‘Com 15 anos, elas já buscam plástica’, diz Edu Fakiani, cirurgião das estrelas

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Duas perguntas intrigam o cirurgião plástico Eduardo Fakiani, 60 anos: “O que faz com que uma coisa seja bonita e com que até o feio seja bonito?”. As pacientes dele – a maioria, mulheres – talvez se façam as mesmas questões, mas parte delas já decidiu o que é bonito: parecer com filtros de redes sociais. 

?? comum que pacientes tirem o celular da bolsa e mostrem fotos de influenciadoras digitais. Quando isso de gente querer corpos de Instagram acontece, Fakiani, médico de estrelas como Ivete Sangalo, é “sincero”. “O que você está imaginando não vai ficar bem”, responde.

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Eduardo Fakiani em sua clínica em São Paulo

(Foto: Divulgação)

O apelo dos rostos e corpos emassados por filtros são o principal problema enfrentado, hoje, no consultório. Dele, surgem febres como o excesso em harmonizações faciais e preenchimentos labiais que relembram o cirurgião da febre das mamas gigantes nos anos 1990 – que agora provocam a busca pela retirada do silicone. 

Desde a graduação em Medicina pela Universidade de São Paulo (USP), Fakiani queria ser cirurgião plástico (“sempre me comoveu a beleza”) e se tornou um dos maiores do país, com agenda de atendimento na capital paulista e em Paris. 

O Brasil é o líder mundial no número de cirurgias plásticas. Aos 15 anos, já há mulheres que buscam intervenções como prótese ou intervenções na orelha. “Essa geração vem com a coisa da estética muito forte”. 

O cirurgião, no entanto, não se vê no lugar de criador (ou reprodutor) de padrões. “Se eu não achar que o nariz precisa ser operado, não vou operar. Ter nariz grande não é ruim, ter a mama um pouco caída não significa que é feia”.

Para ele, a ideia da perfeição, difundida nos anos 60, voltou com força nos últimos cinco anos, mas ele costuma dizer, quando nota excessos: “talvez está faltando outras coisas na sua vida que talvez não seja uma cirurgia plástica”. 

CORREIO: Como e por qual motivo você se interessou por cirurgia plástica?

Eduardo Fakiani: Me interessei ainda moleque. Entrei na Faculdade de Medicina para fazer cirurgia plástica. Meus colegas de colégio já sabiam que eu ia ser cirurgião plástico. Das colegas, eu operei a maioria [risos]. A estética sempre me encantou. O que faz com que uma coisa seja bonita? O que faz até o feio seja bonito? O belo sempre me chamou atenção. 

Para mim, a vida é conviver com coisas bonitas, então eu queria transformar coisas que as pessoas não gostassem. Em casa, não tem nenhum médico, nenhum fanático por cirurgia plástica. Mas eu gostava de tudo que era bonito e cirurgia plástica era muito ligado a isso. A influência que eu tenho… sempre vou citar o professor Pitanguy [Ivo Pitanguy, um dos médicos percursores da cirurgia plástica no Brasil], ele criou um estilo de vida e falava muito sobre isso, sobre o belo.

E qual é o seu ideal de beleza?
Me baseio na harmonia. O grande princípio é que as coisas belas tocam nosso coração, nos emocionam, e quando eu vou buscar aquilo que me emociona, sempre venho com a harmonia, aquilo que nos desperta alguma coisa, nos traz algum prazer. Para mim, o belo emociona. 

??s vezes, minhas pacientes até riem quando eu digo ???nossa como ficou bonito isso???. Na cirurgia plástica, estamos falando de pessoas, então é algo dinâmico, existem outras coisas, que não são estáticas, que vão fazer parte da beleza.

Existe todo o conjunto da obra, que faz com que a coisa fique mais ou menos bonita ??? a personalidade, o jeito que a pessoa fala. Não é estático e cada um tem a própria harmonia.
 
Já que cada um e um. Você já demoveu alguém da ideia de fazer uma cirurgia que achasse desnecessária?

Transformar uma pessoa acontece, mas são coisas muito escolhidas, porque cada um pode ser bonito do jeito que é. Por exemplo, eu tenho um queixo feio? Vamos trazer uma harmonia. Tem o caso da pessoa que sempre foi muito bonita, muito em ordem, e o corpo sofreu as ações naturais do tempo.

