Depois de 70 anos, a Região Metropolitana de Salvador (RMS) experiencia uma nova fase da eletrificação do transporte coletivo por ônibus. Testada na década de 1950, com os trolebus, a matriz energética agora move uma frota de 20 veículos metropolitanos e outros 8 que circularão nos corredores do BRT.
A primeira a ser colocada em prática foi de iniciativa do governo do estado, que adquiriu as duas dezenas de ônibus que hoje operam em duas linhas: Ilha de São João x Terminal Pituaçu e Kartódromo (Praia de Ipitanga) x Terminal Pituaçu. O investimento foi de R$ 44,7 milhões.
Ao Bahia Notícias, o secretário estadual de Infraestrutura, Marcus Cavalcanti, explicou que a medida se deu, além da dificuldade de manutenção apontada pelas empresas que atuam no sistema (veja aqui), pelo destaque da Bahia na produção de energia de fontes renováveis.
“Dentro do nosso projeto de desenvolvimento, há a previsão de que ele seja calcado em alternativas ambientalmente menos impactantes ou não impactantes. Assim, trabalhávamos há 5 anos na modelagem de uma licitação para o sistema envolvendo a substituição de parte da frota por ônibus elétricos”, explicou o titular.
MODELAGEM ECON??MICA E ‘TARIFA ZERO’
Segundo Cavalcanti, a modelagem inicial, fundamentada numa cobrança tarifária paga pelos usuários, não foi aprovada, uma vez que os veículos têm um alto custo, quando comparados com os convencionais, e o valor da passagem seria impraticável para a maioria dos passageiros. As poucas experiências de sistemas com material rodante elétrico também não possibilitaram a execução nesse tipo de formato.
A alternativa encontrada foi a contratação de uma empresa para rodar nos roteiros definidos. “Criamos um projeto piloto, ele envolve a compra dos 20 ônibus, e nós contratamos uma empresa para operá-los. Não fizemos concessão de linhas. Eles recebem por viagem feita e fazem também toda a manutenção”, disse.
No entendimento do secretário, o transporte público hoje deve ser subsidiado, a fim de baratear o preço pago pela população para ir e vir nos grandes centros. Nessa operação metropolitana, os clientes não efetuam nenhum pagamento para utilizar os ônibus, apenas validam a passagem quando acessam as estações de metrô.
Foto: Reprodução / PMLF
EXPANS??O DO FORMATO E PONTOS DE RECARGA
Com um contrato de longo prazo com a empresa, a Seinfra hoje observa o desempenho dos ônibus elétricos nos itinerários e avalia a expansão do sistema para outros destinos. Outras regiões podem passar a contar com sistemas próprios: a de Feira de Santana e a de Ilhéus-Itabuna.
Na RMS, três pontos foram montados para a recarga da frota metropolitana: no Estádio de Pituaçú (onde está instalado um sistema de produção de energia solar) e nos terminais de Pituaçú e Pirajá.
Nô âmbito municipal, a prefeitura realiza uma licitação para a construção do primeiro eletroterminal, onde serão abastecidos os veículos do BRT (releia aqui). O montante desembolsado é na casa dos R$ 9 milhões, sob a promessa de que, até 2023, 30% do material rodante seja movido por eletricidade. Inicialmente, oito ônibus elétricos circularão pelos corredores segregados.
“?? algo muito incipiente, muito novo no Brasil. Se você for pesquisar estação de eletrocarga com capacidade de abastecer 20 ônibus, como a gente está construindo aqui, só vai existir em São José dos Campos (SP) e uma na capital paulista, dentro de uma concessionária”, ressaltou o secretário de Mobilidade de Salvador, Fabrizzio Muller.
O titular da pasta afirmou que há um interesse da gestão em fazer essa transição energética, tendo incluído nos últimos anos metas e objetivos em dispositivos de planejamento, a exemplo do Plano de Mobilidade (PlanMob) e do Plano de Mitigação e Adaptação às Mudanças do Clima (PMAMC).
“Entendemos que não dava para colocar isso na conta do concessionário, porque são custos muito elevados, então estamos contribuindo. Assumimos a responsabilidade de fazer essa estação em uma área pública”, acrescentou Muller, se referindo ao terminal de recarga.
