O mingau é uma opção boa e barata (Katia Najara/divulgação) |
Ao final da roda de conversa a pergunta foi dirigida para o nutricionista influenciador, e pareceu tão ingênua e óbvia depois de tantas falas revolucionárias de empresários comprometidos com a saúde e boa alimentação, que rolou até um certo desconforto no auditório.
– Como é que eu posso ter uma vida e uma alimentação mais saudável?
Mas seria possível aquela pergunta depois de duas horas falando sobre o assunto? Era o sentimento de um monte de gente que revirava os olhos entre muxoxos de vergonha alheia. Mas acontece que aquelas pessoas, assim como o ilustre palestrante, não tinham ouvido uma palavra que fazia toda a diferença naquela tentativa de comunicação bolha-periferia: EU
Não que aquele homem – que acorda às 4h da manhã para trabalhar, pega busu e trem lotados para ir e voltar, e chega moído às 20h pra começar tudo no dia seguinte – não saiba o que é qualidade de vida ou tecnologia sustentável porque é pobre, mas mais uma vez o pronome que faz toda diferença: EU. Como isso é possível para mim? ?? é o que sinceramente queria saber.
Quando ele conseguiu sair do trabalho mais cedo para ver o cara bonitão e inspirador que disse que ia ensinar como ter saúde, boa forma e qualidade de vida, ele achou que pudesse estar incluído, mas não, porque no meio do caminho tinha essa bolha. O evento já estava acabando e nada; foi quando tomou coragem para solicitar o microfone e fazer a pergunta cuja resposta faria valer o seu esforço e atender ao seu anseio. Não havia nada além de um real interesse em sua pergunta; nem cobrança, nem sarcasmo, discurso político, nada. Só praticidade e volto a dizer, interesse mesmo.
A resposta foi ??? simples, mudança de hábitos, prática de esportes, e uma alimentação saudável?.
Do outro lado do auditório pude decifrar-lhe a expressão mista de confusão e frustração, e comecei a ouvir-lhe os pensamentos: ??Mas a que horas eu vou malhar? Onde? E como é que eu vou comprar castanha se está mais caro do que carne? Não tenho como cozinhar e levar comida nutritiva e leve se eu faço apenas uma refeição no trabalho. Vou levar o quê, salada? Comer em restaurante está fora de cogitação?. E a frustração em torno da qualidade de vida que deveria ser uma opção para o seu livre-arbítrio, ali abrindo enorme fissura Periperi-Vitória.
Veja bem, nem é minha intenção falar de injustiça social, distribuição de rendas e coisas que tais, assuntos já entranhados em nossa carne; o que eu queria era, do meu jeito, responder para o Edson (era o nome dele).
Eu diria mais ou menos assim: Edson meu chapa, se ligue, você não cabe nesse modelo e nem esse modelo cabe em você. Enquanto não chega o dia em que qualidade de vida será finalmente um direito básico para todos, fique na sua e vá procurar a sua turma, de gente que fala a mesma língua, e fortalecer as suas redes já tão potentes. Saiba que os melhores alimentos possíveis que você pode lançar mão agora são as raízes e a banana da terra que o seu vizinho vende na sinaleira; a farinha, o beiju, o mingau de Dona Coisinha na Estação da Lapa; o sarapatel do bar de Seu Messias (com cerveja, óbvio) depois do baba de sábado, se esse é o único dia em que você pode exercitar a sua carcaça. Castanha não dá, mas amendoim rola. A chã tá impossível, mas o chupa-molho é papa fina. O feijão tem que ser menos mas o cuscuz de milho continua facinho. Quase tudo sem glúten e sem lactose. O que não pode, sabe o que é? Supermercado de empresário que não fala a sua língua e só vende o que não presta para a sua saúde e de seus meninos. Boicote neles, isso sim é muito simples.
No mais, se não rola academia, calistenia. Afaste o satanás que habita o refri barato (vá de refresco da barraquinha), o saco de salgadinho, e o pacote de biscoito recheado, que eu tenho certeza que tem uma banca de frutas ou uma belíssima pamonha de milho ou carimã por ali assim, e fortaleça a sua rede e a sua saúde.
? do jeito que pode, Edson. Com fé em Deus e no voto!
Kátia Najara é cozinheira e empreendedora criativa do @piteu_katianajara
Comentários Facebook