Existe uma terceira questão, quando a pessoa vem bonita, não precisa fazer nada, e quer fazer algo. Aí eu digo ???olha, voce me desculpa, suas mamas são lindas, o que você está imaginando, não vai ficar bem em você, criando cicatrizes que vão ficar horrorosas???.

“Uma coisa que eu busco hoje é ser muito claro e muito sincero: ‘está faltando outras coisas na sua que talvez não seja uma cirurgia plástica. O problema, talvez, não seja sua mama'”

Lembro de um caso, há uns 15 anos, de um menino de 18 anos que queria operar o nariz  dele. Ele disse: ???ah, meu nariz tem esse ossinho aqui em cima, não gosto???. Eu tinha uma revista aqui no consultório que era uma capa com Tom Cruise de perfil, que também tem um nariz adunco. Eu disse para ele: ‘Talvez eu não precise operar o meu nariz’. Ele desistiu da cirurgia.

Muitas vezes passeamos por modelos predeterminados de beleza que não correspondem ao que individualmente a pessoa precise. Se eu não achar que o nariz precisa ser operado, eu não vou operar.

Ter um nariz grande não é ruim. Ter a mama um pouco caída não significa que ela é feia. A ideia do perfeitinho, que surgiu nos anos 60, voltou com força nos últimos quatro e cinco anos.

A cirurgia plástica é um dos ramos médicos que mais crescem no país. Qual é, hoje, a preferência das pessoas que buscam por uma intervenção?
O que eu percebo é o seguinte: tanto em cirurgia de rosto, quanto de face, preconizamos muita tecnologia com cirurgia. Nem sempre fazemos a cirurgia, mas procedimentos estéticos. As pessoas ainda buscam muito a perfeição. Eu acho que a gente tem um grande marco nessa área que é o Instagram.

“Você abre seu Instagram, os rostos são perfeitos, todo mundo é bonito, menos você. Mesmo que você seja uma pessoa inteligente, esclarecida, é assim que acontece. A busca por estética de modo geral ??? da ginastica a cirurgia ??? é um fato”.

Nós percebemos nas demandas do corpo uma busca pelas formas do corpo. Poder formar um corpo novo é uma busca muito grande das mulheres. A mama, nos anos 80, era aquela mama gigante, hoje são mamas menores, mamas mais elegantes. Muitas que colocaram no passado vem tirando ou diminuindo.

Então, nesse sentido, as mamas são mais naturais, os corpos são mais esculpidos. Os rostos, a cirurgia de face, trazem um resultado muito mais natural e sempre associados a um tratamento mais dermatológicos. O bom cirurgião sempre está acompanhado do dermatologista.

O padrão de corpo muda com o passar do tempo. Em relação a cirurgias plásticas, você vê essa mudança no dia a dia? 

As mulheres pedem um bumbum empinado. Todas querem. O abdômen levemente definido, uma mama elegante, tratamentos de flacidez. Todo mundo se acha flácido, porque no Instagram ninguém é flácido.

Nos rostos, com a harmonização fácil, as pessoas querem intervir um pouco mais. São cirurgias de detalhes – levantar a ponta do nariz, os homens querem uma definição melhor de mandíbula. 

Eu tenho pacientes que vão há 50 anos na academia, agacham há 50 anos. e o bumbum não levanta. Agora há bioestimuladores que levantam o bumbum.

“Eu acredito de uns dois anos para cá, muito por conta da divulgação da harmonização facial, isso se tornou mais frequente. Esses procedimentos mais detalhados não tínhamos como fazer há uns anos”.

Para levantar o nariz, você tinha que fazer cirurgia. Hoje, em 10 minutos, você pode sair ele levantado. Em 10 minutos.Antes, você não tinha essa possibilidade, a não ser com cirurgia.  

O tema “harmonização facial” está em alta, mas nem sempre dá certo. O que você pensa sobre esse procedimento?

Nem sempre dá certo, tem muito caso errado. A harmonização facial me lembra um pouco da época de mamas grandes. Hoje, todo mundo vem tirar a mama. A harmonização facial começou a haver exagero, de alteração de resultado.

“Temos as deformidades ou rostos absolutamente iguais. Eu vi uma foto de oito homens esses dias e todos eram iguais. Isso é ruim. A perda da individualização é ruim. Da mesma maneira da prótese, passou a haver um pouco de exagero”. 