Entretanto, a inserção do novo combustível na realidade soteropolitana não vai impactar no bolso de quem usa o modal, que ainda será inaugurado (leia aqui), pelo menos inicialmente. O custo inicial de investimento, com a compra dos carros, justifica a afirmação.
Testes dos primeiros ônibus eléticos do BRT Salvador | Foto: Betto Jr / Secom PMS
O tempo de vida útil de um desses ônibus elétricos é um ponto em debate, com divergências. Muller afirmou, embora não se tenha um parâmetro, estima-se que o tanque de bateria tenha um ciclo de até oito anos, podendo ser substituído por outro de mesma duração. Já o veículo em si tem uma longevidade de aproximadamente 14 a 16 anos.
Organismos internacionais, a exemplo da Iniciativa de Mobilidade Urbana Transformativa (TUMI), auxiliaram nos detalhes técnicos e no desenvolvimento do projeto de eletromobilidade dos coletivos da capital baiana. Agora, as concessionárias e o município discutem a possibilidade da prefeitura também entrar como um comprador de novas unidades elétricas em outro momento.
MATRIZ EL??TRICA
Na América Latina, até abril deste ano, conforme mostra a plataforma E-bus Radar, do Laboratório de Mobilidade Sustentável (Labmob) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), 28 localidades em 12 países distintos possuem ônibus elétricos em suas frotas.
Deste quantitativo, 351 estão no Brasil. Constam no levantamento realizado pela UFRJ as cidades brasileiras de Bauru (SP), Brasília (DF), Campinas (SP), Campinas (SP), Maringá (PR), Santos (SP), São Paulo (SP), Volta Redonda (RJ) e a Região Metropolitana de São Paulo (SP).
A migração do formato baseado em combustíveis fósseis para a matriz elétrica é defendida por entidades que atuam no campo da mobilidade urbana em todo o mundo. São referência no tema organizações não governamentais (ONGs) como a C40, WRI e a alemã GIZ.
Aqui, o Instituto de Políticas de Transporte e Desenvolvimento (ITDP), de origem estadunidense, contribui para o debate sobre projetos de transporte e desenvolvimento urbano que reduzam as emissões de poluentes.
Consultada pelo Bahia Notícias, a Coordenadora Sênior de Transporte Público do ITDP, Beatriz Rodrigues, defendeu que a eletromobilidade realmente é percebida como uma solução eficaz para o desenvolvimento sustentável e também inclusivo.
Apesar de ser algo recente em nosso território, de acordo com ela, se sabe que essa é uma demanda urgente. “Considerando a qualidade do ar nas grandes cidades, isso não é algo para depois. Estamos vivendo uma crise climática e de saúde”, dissertou a especialista.
Os transportes são vetores importantes de endereçamento em prol de uma nova consciência, mas na visão de Beatriz, qualquer incursão nesse sentido precisa estar vinculada a uma alteração nos modelos de negócio e dos contratos – com a inserção de fontes diversificadas de receita e da entrada de subsídios.
“A gente vê com bons olhos [a eletromobilidade], sabemos que a mudança é cada vez mais importante, impacta para além da qualidade do ar, mas também em questões sociais e econômicas”, revelou, atribuindo ao modelo benefícios no âmbito da qualidade e no conforto do serviço, assim como na saúde da população.
Pátio 100% elético, em Bogotá (COL) | Foto: Reprodução / Transmilenio
SISTEMA ??NICO DE MOBILIDADE
Do ponto de vista do barateamento do sistema, apesar do alto custo inicial admitido por todos os entrevistados, os ônibus elétricos têm um custo de manutenção menor, um valor final mais baixo para todos os atores envolvidos e a oportunidade de integrar outros negócios, como empresas do meio energético.
Nesta semana, um grupo formado por mais de 140 entidades ligadas ao setor propôs, através de um manifesto, a criação do Sistema ??nico de Mobilidade (SUM), com uma gestão tripartite, envolvendo estados, municípios e União.
O ITDP, a Federação Nacional dos Metroferroviários (Fenametro), o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) e o Sindicato dos Metroviários de São Paulo são alguns dos signatários da carta.
A ideia da frente é colocar a matéria no contexto do debate do projeto de lei 3278/2021, que versa sobre o marco legal da Política Nacional de Mobilidade Urbana, que tramita no Senado.
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