No sentido figurado, a expressão ???cair do cavalo??? significa se dar mal, todo mundo sabe. Afinal, quem nunca caiu do cavalo em algum momento da vida? Quem nunca? Em 2017, Jaciara Cedraz Carneiro passava por um daquelas fases complicadas, tão dolorosas quanto uma queda (literal) de cavalo. Foi um vídeo postado por uma amiga numa rede social que lhe mostrou uma nova perspectiva. Nas imagens panorâmicas feitas por drone, pessoas montadas em cavalos corriam entre bois, numa pista de terra.
O vídeo mostrava uma apresentação de team penning, esporte que consiste na apartação de bois. A prova é realizada em uma pista parecida com a da vaquejada, só que menor. Nela, fica uma equipe de três pessoas (homens ou mulheres), montadas em cavalos. Na parte de trás da arena, são colocados 30 bovinos numerados; eles são separados em dez grupos de três. Do lado oposto da arena, fica o curral. No início da prova é realizado um sorteio com o número dos bois. O objetivo da equipe é apartar os animais numerados e levar para dentro do curral os três bois com a numeração sorteada, em menor tempo possível. Esse tempo deve ser de até 90 segundos.
Diante da beleza das imagens rústicas, os olhos da funcionária do Tribunal de Justiça da Bahia brilharam. Jaciara limpou o pó da rasteira da vida, subiu no cavalo e aderiu ao esporte: ???Me apaixonei!???, lembra ela, que era apaixonada também por vaquejada, mas não pode realizar o sonho de correr na juventude.
???Se não fosse o team penning na época, tenho certeza que eu iria entrar em uma depressão???, fala, com a voz embargada.
???Sou muito grata ao mundo do cavalo por essa emoção que me proporciona. O cavalo me aproxima muito do meu pai???, emenda ela, que estava em processo de separação e havia perdido o pai anos antes, mas ainda vivia o luto.
Aos 54 anos, Jaciara é uma das 30 pessoas de sua família que praticam o team penning. Se considerarmos que são cerca de 200 praticantes da atividade em toda a Bahia, seus familiares contribuem com 15% desse total.
Naturais de Mairi, centro-norte baiano, a relação dos Cedraz Carneiro com a zona rural é forte e talvez justifique o interesse de tantos membros pelo esporte. ???Cresci com meus irmãos ajudando meu pai na fazenda, buscando boiada na caatinga e tudo que ele ensinava a fazer, sempre com cavalo e gado. Fomos criados passando férias escolares na roça, ajudando ele na labuta???, relembra Jaciara. Morto em 2009, o patriarca, Adauto Cedraz, também deixou para os filhos o legado da vaquejada e tem até uma pista com seu nome em Mairi.
?? permitido criança
Pela capacidade de agregar muita gente e, em especial, familiares, o team penning é mesmo considerado ???o esporte da família???. Adelmo Cedraz Carneiro, 53, conheceu a modalidade através de Jaciara, que é sua irmã. Foi fichinha pra quem já corre vaquejada e participa de pega de boi no mato. Diante da segurança proporcionada pela experiência – e por ser quase orgânica para o homem do campo a lida com bois e cavalos, desde muito cedo -, há seis meses, Adelmo iniciou também o neto no esporte. O detalhe é que Bernardo tem cinco anos.
???Acho seguro para as crianças praticarem???, ressalta ele, enfatizando que tem também o consentimento da avó de Bernardo. O menino adora a brincadeira: ???Ele age com extrema euforia, pede para montar sempre. ?? uma criança destemida e que aprende muito rápido???. Mas, calma, meu povo: Bernardo pratica o team penning no cavalo junto com o avô.
Com mais experiência, mas ainda classificada na categoria ???criança???, Ana Beatriz Cedraz Gomes, de 11 anos, monta sozinha. Iniciada no esporte há dois anos, ela já fazia cavalgada e agora divide o tempo entre as aulas na escola, as brincadeiras com as amigas, os episódios da série ???Heartland??? (sua preferida) e os treinos de TP. ???O que mais me agrada é que o team penning pode ser praticado por todas as idades e é um esporte muito divertido???, destaca Ana Beatriz ou Bia, para os mais chegados.
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Foto: Divulgação |
A menina é mais um dos 30 integrantes da família Cedraz Carneiro que se renderam ao esporte. Questionada se tem medo de se machucar durante os treinos e competições, ela é direta: ???Tenho não!???. A mãe, Gilmara Lane Cedraz Varneiro, 47, se derrete pela filha prodígio: ????? muito prazeroso. Além do orgulho em ver o quanto ela monta bem. Para você ter uma ideia, a última vez que corremos o team penning juntas, os elogios que recebi foram: ???Tu corre bem, mas Bia corre melhor que tu??????, conta, aos risos.
Quem iniciou Bia na atividade esportiva também foi a tia Jaciara. Mas, aqui vale destacar o incentivo da matriarca da família Cedraz Carneiro. Aos 89 anos de idade, Terezinha Maria Carneiro já participou de provas do esporte e, recentemente, ganhou dos filhos uma pista de TP com seu nome, em Mairi. Na inauguração, ela entrou imponente em seu cavalo.