O acido hialurônico talvez seja o grande produto, porque pode ser colocado em quase todo lugar sem dano. Antes os produtos davam problema. Eu olho um rosto, eu vejo uma maçã de rosto pequena, o queixo um muito pequeno, se eu aumento mais o rosto, isso vai ficar mais bonito. Com isso surgiu esse termo que é bastante comercial ??? harmonização fácil.

Do ponto de vista prático, tantos médicos quantos dentistas podem fazer esses procedimentos. Na época em que o ácido foi introduzido no mercado, o dermatologista fazia. O dentista acabou encontrando uma brecha muito grande e começou a fazer uma série de intervenção, alguns com bastante conhecimento, outros não e fizeram desastre. 

Qual é a maior dificuldade hoje nos consultórios?

A maior dificuldade para mim, hoje, é o Instagram. Existe uma ideia de que não existem pessoas feias. Qualquer pessoa pode ser linda desde que ela se proponha a isso e tenha tempo e dinheiro. A partir do momento que isso passa a ser uma verdade, e com os filtros do Instagram, as pessoas perceberam que elas podem ser maravilhosas.

Há pessoas com boas maquiagens que ficam incríveis. Então, se eu tiver um bom personal, um bom nutrólogo, um bom cabeleireiro, vou ficar linda. Isso começar a gerar uma ansiedade de uma maneira desenfreada. 

“O resultado que se quer é o resultado do Instagram. ?? a maior dificuldade que sinto hoje. Há 20 anos, [pacientes] faziam uma cirurgia e ficavam felizes, hoje elas querem virar Kim Kardashian, e se não virarem, a culpa é do médico. Com 60 anos, elas querem parecer de 30”.

Tenho uma filha de 21 anos e ela é maravilhosa de linda. Ela não coloca uma foto no Instagram sem filtro. ???Ai, não, eu estava com pescoço torto???. E ela é arquiteta, não é blogueira, nem nada. Essa ansiedade que me trazem é o maior desafio.

As pessoas mostram fotos de pessoas. ???Olha a mama dessa moça, é assim que eu queria???. A pessoa tem 40 anos, uma mama caída, teve filhos, e mostra a foto de uma blogueira de 22, que colocou uma prótese e nunca teve filho. Isso acontece frequentemente. Aí eu falo: ???oh, a gente precisa conversar, não vamos conseguir esse resultado???. 

A boca é uma nova onda, mais inchada. As influencers são as expoentes da beleza. Como se discute isso?

A boca é uma demanda grande. Todo mundo quer fazer e pode ficar bonito mesmo. Ao longo dos anos a pessoa vai perdendo o volume. Então, tem uma busca muito grande. Eu acabo dividindo os procedimentos ??? eu pessoalmente realizo as cirurgias do inicio ao fim e tenho equipes que fazem preenchimento.

As exigências de pessoas famosas e anônimas são diferentes?

As exigências das anônimas são maiores [risos]. A gente atende um monte de famosa, as principais do país. Elas são, sem exceção, umas gracinhas de pessoas, com as complicações delas, de agenda, tudo mais. Essa é a complicação. Como paciente e expectativa de resultado, elas são mais tranquilas.

São vaidosas, umas são bem mais, afinal elas vivem da imagem delas. Mas a preocupação delas é muito profissional. ???Fakiani, eu to indo no show e eu não posso ter essa cintura sobrando, essa gordurinha???. Elas são muito tranquilas. 

Mas, no fim, os desejos das mulheres acabam sendo muito parecidos. Todo mundo acha bacana um lábio maior, um bumbum.

Como fica essa ansiedade para quem não tem dinheiro, mas é exposto a conteúdos similares de ???beleza????

Eu acho que é o seguinte: claro que nós temos todo tipo de custo, existem coisas que mais cara e mais baratas que são boas do mesmo jeito. O problema que eu vejo é que, no Brasil, se luta pela sobrevivência. As pessoas têm dificuldade de ter teto, colocar comida na mesa, essas são as grandes prioridades, devem ser as grandes prioridades. Mas a mulher, independentemente disso, tem desejos de ficar mais bonita, se arrumar mais. 

