“A Internet é terra de ninguém” é uma afirmação equivocada e aparentemente superada. Mas nem tanto. A regra geral, quando seres humanos adultos agem, na internet, como adultos e com os mesmos critérios com que, por exemplo, agiriam na rua, seja como, motorista ou pedestre, é de que a pessoa que age com cautela tem maior chance de passar incólume e ilesa pelas mais diversas situações.
Se por um lado, para citar um exemplo contemporâneo e marcante, não é cauteloso quem manipula o telefone celular ao guiar um automóvel ou andar pela rua, por outro lado, também não é cauteloso quem não utiliza programa antivírus em seus desktops, notebooks e smartphones. Quem utiliza antivírus corre menos risco de sofrer, por exemplo, invasão de dispositivo ou sequestro de dados.
Chance de incolumidade não é garantida de imunidade a fatores externos. Mesmo as pessoas mais cuidadosas podem ser vítima da ação lesiva de alguém que crie um perfil falso que manche sua honra e imagem, por exemplo, causando dano moral. Nesse caso, por maior que seja o cuidado com que a vítima tenha agido, suas cautelas e precauções não teriam sido suficientes para deter a ação do terceiro ofensor. Nesse caso, tanto para a localização da máquina utilizada para perpetrar a ofensa como para identificar a pessoa que praticou o ato é necessário realizar um rastreamento dos elementos conhecidos, anotando os caminhos percorridos durante o rastreamento, e, ato contínuo, dirigir-se a um tabelionato de notas para solicitar a lavratura de uma ata notarial, para a consignação daquelas informações obtidas no rastreamento em um documento com fé pública e força probante.
O(A) servidor(a) do tabelionato a quem incumbir lavrar a ata notarial não deverá nem poderá transcrever cegamente os prints (imagens) de telas, impressos de e-mails, fotografias e outros documentos apresentados pela suposta vítima. Se o fizesse, produziria prova unilateral em favor do solicitante, e equipararia tão importante instrumento público em um papelucho sem fé pública e com força probante tão frágil quanto um print de tela apresentado pela parte interessada.
O(A) servidor(a) do tabelionato deve, ele(a) próprio(a), fazer a pesquisa das telas, das imagens, das redes sociais, dos e-mails, enfim, dos elementos cujas imagens farão parte da ata notarial. ?? esse procedimento, descrito pormenorizadamente, passo a passo, na ata notarial, que lhe outorga presunção de veracidade e credibilidade de prova pública.
O print de uma tela de página na Internet ou de rede social, um cabeçalho de e-mail, o texto de uma publicação eletrônica ou de uma mensagem de WhatsApp ou Direct, podem ser manipulados pelo interessado, de modo a simular uma imagem ou texto que não corresponde à realidade. Por isso mesmo é imprescindível que sejam consignados na ata notarial o passo a passo, como a solicitação inicial do interessado, acionamento da máquina, login do usuário do cartório, o percurso navegado na Internet, os logins nas redes sociais, aplicativos de correio eletrônico e quaisquer outras aplicações que sejam objeto de prova. Tudo será consignado na ata notarial: itinerário eletrônico, navegação, acessos, enfim, isto é, tudo o que for feito com o objetivo de lavrar a ata notarial.
A ata notarial é um instrumento milenar, surgido com o advento da escrita, no mundo antigo, há cerca de seis mil anos. A Carta de Pero Vaz de Caminha é considerada a primeira ata notarial lavrada no Brasil. Com o advento da Internet comercial no Brasil, em 1995, surgiram as primeiras ofensas via Internet. Naquela época, as redes sociais e de comunicação eram mais rudimentares do que as de hoje em dia. Desde então, a ata notarial tem sido bastante utilizada como prova pré-constituída para utilização em processos judiciais. O Código de Processo Civil (CPC) de 2015 fomenta a utilização da ata notarial, mas não a criou, pois já existia.
São requisitos das atas notariais, para que tenham a necessária força probante: local, data de sua lavratura e hora; nome e qualificação do solicitante; narração circunstanciada dos fatos; declaração de haver sido lida ao solicitante, e, sendo o caso, às testemunhas; assinatura do solicitante, ou de alguém a seu rogo, e, sendo o caso, das testemunhas e assinatura e sinal público do Tabelião. O “pulo do gato”, revelador da qualidade de cada ata notarial como meio de prova está na narração circunstanciada dos fatos. ?? justamente esse itinerário que, quando adequadamente consignado, tornará incontestáveis os fatos nela descritos.
Conforme as circunstâncias de cada caso concreto, as atas notariais devem registrar a URL (o endereço eletrônico completo), dia e hora de uma publicação na internet, em texto, imagem ou multimídia, o cabeçalho completo de mensagens de correio eletrônico, os endereços IP (protocolo de internet) encontrados, os provedores que fornecem conexão através de tais endereços IP, além de todos os aspectos técnico que possam conduzir à localização da máquina, ou rede, utilizada pelo ofensor, ou que possam fornecer informações suficientes para que o juiz competente determine ao provedor de conexão ou de aplicações a localização ou identificação de equipamentos, redes e pessoas vinculadas.
Muitas vezes, em processos judiciais, haverá a necessidade de realização de perícia técnica em dispositivos e sistemas, para apuração de provas dinâmicas. Entretanto, para a apuração e materialização documental de provas relativas a imagens e textos, a ata notarial é o meio correto e adequado para a positivação da prova pré-constituída a ser apresentada em juízo.
Apesar do estímulo dado pelo CPC de 2015 ao uso da ata notarial, e de sua força como prova, ainda é pouco utilizada, e há quem dela não se valha, preferindo anexar simples prints de tela em processos judiciais, o que constitui meio de prova unilateral e impugnável. A ata notarial é um documento público, com o mesmo valor probante de uma escritura pública. Consequentemente faz prova dos fatos nele consignados. Por todas essas razões, a ata notarial é um instrumento que deve ser mais e melhor utilizado.
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