Todos nós sabemos que o setor de eventos e turismo foi o que mais sofreu com as consequências da pandemia de covid-19. Os riscos de contaminação e de propagação do vírus exigiram medidas de isolamento social que acarretaram uma crise econômica sem precedentes no setor.
Com o objetivo de minorar tais consequências desastrosas, foi publicada pelo Congresso Nacional a Lei nº 14.148/21, que instituiu o Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (PERSE), estabelecendo ações emergenciais e temporárias destinadas ao setor de turismo e eventos para compensar os efeitos decorrentes das medidas de isolamento.
O PERSE trouxe os seguintes incentivos para as empresas do setor:
1. Possibilidade de transacionar os débitos tributários com desconto de até 70% do valor da dívida;
2. Alíquota zero sobre os tributos federais pelo período de 5 anos (IRPJ, CSLL, PIS e COFINS);
3. Indenização sobre folha de salários para as empresas que tiveram redução de faturamento superior a 50% em 2020;
4. Obtenção de crédito no Programa Nacional de Apoio às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte (PRONAMPE); e
5. participação do Programa de Garantia aos Setores Críticos (PGSC), que prevê a disponibilização de garantias às instituições financeiras para a concessão de empréstimos às empresas incluídas no PERSE.
Entre os benefícios, não há dúvida que aquele que mais se destaca é a isenção total (alíquota zero) durante o período de 60 meses do Imposto de Renda Pessoa Jurídica (IRPJ), da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) e das Contribuições Socias do PIS da COFINS incidentes sobre as receitas auferidas pelas empresas incluídas no PERSE.
Estes tributos representam, em regra, carga tributária de cerca de 14,53% sobre a receita bruta das atividades das empresas incluídas no PERSE, ou seja, é uma significativa redução de tributos.
Esta vantagem para o setor é tão grande que, quando da publicação da Lei nº 14.148/2021, na data de 04/05/2021, o Presidente da República, preocupado com a perda de arrecadação tributária, vetou o dispositivo que previa a isenção. Contudo, tal veto foi derrubado pelo Congresso Nacional em 18 de março de 2022, o que representou uma grande vitória para o setor.
Desta forma, as empresas enquadradas no PERSE têm direito à alíquota zero de IRPJ, CSLL, PIS e COFINS pelo período de 60 meses, contados a partir de 18/03/2022.
No primeiro momento, suscitou-se a dúvida da possibilidade de a alíquota zero poder ser usufruída pelas empresas enquadradas no PERSE optantes do lucro presumido, uma vez que o art. 14, IV, da Lei 9.718/98 prescreve que as empresas que usufruam de benefícios fiscais relativos à isenção ou redução do imposto estão obrigadas à apuração pelo lucro real.
Todavia, tal dúvida foi completamente sanada pela Lei nº 14.190/2022, publicada em 04/07/2022, que traz expressamente em seu art. 4º que o tratamento tributário destinado pelo PERSE não importa por si só a obrigatoriedade de tributação com base no lucro real.
Assim, não há dúvidas de que as empresas enquadradas no PERSE optantes do lucro real ou do lucro presumido, podem gozar da alíquota zero de IRPJ, CSLL, PIS e COFINS.
E as empresas do Simples Nacional, também podem gozar desta alíquota zero?
Bem, aí a situação já é outra completamente diferente, com muito mais dúvidas do que certezas.
Isso porque, em que pese a Constituição Federal (art. 146, inciso III, alínea “d”) determinar que seja concedido tratamento diferenciado e favorecido para as microempresas e para as empresas de pequeno porte, a Lei Complementar nº 123/2006, que institui o regime beneficiado do Simples Nacional, prevê em seu art. 24, §1º, que não serão consideradas quaisquer alterações em bases de cálculo, alíquotas e percentuais ou outros fatores que alterem o valor de imposto ou contribuição apurado na forma do Simples Nacional exceto as previstas ou autorizadas na referida lei complementar.
A jurisprudência predominante tem interpretado que o regime beneficiado do Simples Nacional não pode ser aplicado conjuntamente com outros incentivos e benefícios fiscais. Por conta disso, para que as empresas enquadradas no Simples Nacional possam usufruir do benefício de alíquota zero instituído pelo PERSE teriam que sair do regime beneficiado e migrar para o lucro presumido ou lucro real. Recomenda-se que isso somente seja feito após um criterioso planejamento tributário que analise as demais consequências de tal migração, principalmente a tributação sobre a folha de salários, que passará a ser de quase 30% sobre os rendimentos pagos aos funcionários com a saída do Simples Nacional.
