135 do CTN, era objetiva, isto é, existia mesmo sem culpa, dolo ou outro motivo de fato, bastando a mera impontualidade no pagamento do tributo (RE 113.852-1/RJ). 
 
A partir de 1988, esta competência foi transferida para o Superior Tribunal de Justiça (STJ), que manteve o entendimento do STF sobre responsabilidade tributária objetiva do sócio até 1996, quando começou a mudar a jurisprudência sobre o assunto (REsp 86.439/ES e REsp 100.739/SP). Em 2000, a Primeira Seção do STJ confirmou o entendimento das turmas (EREsp 100.739/SP) e, desde então, a jurisprudência é pacífica: a hipótese do artigo 135 do CTN é de responsabilidade subjetiva e compete a autoridade autora do lançamento de tributo comprovar a prática de ato “com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos”, do qual resultou a respectiva obrigação tributária.
 
Mas, na época, o STJ também firmou jurisprudência no sentido de que a Certidão de Dívida Ativa (CDA) gozava de presunção de certeza e liquidez. Traduzindo: se constasse nela o nome do sócio, ele poderia responder pelo débito da sociedade e seria dele o ônus de provar, por meio de embargos à execução fiscal, que não ocorreram os requisitos para atribuição de responsabilidade previstos no CTN.
 
Esse entendimento “legitimava” a conduta abusiva das Procuradorias Fiscais (em suas três esferas: Municipal, Estadual e Federal) de incluírem o nome do diretor, gerente/administrador ou representante na Certidão de Dívida Ativa, sem que estes sequer tivessem sido notificados no processo administrativo fiscal que deu origem ao débito e nele tivesse podido exercer o seu direito de defesa.
 
O STJ entendia que o sócio-gerente que deixasse de recolher tempestivamente os tributos devidos pela empresa infringia a lei e, como responsável tributário, poderia ser incluído no polo passivo da execução fiscal e ter seus bens particulares penhorados, mesmo que seu nome não constasse da Certidão de Dívida Ativa (CDA), o que era um verdadeiro absurdo, na medida em que ninguém pode ser responsabilizado por algo sem ter o direito de se defender.
 
Como a discussão envolvia violação a dispositivos constitucionais, como ampla defesa e direito ao contraditório, o Supremo Tribunal Federal (STF) também foi acionado e a Corte Suprema trilhou no sentido de que sócios e administradores devem ter a oportunidade de se manifestar desde o início do processo administrativo, entendimento este que haveria de avançar ainda mais. Assim sempre acreditamos!
 
Lembro que, em 2011, o STF reconheceu a inconstitucionalidade do art. 13 da Lei 8.620/93, segundo o qual os sócios das sociedades limitadas responderiam solidariamente, com seus bens pessoais, pelos débitos junto à Seguridade Social (RE 562.276/PR). O voto, de relatoria da ministra Ellen Gracie, trouxe um importante precedente a guiar as discussões sobre responsabilidade e solidariedade em matéria fiscal.
 
Em seu voto, a ministra relatora considerou essencial à compreensão do instituto da responsabilidade tributária a noção de que a obrigação do “terceiro” (aquele sócio com poderes de gestão e representação) de responder por dívida originariamente do contribuinte (empresa) jamais decorre pura e simplesmente da ocorrência do fato gerador, pois do fato gerador surge apenas a obrigação do contribuinte (empresa). 
 
De acordo com o julgado, o “terceiro” (sócio) só pode ser chamado a responder por tributos devidos pelo contribuinte em caso de descumprimento de algum dever de colaboração com o Fisco, dever este que seja desse terceiro e que tenha repercutido na ocorrência do fato gerador, no descumprimento da obrigação pelo contribuinte ou em óbice à fiscalização pela Administração Tributária. A responsabilidade tributária decorreria, portanto, do descumprimento de um dever de colaboração. 
 
Esse entendimento harmoniza perfeitamente com a Súmula nº 430 do Superior Tribunal de Justiça, publicada alguns meses antes, em 13/05/2010, no sentido de que “o inadimplemento da obrigação tributária pela sociedade não gera, por si só, a responsabilidade solidária do sócio-gerente”.
 
Podemos perceber que, assim como a jurisprudência avançou para legitimar os mecanismos de cobrança utilizados pelo Fisco quando verifica a prática de atos com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos, também avançou para reconhecer que o art. 135, III, do CTN responsabiliza apenas aqueles que estejam na direção, gerência ou representação da pessoa jurídica e tão-somente quando pratiquem atos com excesso de poder ou infração à lei, contrato social ou estatutos. Assim, apenas o sócio com poderes de gestão ou representação da sociedade é que pode ser responsabilizado, o que resguarda a pessoalidade entre o ilícito (má gestão ou representação) e a consequência de ter de responder pelo tributo devido pela empresa. 
 
Felizmente, a jurisprudência caminhou para reconhecer que o sócio não participa da relação contributiva propriamente dita, mas de uma relação específica de responsabilidade tributária, inconfundível com aquela. 
 
*Anna Tereza Landgraf é advogada e professora, especialista em Direito Tributário, MBA em Planejamento Tributário e em Gestão e Administração de Negócios, membro da Comissão de Direito Tributário da OAB/BA e da Associação Brasileira de Direito Tributário – ABRADT.

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