Para conter tensão da apuração dos votos, baianos recorrem até a medicamentos

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Em três horas depois do fechamento das urnas, às 17h do último domingo (31), os nomes do novo presidente e de governadores de 12 estados do Brasil estariam definidos. Até chegar esse momento, a psicóloga Arielle Reis, 23 anos, tentou se isolar. De casa, longe das notícias, sentia as pernas formigarem de nervoso ?? para aplacar o sentimento diante do futuro em aberto, tomou ansiolíticos. Lá fora, pessoas acompanhavam a contagem dos votos.

Na Bahia, 8.8 milhões pessoas foram às urnas para escolher quem seria o presidente do país e o novo governador do estado. Ansiosos ou desesperançosos quanto à política, parte deles decidiram não acompanhar a evolução em tempo real dos votos depositados nas urnas pelo país. A psicóloga Arielle fez parte do primeiro grupo: ??fico nervosa em relação a tudo, ao nosso futuro, à violência, a como será o pós-eleições?. 

Pela manhã, já estava tensa e tomou três calmantes antes de, às 9h, sair para votar, com blusa preta e jeans. Desde então, não acessou a redes sociais, nem assistiu à televisão. Permaneceu em casa sozinha e colocou uma essência de capim limão no ventilador, cujo aroma a relaxa. ??No primeiro turno, eu passei muito mal, ofegante, muito angustiada. Por isso decidi não ficar acompanhando tudo que ia acontecendo?, justifica.

A uma hora do fechamento das urnas, Arielle tinha comido apenas macarrão instantâneo ?? a ansiedade dela começa no estômago. As últimas reportagens lidas eram sobre as operações da Polícia Rodoviária Federal (PRF) realizadas pelo país, depois de o ministro do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Alexandre de Moraes, ter determinado, na noite de sábado (29), a restrição das operações da PRF relacionadas ao transporte público. 

 ??Agora vou ficar assistindo série, uma série que comecei a ver hoje, ??O filho bastardo do diabo???. Na série da Netflix, o filho de um bruxo tenta encontrar seu lugar no mundo depois de seu pai cometer o mais cruel massacre já registrado no mundo.

A última vez em que se sentiu tão nervosa foi durante os picos da pandemia da covid-19. Naquelas vezes em que temeu ficar doente ou pela perda de um familiar, no entanto, não podia optar por não assistir aos fatos. ??Eram surtos psicóticos mesmo, um grande sofrimento. Eu compararia esse momento com a pandemia, acho?, conta.

No grupo mais próximo de Arielle, duas amigas também decidiram não acompanhar as apurações dos votos. Uma delas é a também psicóloga Nina Martins, 25. Uma hora e 20 minutos depois do fechamento das urnas, 42% das sessões brasileiras e 38% das baianas estavam finalizadas, mas ela ignorava os números. 

??Desliguei as notificações do celular, coloquei música alta para não ouvir os vizinhos e, sinceramente, estou bebendo?, disse Nina, que passou a noite em chamada de vídeo com o namorado, que mora na Bélgica. 

Embora não tenha assistido ao primeiro turno das eleições, Nina passou mal naquele dia 30 de outubro. Os maiores motivos da ansiedade dela em relação ao resultado das eleições eram a violência e a precarização do trabalho. Sozinha e sem programação depois de votar, ouvia qualquer movimentação dos vizinhos. Fosse pelo barulho das vozes deles e dos fogos no céu ou pelo silêncio, tudo a deixava nervosa. 

Tensão à flor da pele
A tensão e violência rondaram as campanhas eleitorais desde o início oficial, em agosto deste ano. De lá para cá, 523 casos de violência política foram registrados no Brasil, sendo 20 na Bahia, o terceiro maior índice do país, segundo o estudo Violência Política e Eleitoral no Brasil.

Mas a proximidade do segundo turno das eleições elevou o desequilíbrio emocional que, segundo pesquisas da última década, aflora em períodos eleitorais e aumenta as queixas relacionadas ao sistema cardiovascular, como dores no peito. 

No ano passado, Nina sofreu um infarto e sabia que se manter conectada, neste segundo turno, poderia ser pior. 

Mas nem só a tensão afastou os eleitores do celular ou da televisão, na noite do último domingo. A pouco menos de uma hora de 100% das urnas estarem fechadas, o advogado Gabriel Moraes, 32, assistia a partidas de futebol americano, depois de votar, às 16h. 

Na vizinhança, o barulho de fogos aumentava. ??Uma casa aqui perto parece comitê?, brincou Gabriel, que, no primeiro turno, também não acompanhou a apuração dos votos.

Desde a graduação em Direito, Gabriel não gosta de se envolver em política. Quando chegavam os momentos de eleição do grêmio estudantil, ??fazia questão de não participar?, ele lembra. Ele explica o porquê:

??O que mais me incomoda são porque os políticos decidem por conta própria. Minha decisão de não assistir também é por achar que o Executivo não é tão importante quando o Legislativo, mesmo as pessoas não dando tanta importância ao Legislativo?

Para ele, ??política não é futebol?, embora o clima aparente o contrário, em sua opinião, e ele adore futebol. Houve também quem tenha mudado de ideia. A estudante Renata Benigno, 21, havia optado por não acompanhar a apuração das votações, mas mudou de ideia, na tarde deste do segundo turno.

??Uma amiga da minha mãe me convenceu que seria pior passar por esse momento sozinha. Estamos ansiosas, mas valeu a pena dividir esse momento com alguém tão importante para mim?, falou. 

?s 20h, o TSE fechou o resultado: Luís Inácio Lula da Silva (PT) foi eleito presidente, com 50,9%, e Jerônimo Rodrigues (PT), com 52,7%, governador do estado da Bahia.

Depois de vomitar duas vezes por ansiedade, Arielle comemorou a vitória de Lula, mas estava apreensiva e chorou pelo futuro ?? vizinhos bolsonaristas e petistas discutiram na rua. Nilma soube dos resultados pelo namorado e ligou a televisão em seguida. Do apartamento, Gabriel esperava a rua ficar tranquila para passear com seu cachorro, o vira-lata Tobias.

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