Faltam 121 dias para o início da Copa do Mundo do Catar-2022, no dia 21 de novembro. E pela primeira vez na história iniciada em 1930, o Mundial será realizado em um país do Oriente Médio.
Além dos anfitriões, outras duas seleções irão participar da Copa representando a região: Irã e Arábia Saudita. Com isso, essa é a Copa com a maior participação de países do Oriente Médio na mesma edição. Até então, em 2018, 2006 e 2002, dois países estiveram presentes.
A localização no Oriente Médio faz dessa Copa Mundo um evento que, pela primeira vez, pode atrair a atenção de espectadores para a cultura e o comportamento desses países num contexto que extrapola o esporte e a pouca tradição deles no futebol.
Diferenças entre os ???iguais???
E para começar a entender o que esse conjunto de 15 países e mais de 270 milhões de habitantes representa é importante fazer uma distinção que, aos olhos de muitos, pode passar despercebida. Apesar de 90% da população do Oriente Médio ser adepta do islamismo, não é correto afirmar que todos os países da região são árabes. Isso porque há diferença fundamental entre pertencer ao ???mundo árabe??? e ser muçulmano.
O termo destacado acima entre aspas foi colocado pelo senso comum ocupando um espaço que não necessariamente lhe pertence. Enquanto o árabe se refere a uma composição étnica e geográfica, o muçulmano se restringe aos praticantes da religião islâmica. Ou seja, nem todo árabe é muçulmano e nem todo muçulmano está no ???mundo árabe???.
Ao contrário do Catar e da Arábia Saudita, a seleção do Irã, por exemplo, representa um país persa, que por sua vez também faz parte do Oriente Médio. O fato do Irã estar rodeado de nações com origem arábica faz com que muitos levem o equívoco adiante.
Em uma religião que engloba os países do norte da África e outros presentes no Oriente Médio, é possível fazer a distinção de quem é árabe, persa, turco e curdo. Lembrando que todas essas são características de grupos étnicos. O ???mundo árabe??? é aquele que se estende na maior porção territorial, envolvendo países como Egito, Jordânia, Síria, Líbano, Iraque e também os da península Arábica – local que deu origem aos árabes.
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Mapas do ‘mundo árabe’ (em cima) e Oriente Médio (embaixo) (Fotos: Reprodução/Internet) |
Já os persas têm uma origem ligada aos povos indo-europeus, que ocuparam a Ásia Central por volta de 1.000 a.C. Portanto, assim como o Brasil carrega marcas que o diferenciam de outras nações da América Latina, o Irã possui suas particularidades linguísticas que não são as mesmas dos árabes.
A título de curiosidade, a maior concentração de muçulmanos em um único país não está, pasmem, nem em território árabe e muito menos no persa. Com mais de 200 milhões de fiéis ao islã, a Indonésia, que fica Sudeste Asiático, reúne a maior quantidade de muçulmanos no mundo.
Influência religiosa
Voltando a falar de religião, onde aí sim há uma abrangência maior entre os países do Oriente Médio, a prática do islã se tornou pauta no esporte mundial quando se noticiou a chegada da Copa do Mundo ao Catar. Quem acompanha o noticiário com frequência certamente ouviu falar sobre as limitações impostas pelo governo local quanto ao uso de bebidas alcoólicas em lugares públicos (dentro de hotéis é permitido) e até de práticas sexuais no país durante o Mundial. Um enorme choque cultural aos olhos ocidentais.
Dentro dos oito estádios que sediarão os jogos da Copa Mundo não será permitida a venda de bebidas alcoólicas. O consumo da cerveja, por exemplo, está restrito ao espaço onde acontecerá a Fan Fest da Fifa, que reúne milhares de torcedores para acompanhar os jogos por telões. O espaço, que ficará no Parque Al Bidda, na capital Doha, e com capacidade para receber 20 mil pessoas, terá venda de cerveja em horários determinados.
Além disso, como determinam as leis do Catar, baseadas nos princípios islâmicos, todo homem ou mulher que for flagrado praticando atos sexuais com alguém que não for seu/sua parceiro(a) poderá ser condenado à prisão por até sete anos.
A Fifa vem sofrendo pressão de ativistas dos direitos humanos, que cobram da entidade a necessidade de garantir segurança a todos os visitantes durante a competição, principalmente do público LGBT+. No Catar, ainda que menos radical que a Arábia Saudita, por exemplo, é considerado crime ser homossexual.
Em entrevista à agência AP, o general maior do Catar, Abdulaziz Abdullah Al Ansari, chegou a afirmar que bandeiras que façam alusão ao movimento serão confiscadas, apesar de garantir que membros de todas as comunidades são bem-vindos durante a Copa, contanto que não reproduzam manifestações políticas e sociais sobre o assunto.
Tensões políticas
A Copa do Mundo de 1998, na França, estampou nas folhas de jornais uma imagem histórica e que diz muito sobre a histórica tensão política entre Ocidente e Oriente.
Atletas norte-americanos e iranianos, lado a lado, entraram abraçados em campo e posaram para uma foto antes da partida entre as seleções, válida pela segunda rodada da fase de grupos. O jogo, que terminou com vitória dos iranianos por 2×1, foi o primeiro confronto entre os países pelo Mundial e a última partida entre eles.
Dessa vez, muito mais longe do território americano, Estados Unidos e Irã se enfrentarão na última rodada do Grupo B, o que ainda coloca uma tensão no lado esportivo, já que pode indicar a classificação ou eliminação das equipes. Por enquanto, o assunto foi tratado de forma serena pelo treinador estadunidense, Gregg Berhalter, e pelo croata Dragan Sko?i??, que comanda o Irã. O foco ficou, de fato, no desempenho em campo.
