Um caso suspeito de poliomielite em uma criança de 3 anos no Pará repercutiu no final desta semana (lembre aqui). O Ministério da Saúde declarou que o caso pode estar relacionado a um “evento adverso ocasionado por vacinação inadequada”. Porém, para Ramon Saavedra, epidemiologista e pesquisador do Instituto de Saúde Coletiva da UFBA, pode se tratar na verdade de um caso suspeito de paralisia flácida aguda.
“Ocorreu a detecção de um poliovírus derivado da vacina. Por que eu tô fazendo essa diferenciação? Não é o vírus selvagem da poliomielite – o vírus que causa realmente a doença – que está circulando no território. O vírus derivado da vacina pode ter sido eliminado do ambiente por alguém que tomou a vacina, ou também pode ser detectado na pessoa que tomou a vacina”, explicou o especialista, em entrevista ao Bahia Notícias.
Ramon apontou ainda que, nesse caso específico, o que aconteceu foi a notificação de paralisia flácida aguda associada à vacinação. Segundo ele, esse caso acende um alerta no sistema de vigilância e saúde porque a paralisia flácida aguda é a principal característica de quem tem poliomielite. Sendo assim, é necessário investigar. No Brasil, detalha o especialista, existe um sistema de vigilância tão ativo em alerta a ponto de identificar qualquer caso suspeito de paralisia flácida aguda, para descartar o quanto antes que não é um caso realmente proveniente da poliomielite.
“Está sendo investigado como um caso suspeito de paralisia flácida aguda proveniente de um evento adverso pós-vacinação. Não é um caso de poliomielite, como tivemos em 1989. […] A paralisia flácida aguda é um problema neurológico que pode acontecer por diversos motivos. O Sistema Nacional de Vigilância colocou que todo o caso de paralisia flácida aguda precisa ser investigado, principalmente em menores de 15 anos, para ver se não foi poliomielite e poder descartar imediatamente. Ao longo do ano recebemos notificações de paralisia flácida aguda em menores de 15 anos, e desde 1989 essas notificações têm sido descartadas. A nossa preocupação é porque, devido às baixas coberturas vacinais, o risco está aumentando do vírus selvagem chegar aqui no nosso território. Porque temos países onde o vírus está circulando de forma mais intensa, apesar de serem países em continentes longes do nosso”, apontou o epidemiologista. “?? importante reforçar que o cenário internacional é realmente de risco para poliomielite, a Organização Mundial da Saúde coloca hoje o mundo como cenário de risco”, reforçou.
Como recomendação aos pais e responsáveis, Ramon orienta que fiquem atentos ao calendário de vacinação e procurem se informar sobre as informações contidas na caderneta de vacinação. De acordo com ele, a caderneta de vacinação tem muitas informações que nem todos os pais vão entender. Em casos de dúvida, é necessário procurar um posto de saúde mais perto de casa e conversar com um profissional, até mesmo para verificar se a caderneta está atualizada.
COMO FUNCIONA A VACINA????O CONTRA A POLIOMIELITE
Doiane Lemos, coordenadora de imunização de Salvador, explicou que no calendário de vacinação brasileiro, o Sistema ??nico de Saúde (SUS) oferece gratuitamente dois tipos de vacinas contra a paralisia infantil. Primeiro, há a Vacina Inativada da Poliomielite (VIP), aplicada nos primeiros meses de vida da criança, aos dois, quatro e seis meses. Depois, aos 15 meses, a criança vai começar a tomar a dose de reforço com a Vacina Oral da Poliomielite (VOP), que é a famosa gotinha, que deve ser repetida aos 4 anos.
“A VOP não é inativada, é de um vírus atenuado, é como se fosse um vírus fraco na vacina, mas que não é totalmente inativado, é um vírus atenuado. Por ser um vírus atenuado, não ser o vírus totalmente morto, existe sim uma estatística muito pequena de provocar eventos adversos pós-vacinação. Pelo que entendi desse caso específico, o erro foi que a criança estava na época de tomar ainda uma das três doses da vacina inativada da poliomielite e tomou uma oral antes da hora, parece que foi isso que aconteceu. Mas independente disso, o registro é que houve um erro de imunização”, informou Ramon.
Doiane explica, contudo, que não necessariamente foi isso que gerou o quadro da criança no Pará, já que antes da doença ser erradicada, a gotinha também era oferecida para crianças mais novas. “Essa modificação do calendário básico se deu por conta do processo de eliminação e erradicação do vírus da poliomielite. Não é que não possa ser feita na idade menor da criança. Porque anteriormente, a vacina aplicada nas crianças de 2, 4 e 6 meses era a polio oral”, avaliou.
O mundo já apresentava, nos últimos anos, baixas coberturas vacinais, não só para poliomielite, mas para sarampo, meningite e outras doenças, que vem caindo ano a ano. Em 2019, antes da pandemia de Covid-19, a Organização Mundial da Saúde (OMS) chegou a colocar a não vacinação da população como uma das maiores ameaças atuais para a saúde pública global.
“A importância dos pais, mães e responsáveis de atualizarem as cadernetas de vacinação das crianças, é um esforço que deve ser feito por toda a sociedade. Se hoje posso falar que o último caso de poliomielite aconteceu em 1989, no município de Souza, na Paraíba – esse caso hoje é um rapaz de 30 e poucos anos, é um personal trainer que trabalha e não ficou com sequela… Mas se eu posso dizer que não aconteceu desde de lá é por causa da vacinação em massa que tivemos nas décadas de 80 e 90”, destacou Ramon.
Doiane reforçou, ainda, a importância de pais e responsáveis manterem o cartão de vacinação das crianças sempre atualizado. “O cartão de vacinação é um documento da pessoa no qual todas as vacinas que ela recebe estão registradas. Dessa forma, ao ir à unidade de saúde, o profissional de saúde vai avaliar essa situação vacinal da criança”.
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