Mesários por amor: os baianos que não abrem mão de cuidar das seções eleitorais

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O estudante Anderson Figueiredo, 28, está indo para a sua quarta eleição como mesário. A primeira foi aos 18 anos, quando começou a votar. O que para muitos é missão ingrata – ficar em uma sala conferindo documentos e orientando eleitores -, para ele é um prazer. ???Eu gosto sim. Enquanto vejo muita gente reclamando da convocação, eu fico muito feliz???, diz Anderson. 

Ao todo, a Bahia convocou 147.460 mesários para as Eleições Gerais de 2022, segundo dados do Tribunal Regional Eleitoral da Bahia (TRE-BA). E dentre dessa legião de pessoas, muitos, como Anderson, também viraram vezeiros na missão. 

O professor da rede estadual, Juscelino Miranda, 56, atua há mais de 30 anos como mesário. Ele foi convocado pela primeira vez nas Eleições Gerais de 1986, quando o voto ainda era impresso. O professor passou por toda transformação do processo, desse quando se precisava assinar o nome nas cédulas até a inclusão de tecnologias para catalisar a contagem. 

???Era mais trabalhoso. Como o voto era no papel, o eleitor levava a ???pesca??? e dobrava por engano junto com a cédula e depositava na urna???, narra. ???Não vejo possibilidade de ter fraude no sistema eletrônico atual. No início da seção, a gente imprime a zerésima [primeiro boletim impresso antes da liberação das urnas, existe para verificar se os votos estão zerados]. ?? 100% confiável???, defende. 

As transformações que Juscelino viveu em mais de três décadas servindo às eleições vão além da mudança do voto. Nesse tempo, ele viu alunos virarem eleitores e ainda levarem seus filhos para a eleição. A esposa de Juscelino, Rute, também era mesária quando se conheceram e atualmente está aposentada, por isso deixou de ser convocada. Mas Juscelino pretende continuar com a atividade, mesmo após a aposentadoria. 

 ???Para mim é sempre um privilégio estar participando desse momento???, afirma.

O TRE-BA atualizou o modo de convocação, antes somente por carta, agora através também de aplicativo de mensagem instantânea e correio eletrônico. O mesário Anderson Figueiredo comemorou a novidade, dado que em 2020 ele não conseguiu trabalhar nas eleições porque houve problemas na entrega da carta. Ele atuou em  2012, 2014 e 2016, retornando agora, em 2 de outubro. 

???A primeira vez em que fui mesário, meu pai deu uma passada lá na seção só para me ver pela janela, mesmo não sendo a zona dele. Ele ficou orgulhoso. ?? estar apoiando a democracia, ainda mais nos dias de hoje. Se for convocado novamente estarei bem feliz???, revela.

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Anderson foi convocado para ser mesário aos 18 anos, já na sua primeira eleição Foto: Arisson Marinho / CORREIO

O treinamento também virou digital, na plataforma  Moodle, do  Tribunal Superior Eleitoral (TSE),  por  turmas.  O  mesário, ainda, pode realizar esse curso por meio do aplicativo Mesário do TSE. Contudo, o treinamento poderá ser presencial, conforme escolha do cartório.

Convocação
A chamada feita para mesário pode ser a partir de interesse voluntário ou convocação geral do tribunal, sendo válida para os dois turnos da eleição. O cartório eleitoral procura selecionar eleitores da própria seção e, dentre esses, os que têm nível de escolaridade superior, os professores e os serventuários da Justiça.

Assistente de bibliotecário no Serviço Social da Indústria (Sesi), Daniel Carvalho, 44, começou como voluntário em 2016 e recebeu carta de convocação nos anos eleitorais seguintes. Em 2020, porém, o mesário não pôde atuar devido à pandemia. ???Teve um ano na pandemia que solicitei [dispensa] para o juiz [com] carta para justificar. Estava com duas pessoas idosas, principalmente meu pai, que era acamado e tinha alzheimer???, relembra. O juiz aceitou o pedido. 

Para solicitar dispensa, o Código Eleitoral esclarece que mesários terão prazo máximo de cinco dias, a contar do recebimento da convocação, para alegar as razões de seu impedimento. Assim, deve encaminhar o pedido de dispensa ao juiz da zona eleitoral em que está inscrito, juntamente com a comprovação da impossibilidade de trabalhar. O juiz pode aceitar ou negar a solicitação. O não comparecimento sem justa causa apresentada ao juiz eleitoral até 30 dias após a eleição sujeita o mesário faltoso à multa. 
 

Voluntários são quase a metade
A Justiça Eleitoral deverá contar com mais de 830 mil mesárias e mesários voluntários para as Eleições Gerais de 2 de outubro, de acordo com o Tribunal Superior Eleitoral. A quantidade é 93% maior do que a observada em 2018, quando, no pleito daquele ano, cerca de 430 mil mesários compareceram às seções eleitorais. Já o aumento registrado entre as Eleições Municipais de 2020 e as Gerais de 2022 é de 23%. 

No geral, 1,7 milhão de mesários foram nomeados a comparecerem às seções eleitorais neste ano. Entre eles, 52% foram convocados pela Justiça Eleitoral a realizar o trabalho, enquanto 48% se candidataram para atuar voluntariamente.

Na Bahia, para ser mesário voluntário é necessário entrar em contato com o TRE-BA, por meio da internet ou pessoalmente. O projeto foi implantado em 2006 por três zonas eleitorais em Vitória da Conquista e expandido, em 2008, para todo o estado, sendo implementado pelas 205 Zonas Eleitorais do Estado da Bahia. A inscrição é feita no site do TRE. A reportagem solicitou número de mesários voluntários no estado, porém, não recebeu retorno. 

A auxiliar administrativo, Sirlene Santos, 29, diz que sempre teve vontade de trabalhar nas eleições e não sabia que poderia se candidatar voluntariamente. Em 2016, após descobrir a possibilidade,  candidatou-se e, desde então, tem sido mesária. Em 2022 ela chega à sua quarta vez na função. 

Já o consultor de atendimento Rafael Andrade, 21, será mesário pela primeira vez em ano de eleição presidencial. Ele se interessou pela atividade ao ver o primo, que também é mesário, contar a experiência.

???Me inscrevi por espontânea vontade. Sempre tive muita curiosidade de entender como são os processos, a organização da urna. Sou apaixonado pelos bastidores???, explica. 

Apesar do serviço não ser remunerado, o mesário recebe benefícios como auxílio-alimentação, atualmente no valor máximo de R$35,00, e dois dias de folga para cada dia trabalhado nas eleições.

Segundo o TSE, são impedidos de atuar como mesários: candidatos e parentes, membros de diretórios de partidos que exerçam função executiva, autoridades e agentes policiais, pertencentes ao serviço eleitoral, eleitores menores de 18 anos e os que exercem cargo comissionado nos municípios, nos estados ou na União.

*Com orientação da chefe de reportagem, Monique Lôbo

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