Tributo em Pauta: TJ/BA pode atualizar custas por conta própria?

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Qualquer mortal que já precisou entrar com uma ação judicial (ou, sabiamente, procurou um advogado para se informar a respeito) sabe que existe a cobrança das custas judiciais para a prática do ato, resguardado o direito de não pagar àqueles que não possuem condições.

 

Quem já buscou algum cartório para a prática de algum ato notarial e registral também conhece a necessidade de recolhimento dos emolumentos, com exceção do registro de nascimento e óbito e a sua primeira certidão, que possuem gratuidade prevista em lei (art. 30 da Lei Federal nº 6.015/73; art. 45 da Lei Federal nº 8.935/94 e inciso VI, do art. 1º da Lei Federal nº 9.265/96).

 

Custas processuais e emolumentos são subespécies do gênero tributo, enquadrados na espécie “taxa judiciária”, como se pode compreender na leitura do art. 156 da Constituição do Estado da Bahia e também é pacífico na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (vide ementa da decisão na medida cautelar na ação direta de inconstitucionalidade nº 1.378/ES).

 

Como tributos que são, se sujeitam aos diversos princípios e regras constitucionais sobre a matéria, especialmente a regra da legalidade, que proíbe a sua instituição por meio de ato normativo que não seja lei originária da casa legislativa competente. Há exceções, é claro, como a atualização monetária da base de cálculo, que pode ser manejada por ato normativo sem natureza de lei formal, em atenção ao disposto no § 2º do art. 97 da Lei Federal nº 5.172/66, o Código Tributário Nacional (CTN).

 

O problema é que, no sistema constitucional de repartição das funções do Estado entre Executivo, Legislativo e Judiciário, não há espaço para que este último atue como legislador, exceto no exercício atípico da função normativa para elaborar seu regimento interno e editar normas para organizar suas funções jurisdicionais e administrativas, nos termos do art. 96, I, “a” da Constituição Federal de 1988 (CF/88).

 

Mesmo para as leis que lhe interessam, como as que dispõem sobre reajuste de subsídio ou de organização judiciária, o Judiciário somente goza da competência para propor (art. 96, II, da CF/88), mas não para deliberar, aprovar e/ou vetar a norma, prerrogativas que competem aos outros poderes. Sendo assim, não pode promover a instituição ou majoração de tributos, atribuição do Legislativo, detentor da competência legislativa, tampouco pode promover sua atualização monetária, cuja prerrogativa excepcional é do Executivo, em tese.

 

No entanto, em 2022, mais uma vez o Tribunal de Justiça do Estado da Bahia (TJ/BA) promoveu a atualização da tabela de taxas judiciárias por meio do Decreto Judiciário n° 803/2021, prática que não é nova, infelizmente. Desde a edição da Lei Estadual nº 12.373/2011 a correção das referidas taxas segue o mesmo expediente, conforme se verifica no Decreto Judiciário nº 944/2012, Decreto Judiciário nº 1.116/2013, Decreto Judiciário nº 801/2014 e Decreto Judiciário nº 1.223/2015, salvo exceções pontuais. 

 

Para 2017, por exemplo, foi editado o Decreto Judiciário nº. 867/2016. Contudo, por veicular a instituição de novas exigências decorrentes da adoção do processo eletrônico, a norma foi anulada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) no pedido de providências nº 0003995-55.2017.2.00.0000. Por outro lado, em março de 2017 entrou em vigor a Lei nº 13.600/2016, que continha disposições semelhantes.

 

Nos anos de 2018 e 2019, as tabelas anexas à Lei nº 12.373/2011 foram substituídas pelas Leis nº 13.814/2017 e nº 14.025/2018, respectivamente. Todavia, em 2020, voltaram a ser atualizadas por Decreto Judiciário, sobrevindo os de nº 826/2019, nº 918/2020 e o atual n° 803/2021.

 

O art. 7º do CTN afirma ser indelegável a competência tributária, com exceção das funções de arrecadar ou fiscalizar tributos, executar leis, serviços, atos ou decisões administrativa em matéria tributária, o que não parece ser o caso. Trata-se de um desdobramento da legalidade já mencionada, reforçada no âmbito tributário pelo disposto no inciso I do art. 150 da CF/88.

 

?? verdade que o Supremo Tribunal Federal (STF) tem promovido uma questionável flexibilização desta regra, a partir da decisão proferida no Recurso Extraordinário nº 343.446/SC, cada vez mais admitindo a delegação da competência para “complementar” as normas tributárias a atos normativos sem natureza de lei formal (infralegais).

 

Mas, além do STF condicionar tais atos a uma “legalidade suficiente” (de difícil definição, inclusive) na lei que delega a prerrogativa, há outro aspecto que trabalha contra a prática habitual do TJ/BA.

 

A Constituição do Estado da Bahia proíbe expressamente a delegação de atribuições a qualquer dos Poderes em seu art. 1º, § 3º, excetuando apenas os casos que ela mesma prevê e nos quais não se insere a atualização monetária das taxas judiciárias. As competências do Tribunal de Justiça estabelecidas no seu art. 122 não contemplam esta prerrogativa.

 

Assim, parece-nos inconstitucional a delegação veiculada no art. 40 da Lei nº 12.373/2011, que confere à Presidência do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia autorização para “(???) ajustar anualmente os valores dos emolumentos e das taxas pelo exercício do poder de polícia e pela prestação de serviços nas áreas do Poder Judiciário Estadual, até o limite da variação do Índice de Preços ao Consumidor Amplo – IPCA”, por se tratar, na prática, de verdadeira delegação de competência tributária que contraria tanto a Constituição Federal de 1988, como a Constituição do Estado da Bahia de 1989.

 

Convém reconhecer que a judicialização da matéria pode resultar em pouco efeito prático, talvez nenhum, já que nada impede a sua substituição pela norma adequada, como ocorreu com o Decreto Judiciário nº. 867/2016, substituído pela Lei nº 13.600/2016, antes mesmo de uma decisão definitiva sobre o assunto. Por outro lado, seu conteúdo também não extrapola o índice de atualização monetária admitido pela jurisprudência.

 

Mas, ainda que se analise a questão pelo ponto de vista da “praticabilidade” ou mesmo da razoabilidade da atualização por ato do Tribunal, uma vez que tem limite máximo expressamente estabelecido na legislação (IPCA), e até mesmo o custo/benefício de uma discussão judicial a respeito, resta a dúvida sincera: ignorar o erro é o melhor caminho? 

 

*Anderson Pereira é advogado tributarista licenciado, professor de Direito Tributário e conselheiro do Conselho de Fazenda do Estado da Bahia e do Conselho Municipal de Tributos de Salvador

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