Inundações, secas, temperaturas em elevação ou queda de maneira desregrada e estações que se recusam a marcar com precisão o compasso dos meses do ano. A crise climática é realidade, atinge em cheio populações mais vulneráveis e faz do Brasil ator fundamental no combate a essas mudanças. Treinamento inédito no país vai formar ativistas para integrarem uma rede de mobilização em busca de soluções para a realidade em que vivem. Especialista alerta que Minas Gerais tem muito trabalho pela frente para proteger os mais vulneráveis.
A iniciativa é do Climate Reality Project (projeto Realidade climática). Organização global fundada pelo ex-vice-presidente dos Estados Unidos e Prêmio Nobel da Paz Al Gore, é representada no país pelo Centro Brasil no Clima (CBC). O “Climate Reality Leadership Corps – Treinamento Virtual Brasil 2022” é uma formação global, online e gratuita, que visa oferecer ferramentas, conhecimento e a possibilidade de contatos em busca de uma atuação consistente no combate às crises climáticas e na construção de um mundo mais justo.
O treinamento vai capacitar o público em geral que esteja interessado pela mudança climática no mundo, mas, tem como público-alvo pessoas de baixa renda, moradores de comunidades, negros e representantes de povos indígenas e quilombolas. A ideia é oferecer novos relacionamentos com ativistas climáticos, compreensão mais profunda da ciência climática, soluções que promovam oportunidades e equidade, além de conscientizar sobre como a crise climática afeta o cotidiano e aprofunda as disparidades sociais. A iniciativa mostra, ainda, a relação com outros tipos de opressões, como racismo e machismo.
O treinamento será baseado nos impactos climáticos vividos pelos brasileiros e nos princípios da justiça climática. As inscrições podem ser feitas até segunda-feira no climaterealityproject.org/training/brazil. No fim, os participantes receberão certificado internacional e serão Líderes de realidade climática do Climate Reality, fazendo parte de uma rede de mais de 42 mil ativistas que representam mais de 170 países do mundo todo.
Coordenador Estratégico do Climate Reality Project Brasil, Sérgio Besserman explica que o treinamento fornece uma base de conhecimento atualizado, tanto sobre os desafios e problemas, como sobre as soluções. “Os lideres climáticos podem se integrar a uma rede brasileira e global de troca de conhecimento e ativismo muito diversa e, por isso mesmo, muito forte. O Climate é plural e por meio dessa rede, e em parceria com muitas outras, possibilita, com sua própria visão de mundo, desejos, valores e posições políticas, fazer parte dessa grande transformação histórica da civilização”, afirma.
Transformação que o Brasil é protagonista, destaca o coordenador. “Nossa principal fonte de emissões de gases de efeito estufa é o desmatamento, principalmente da Amazônia. Se isso não for interrompido e o desmatamento ultrapassar o ponto de inflexão a partir do qual parte da Amazônia se converter em savana, o Brasil terá enormes problemas e o mundo também, isso porque as emissões seriam gigantescas. Já desmatamos cerca de 18% e, para alguns cientistas, o ponto de inflexão é em torno de 25% de desmatamento.”
Por outro lado, ele ressalta, o Brasil talvez seja o único país do mundo em que a transição para o baixo carbono é uma grande oportunidade em vez de um custo. “Reduzir e depois eliminar o desmatamento é certamente a forma mais barata de diminuir as emissões e, mais do que isso, abre caminho para um desenvolvimento verdadeiro da Amazônia”, diz. Ao contrário de outras nações que terão de depreciar infraestruturas modernas para fazerem a transição, o Brasil, que precisa modernizar seu parque (e promover uma revolução na educação para atingir o objetivo), poderá fazê-lo já seguindo novos parâmetros. “Somos o país onde ter uma matriz de geração elétrica quase toda renovável pode ser conquistado ao menor custo. Em biomassa, estamos aptos a oferecer ao mundo alimentos, biocombustíveis e materiais a baixo carbono sem necessitar de um milímetro a mais de desmatamento do cerrado”, afirma.
SOCIAL
Mais do que as regiões geográficas, a crise climática toca em cheio o aspecto social. Num país desigual como o Brasil, dezenas de milhões de pessoas estão em situação de vulnerabilidade aos impactos climáticos por falta de renda, mas também vítimas do racismo e discriminação de gênero, entre outros problemas, aponta Besserman. “Veremos nos resultados do Censo 2022 do IBGE um número enorme de domicílios chefiados por mulheres com filhos e sem a presença do companheiro ou companheira. Imagine essa mãe voltando para casa em uma grande inundação sabendo que onde mora a luz caiu e está sem comunicação por falta de conexão. Qualquer desigualdade amplifica a vulnerabilidade climática.”
Por isso, ele alerta, conhecimento e planejamento são fundamentais, visto que não só biomas e territórios serão fortemente afetados, mas também a população que neles habita. “O aumento do nível do mar é um dos principais problemas e as cidades costeiras devem iniciar os planos de adaptação o mais rápido possível. O semiárido no Nordeste, a região mais pobre do Brasil, tende a se converter em árido, deserto. Sua população necessita de opções de adaptação”, diz. E Minas não está fora do caos. “Os impactos climáticos são diferenciados de acordo com o território e ocorrem em muitos setores, como produtividade agrícola, saúde, eventos climáticos extremos e assim por diante. Por ser um estado populoso e sujeito tanto a grandes inundações como à crises de escassez hídrica, tem muito trabalho pela frente para se adaptar ao máximo às mudanças do clima e proteger suas populações mais vulneráveis.”
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