Temos dois problemas que vem daí. O da frustração, primeiro. ???Meu sonho era fazer uma plástica, mas não vou ficar e tudo bem???. O segundo,  maior, é quando ela deixa de comer para fazer a cirurgia. Aí eu vejo como problema, pessoas que mal tem condição de se manter, juntando dinheiro para fazer botox.

Vão ficar com a testa lisa por mais 4 meses e pagar por 10 e 12 meses. Acho que a felicidade que isso traz para ela é de um padrão imposto e isso é ruim emocionalmente. E isso é vendido como se fosse espetacular e necessário, acho que essa importância do padrão não deveria ser tão grande.

Muita gente faz sacrifício desmedido para ficar bonita num universo que isso não deveria ser tão importante.

Você se vê nesse lugar de criador de padrões?

Não me vejo. Eu não tenho essa história do padrão. Tenho uma história de trabalhar com o individual. O que sempre falo para pacientes que querem cirurgia de face? Cada pessoa precisa de uma cirurgia, tem gente que precisa mexer na orelha, tem gente que não precisa.

Não gosto de fazer as coisas iguais. Claro que a gente acaba adquirindo, em decorrência do histórico, alguns padrões. Por exemplo, eu não gosto de mama grande, não gosto de corpo muito marcado em mulher, então eu, no fundo, também tenho meus padrões de beleza. 

Quem busca, hoje, uma cirurgia plástica?

Existe de tudo. Desde a adolescente com 15 a 16 anos a pessoas com 70 querendo arrumar o corpo inteiro. Homens procuram hoje com muita naturalidade, está sumindo o estigma, mas homem [cisgênero] não engravida, então ele vai querer certos procedimentos ??? abdominoplastia, por exemplo.

Com 15 e 16 anos, elas já buscam cirurgias plásticas como prótese de mama, redução da mama ou por causa da orelha, geralmente. Com 16 ano, já é permitido fazer intervenção na mama. Essa geração já vem a coisa da estética muito mais forte.

Qual costuma ser a diferença de abordagem clínica com essas pacientes mais jovens? 

Sem sombra de dúvidas, eles têm que vir acompanhado dos pais. Sempre buscamos abordá-los tentando entender até que ponto a cirurgia é um procedimento estético ou um momento de insegurança da adolescência, em que ele busca um procedimento que não é viável e nem sempre vai ficar bom.

Já ouvi você falar que esse que também cresce na cirurgia plástica o apelo pela naturalidade. ?? possível conciliar naturalidade e cirurgia plástica?

Sim, sem exagerar, sem transformar a pessoa. Cirurgia plástica não precisa trazer aspecto artificial, nem ser marcada ou estigmatizada na pessoa. Tanto a cirurgia plástica quanto o procedimento estética, se forem feitos com parcimônia, vão trazer resultado natural.

A artificialidade é composta por dois tipos de problema. Primeiro o procedimento mal realizado. Segundo, o procedimento realizado em excesso. Se desviarmos disso, teremos um resultado bastante natural.

A preferência de europeias e brasileiras é diferente?

O europeu se arruma. A depender da cultura, ele pode ser mais ou menos elegante. Ele se cuida e ponto. Ele não despende essa fortuna em procedimentos estéticos como as brasileiras. Nossa sociedade, brasileira, que impõe isso, e as pessoas que têm menos condições vão ficar frustradas ou venderão a alma para fazer o procedimento.

Tenho atendido em Paris. Atendi recentemente uma senhora de 60 anos extremamente elegante, que frequenta os melhores lugares e ela veio me falar do rosto. Ela queria melhorar o rosto dela. Aí eu disse: vamos levantar o rosto. Ela respondeu: ???a idade faz isso com a gente, o normal é isso, só quero levantar um pouco o rosto???.

Aí, mudando para São Paulo, paciente de 45 anos: ???doutor meu peito está começando a cair, quero mudar tudo???. Então são culturas muito diferentes. São padrões muito diferentes. 

Faz parte do sonho de consumo fazer uma plástica. Chegam os comentários pelo Instagram: ‘dr., eu tive 5 filhos, estou muito caída’. Eu sei que existe essa pressão, o que eu falo é que cirurgia plástica é um produto de consumo como qualquer outro. ?? um sonho de consumo, mas é diferente de quando a pessoa está doente.

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