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Seleções dos EUA e do Irã abraçadas na Copa de 98, na França (Foto: Jerome Prevost/TempSport/Corbis/VCG) |
Mas para entender o peso desse confronto é preciso voltar algumas décadas, precisamente até 1979. A histórica tensão entre os dois países começa a partir da Revolução Islâmica (ou Iraniana), movimento que transformou o Irã em uma república islâmica e o tirou do controle do líder Xá Mohammad Reza Pahlevi, que era pró-Ocidente. A revolução colocou no poder o aiatolá Ruhollah Khomeini, uma autoridade religiosa xiita iraniana.
A insatisfação com o crescimento da cultura ocidental no país, a constante violência por parte das forças armadas comandadas pelo xá Reza Pahlevi e o movimento de ???embranquecimento??? por parte dos Estados Unidos e do Reino Unido contra o Irã motivaram a tomada de poder.
Desde então, uma sequência de retaliações entre os países determinou, de vez, uma tensão política baseada na opressão. A linha do tempo ficou marcada por acontecimentos históricos, como o apoio dos EUA a Saddam Hussein na invasão do Iraque contra o Irã, o sequestro de americanos na embaixada na capital iraniana e, mais recentemente, o bombardeio que matou um dos principais líderes das forças armadas do Irã.
O inesperado abraço coletivo entre americanos e iranianos na Copa de 98 voltou a ser destaque quando, em 2020, o então presidente dos EUA, Donald Trump, ordenou um ataque que matou o braço de elite da Guarda Revolucionária Iraniana (GRI), Qasem Soleimani. ??quela época, antes do caos da pandemia, muitos se preocupavam com os desdobramentos da retomada desses ataques a partir de uma retaliação do Irã.
De lá para cá, as pautas sobre tensões geopolíticas internacionais ganharam um outro foco. Mas a partida entre Estados Unidos e Irã, no dia 29 de novembro, não deixará de ser um marco para os livros de história e para o futebol.
Império do petróleo
Falar sobre o Oriente Médio e futebol é falar sobre história, geografia, política e (por que não?) economia. ?? difícil citar uma grande equipe de futebol que compete nas principais ligas da região. Isso porque, apesar da paixão do povo pelo esporte, o futebol não é o forte dessas nações. Não há um grande elenco ou um grande jogador de time local que se destaque mundialmente.
Mas seria um erro grotesco não enxergar que, hoje, a elite do futebol mundial gira em torno de figurões que, muito além da qualidade técnica, investem no futebol esperando um retorno milionário para os seus bolsos.
Se ainda não ficou clara essa relação entre o Oriente Médio e o futebol, aqui vai uma dica fácil: Neymar, Messi e Mbappé. Sabe o que esse trio do Paris Saint-Germain tem em comum? Todos eles foram contratados e bancados às custas do dinheiro do governo do Catar.
Para simplificar a relação, o Paris Saint-Germain foi comprado pelo Qatar Sports Investments (QSI) em 2011. O QSI é uma das divisões do Qatar Investment Authority (QIA), que é um fundo de investimentos comandado pelo emir do Catar, Tamim bin Hamad Al Thani. Ou seja, o CEO do fundo de investimentos é a entidade máxima do Catar, país que tem sua riqueza baseada na venda de petróleo. O valor estimado do QIA é de 320 bilhões de dólares.
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Nasser Al-Khelaïfi (esq.) é o presidente do PSG. Tamim Al Thani (dir.) é o emir do Catar (Foto: Reprodução/Twitter) |
O mesmo serve para o Manchester City e para o Newcastle, ambos da Inglaterra. Essas equipes também são controladas por fundos de investimentos bilionários oriundos da exportação de petróleo e gás natural – que tem abundância no Oriente Médio
O Abu Dhabi Investment Authority comanda o City Football Group e terá, em breve, relações mais próximas com o futebol brasileiro. Isso porque o Bahia está prestes a fechar a venda do clube para o grupo. A fortuna do Abu Dhabi Investment, que também pertence à ???família real??? dos Emirados Árabes Unidos, é de mais de 1 trilhão de dólares. A Arábia Saudita, através do Newcastle, entrou de vez no ramo do futebol e pretende investir mais de R$ 6 bilhões no clube ao longo dos anos.
E é com essas cifras altíssimas e relações empresariais sem precedentes que o Oriente Médio interfere no mundo da bola. O principal objetivo com a compra dos clubes e com a realização da Copa do Mundo no Catar, por exemplo, está relacionado com a expansão de marcas do país, turismo e a aproximação dessa região com o Ocidente, que já foi muito mais distante.
Curiosidades sobre seleções do Oriente Médio
Maior artilheiro por seleções do Oriente Médio: Ali Daei
O atacante iraniano marcou em sua carreira 109 gols com a camisa da seleção. Na lista geral de maiores artilheiros por um mesmo país, Daei só perde para Cristiano Ronaldo, que marcou 117 gols por Portugal.
Seleção do Oriente Médio com mais participações em Copas do Mundo: Arábia Saudita
A seleção da Arábia Saudita já participou de cinco edições de Copa do Mundo: 1994, 1998, 2002, 2006 e 2018. A sexta participação será neste ano, no Catar.
Seleção do Oriente Médio com mais títulos da Copa da Ásia: Arábia Saudita e Irã
Arábia Saudita e Irã conquistaram, cada uma, três títulos da Copa da Ásia. O Irã conquistou os troféus em três edições seguidas: 1968, 1972 e 1976. Já a Arábia Saudita levou a Copa da Ásia em 1984, 1988 e 1996.
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