???Por mais que eu tenha ganhado em primeiro lugar em vários campeonatos, esse foi o momento mais importante que o team penning me proporcionou. Foi quando eu vi que minha família abraçou o esporte, e vi minha mãe, meus sobrinhos, meus irmãos, todos reunidos em prol disso, foi o momento mais lindo!???, garante a filha Jaciara Cedraz Carneiro.
Início
O team penning é uma modalidade esportiva equestre que, em inglês, significa ???time de apartação???. Teve origem no Texas, Estados Unidos, a partir dos manejos que eram realizados nas fazendas de pecuária, em que determinados bovinos tinham que ser apartados para serem curados, vacinados, medicados e marcados, por exemplo.
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Foto: Divulgação |
O esporte chegou na Bahia no início dos anos 2000. Um dos responsáveis pela popularização foi Oscar da Silva Villas Boas, 72, que foi presidente da Associação Baiana de Criadores de Cavalos (ABCCPE) de 2002 a 2006 e chegou a realizar algumas competições. ???Implantamos aqui a primeira prova, bem precária, com um gado muito manso???, relembra. Segundo Oscar, apesar de ser um esporte com raízes rurais, houve uma adesão grande entre os jovens de Salvador e Região Metropolitana: ???A juventude urbana caiu pra dentro! O esporte cresceu muito entre os médicos, advogados, empresários, etc.??? Hoje em dia, a Bahia conta com mais de 30 pistas de team penning, espalhadas de oeste a sul do estado.
Uma dessas pistas fica em Cajazeiras de Abrantes, Camaçari, RMS. O Gomes Ranch é comandado pelo empresário Jarbas Ferreira dos Santos Gomes, 41, que também é competidor de team penning e um dos grandes nomes do esporte no estado. São mais de duas centenas de troféus conquistados. ???Nunca parei pra contar, mas tenho certeza que são mais de 200. Já fui campeão de provas na Bahia, em Sergipe e em Minas Gerais???, avisa. A dedicação a esse universo é total: ???Team penning pra mim é vida, saúde, trabalho, família, amizade, é vida???, garante.
Quem também leva o esporte muito a sério é Georgia Ortega Taques, 41, ???a vereadora feminina do team penning???, como ela se refere. A esportista é uma das maiores entusiastas da atividade na Bahia. Nascida em Rio Branco, no Acre, e criada em Cuiabá, no Mato Grosso, a empresária da área de planos odontológicos chegou em Salvador em 1999 e, desde então, faz o corre no TP. Não apenas como esportista, mas também como quem quer dar visibilidade ao esporte: ???Já conhecia o team penning pela televisão. Quando cheguei na Bahia, eu e s. Oscar Villas Boas começamos a praticar e a fomentar o esporte e a trazer novas pessoas, novos competidores, novas pistas, formamos um grupo, começamos a promover campeonatos???, conta. Em 2004, foi realizado o primeiro campeonato baiano de team penning.
Um dos grandes desafios que Georgia percebe para o TP, atualmente, é mantê-lo em voga no estado. Principalmente porque é um esporte relativamente caro. Além do cavalo – normalmente, da raça quarto de milha, por sua agilidade -, o participante precisa de uma estrutura para treinar, e os campeonatos, para serem realizados, necessitam de uma quantidade considerável de bois. O deslocamento desses animais não é barato.
???Eu costumo ter patrocinador, mas nem todo mundo tem, o que dificulta a permanência no esporte???, afirma Georgia, que está em articulação com organizadores de outros estados para realizar provas e campeonatos, em breve, na Bahia.
Locutor por acaso
Em 2015, Jerfson Freitas, 35, foi convidado para um bolão de vaquejada em sua cidade, Feira de Santana, e o locutor teve um problema, precisando se ausentar do evento. Mesmo sem experiência na área, Lampião, como é conhecido no meio, resolveu se arriscar na locução, para ajudar o primo organizador do bolão. De lá pra cá, não parou mais, tendo narrado diversos campeonatos de TP. Ele garante ser o único narrador de team penning da Bahia.
???Ser locutor, tanto quando competidor, é cem por cento emoção. A gente precisa fazer o link entre público e competidor, fazer com que as pessoas que estão assistindo sintam a vibração através de cada movimento executado em pista???, ressalta Lampião, que é também competidor, graduando em Direito e vendedor de produtos orgânicos.
O fã do Rei do Cangaço exerce, ainda, a função de juiz de team penning em algumas provas e campeonatos. Entre as regras, Jerfson destaca que os animais devem ser tratados com respeito: ???Não pode haver contato excessivo para derrubar o boi, não pode chicotear os cavalos, não pode erguer o braço para evitar o movimento do boi e não pode proferir palavras de baixo calão. Qualquer uma dessas atitudes gera desclassificação. Ou seja: tem que ter muita técnica, habilidade e trabalho em equipe???.
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