Você, empresária(o), que não é optante pelo regime tributário do Simples Nacional, muito provavelmente, já deve ter se indignado por ter de pagar 5,8% (essa alíquota pode ser maior ou menor, dependendo do ramo de atividade da empresa), sobre o total da sua folha de salários a título de “Contribuições a Terceiros”. Pois é. Na prática, a cada R$1.000,00 pagos aos empregados, a empresa (tributada pelo lucro real ou pelo lucro presumido) deve R$58,00 de Contribuições a Terceiros, também conhecidas como “Contribuições Parafiscais arrecadadas por conta de terceiros”, que são destinadas ao INCRA, ao FNDE (salário-educação) e às instituições conhecidas como “Sistema S” (SEBRAE, SENAI, SESI, SENAC, SESC, SENAR, SEST, SENAT e SESCOOP).
Parece pouco, mas, para empresas que têm muitos empregados ou pagam altos salários, o resultado desse cálculo pode ser pesadíssimo. O que alguns talvez não saibam é que, embora a cobrança se dê sobre o total das remunerações pagas aos empregados, é possível defender a limitação das bases de cálculo das contribuições destinadas a terceiros em 20 salários-mínimos. Explicarei!
As contribuições em foco possuem fundamento de validade no artigo 149, § 2º e no artigo 195, ambos da Constituição Federal, são de competência da União, sendo certo que devem ser instituídas por meio de lei e cobradas em observância aos dispositivos previstos na Constituição Federal.
Embora as leis que as instituíram não tenham estabelecido “teto” máximo ao valor da folha de salários/rendimentos para fins de composição das bases de cálculo das referidas contribuições, a Lei nº 6.332/76 fixou o limite em Cr$10.400,00, que, posteriormente, foi alterado para 20 salários-mínimos pelo artigo 4º e parágrafo único da Lei nº 6.950/81, nestes termos:
Art 4º O limite máximo do salário-de-contribuição, previsto no art. 5º da Lei nº 6.332, de 18 de maio de 1976, é fixado em valor correspondente a 20 (vinte) vezes o maior salário-mínimo vigente no País.
Parágrafo único – O limite a que se refere o presente artigo aplica-se às contribuições parafiscais arrecadadas por conta de terceiros.
Mas, apesar disso, o fisco federal tem se valido de um Decreto-Lei de 1986 para afastar esse limite de 20 salários-mínimos e garantir uma arrecadação rechonchuda sobre o total da folha de salários das empresas. Só tem esperto! A Receita Federal alega que o Decreto-Lei nº 2.318/86 revogou a Lei nº 6.950/81 e, desde então, exige as contribuições sem qualquer limite de base de cálculo. Vejamos o que diz o decreto-lei:
Art 3º Para efeito do cálculo da contribuição da empresa para a previdência social, o salário de contribuição não está sujeito ao limite de vinte vezes o salário-mínimo, imposto pelo art. 4º da Lei nº 6.950, de 4 de novembro de 1981.
Acontece que a desconsideração do limite de 20 salários-mínimos, trazida pelo Decreto-Lei nº 2.318/86, refere-se apenas à base contributiva para cálculo da contribuição patronal propriamente dita da Previdência Social (Contribuição Previdenciária), sendo, portanto, perfeitamente possível sustentar que não se aplica às contribuições destinadas a terceiros (Contribuições Parafiscais).
Em outras palavras, o Decreto-Lei nº 2.318/86 não vedou a aplicação do limite de 20 salários-mínimos para as contribuições de terceiros, já que não dispôs sobre a revogação do parágrafo único do artigo 4º da Lei nº 6.950/81. E, neste contexto, relembrando as aulas de Teoria Geral do Direito, uma lei é válida, vigente e eficaz até que seja revogada ou modificada por outra, o que, definitivamente, não ocorreu aqui!
Há quem entenda diferente e defenda que o parágrafo único é acessório, secundário e subordinado ao artigo e, assim, revogado o caput do artigo 4º da lei 6.950/81 pelo artigo 3°, do Decreto-Lei 2.318/86, não seria juridicamente possível sobreviver sozinho o dispositivo legal suplementar (o parágrafo único do artigo 4º). Mas, felizmente, não é assim que vem entendendo a maior parte dos juízes e desembargadores dos Tribunais Regionais Federais.
A discussão não é nova, mas voltou à tona em 2020, quando a Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), citando precedente de 2008, da própria Turma, confirmou que “a base de cálculo das contribuições parafiscais recolhidas por conta de terceiros fica restrita ao limite máximo de 20 salários-mínimos, nos termos do parágrafo único do art. 4º da Lei 6.950/1981, o qual não foi revogado pelo artigo 3º do Decreto-Lei 2.318/1986, que, como dito, disciplina as contribuições sociais devidas pelo empregador diretamente à Previdência Social” (AgInt no REsp 1570980, julgado em 17/02/2020).
Na sequência, em 18/12/2020, o STJ recepcionou os Recursos Especiais 1898532/CE e 1905870/PR, que versam sobre a matéria, decidindo que serão julgados pela sistemática de recurso repetitivo, ou seja, a Corte Superior definirá uma tese que deverá ser aplicada aos processos em que se discuta a mesma questão de direito (Tema Repetitivo 1079).
Desde então, aguarda-se com muita expectativa o julgamento do tema e, diante do cenário ainda indefinido, recomenda-se que as empresas busquem autorização judicial para apurar e recolher as Contribuições a Terceiros considerando a base de cálculo limitada a 20 salários-mínimos, pleiteando, ainda, a restituição dos valores pagos indevidamente nos últimos 5 anos.
Diante da atual crise econômica instalada em nosso país, é mais do que legítimo e recomendável que busquemos alternativas lícitas para a redução da carga tributária e, sem dúvida, limitar a base de cálculo das contribuições para terceiros pode render uma boa economia para a sua empresa, diminuindo o amargor da sopa de letrinhas aqui apresentada.
Uma empresa que, por exemplo, possua uma folha de salários na ordem de R$500.000,00, recolhe R$29.000,00 a título de Contribuições a Terceiros, por mês. Caso consiga um provimento judicial para recolher as Contribuições a Terceiros com a base de cálculo limitada a 20 vezes o maior salário-mínimo vigente no País, considerando, neste nosso exemplo, o salário-mínimo de R$ 1.212,00, sua base de cálculo passará a ser R$24.240,00 e o seu recolhimento limitado em R$1.405,92. Um respiro considerável para um momento de agonia, não?
De qualquer sorte, apesar de todos os indicativos apontarem para um julgamento favorável aos contribuintes, havendo disponibilidade financeira, é sempre recomendável que as empresas efetuem o depósito judicial dos valores em discussão, resguardando-se, assim, de eventual improcedência do pedido.
*Ana Tereza Landgraf é advogada e professora, especialista em Direito Tributário, MBA em Planejamento Tributário e em Gestão e Administração de Negócios, e membro da Comissão de Direito Tributário da OAB/BA e da Associação Brasileira de Direito Tributário – ABRADT.
Comentários Facebook