E afinal, quais são as empresas enquadradas no PERSE?
Foram enquadradas no Setor de Eventos, beneficiado pelo PERSE, as empresas que exerçam as seguintes atividades:
1. Realização ou comercialização de congressos, feiras, eventos esportivos, sociais, promocionais ou culturais, feiras de negócios, shows, festas, festivais, simpósios ou espetáculos em geral, casas de eventos, buffets sociais e infantis, casas noturnas e casas de espetáculos;
2. Hotelaria em geral;
3. Administração de salas de exibição cinematográfica.
Além disso, também foram enquadradas no Setor de Eventos, as empresas que prestam os seguintes serviços turísticos:
1. meios de hospedagem;
2. agências de turismo;
3. transportadoras turísticas;
4. organizadoras de eventos;
5. parques temáticos;
6. acampamentos turísticos.
7. restaurantes, cafeterias, bares e similares;
8. centros ou locais destinados a convenções e/ou a feiras e a exposições e similares;
9. parques temáticos aquáticos e empreendimentos dotados de equipamentos de entretenimento e lazer;
10. marinas e empreendimentos de apoio ao turismo náutico ou à pesca desportiva;
11. casas de espetáculos e equipamentos de animação turística;
12. organizadores, promotores e prestadores de serviços de infraestrutura, locação de equipamentos e montadoras de feiras de negócios, exposições e eventos;
13. locadoras de veículos para turistas; e
14. prestadores de serviços especializados na realização e promoção das diversas modalidades dos segmentos turísticos, inclusive atrações turísticas e empresas de planejamento, bem como a prática de suas atividades.
A Lei nº 14.148/21 não fez qualquer distinção entre as empresas do setor de eventos e as prestadoras de serviços turísticos listadas acima, e considerou que todas estas atividades estão enquadradas no PERSE.
Além disso, a Lei não exigiu que a empresa já exercesse as suas atividades antes da data da sua publicação, ou seja, não deixou claro se os benefícios se estenderiam também a empresa novas constituídas para exercer tais atividades econômicas.
Todavia, a Portaria do Ministério da Economia nº 7.163, de 21/06/2021, passou a exigir que as empresa já exercessem tais atividades quando da publicação da Lei nº 14.148/21 (04/05/2021) para terem direito a usufruir do PERSE.
E foi além, também condicionou a fruição dos benefícios para as empresas prestadoras de serviço de turismo à existência de inscrição em situação regular, à época do advento da lei, no Cadastur (cadastro de pessoas físicas e jurídicas que atuam no setor turístico junto ao Ministério do Turismo) .
?? evidente que no presente caso a Portaria ultrapassou os limites da lei que pretendia regulamentar, e, portanto, inovou as condicionantes para adesão ao PERSE.
Diante deste cenário, dois questionamentos estão sendo feitos pelos contribuintes na esfera judicial, são eles:
1. Afastamento da exigência da inscrição prévia no Cadastur e reconhecimento do direito de usufruir dos benefícios instituídos na lei para as empresas prestadoras de serviços turísticos que já exerciam as atividades e não estavam inscritas no Cadastur até 04/05/2021;
2. E reconhecimento do direito a se beneficiar da lei do PERSE para as empresas do setor de eventos que ainda não exerciam atividades em 04/05/2021.
A primeira discussão judicial decorre da tese de que a Portaria ofendeu a legalidade tributária ao ultrapassar as previsões contidas na Lei do PERSE.
Já a segunda está fundamentada na ideia de que a concessão dos benefícios apenas para as empresas que já exerciam a atividade incluída no setor de eventos e turismo na data de 04/05/2021, atenta contra a isonomia e livre concorrência, pois durante 5 anos as empresas criadas após 04/05/2021 serão obrigadas ao recolhimento dos tributos federais (IRPJ, CSLL, PIS e COFINS), enquanto que as suas concorrentes que já existiam antes disso gozarão da isenção tributária até março/2027.
*Rafael Figueiredo é advogado tributarista, professor de Direito Tributário, mestre em Direito pela UFBA-Universidade Federal da Bahia. MBA em Gestão Tributária pela USP-Universidade de São Paulo, especialização em Direito Tributário pelo IBET-Instituto Brasileiro de
Estudos Tributários, ex-Conselheiro do CONSEF-Conselho de Fazenda do Estado da Bahia, membro do ITB-Instituto Baiano de Direito Tributário e membro da CAT-Câmara de Assuntos Tributários da Fecomércio/BA.
Comentários Facebook