Em voos, as(os) comissárias(os) de bordo costumam advertir que “vocês já sabem mas não custa lembrar, é proibido fumar a bordo, inclusive nos toaletes”.
Na atividade empresarial, é possível aproveitar e adaptar o discurso: “vocês já sabem, mas não custa lembrar que o contrato social deve ser redigido por um profissional e adequado às suas necessidades”.
Infelizmente, certas recomendações somente ganham a atenção necessária quando já é tarde demais. ?? normal se deparar com situações provocadas pelo uso imoderado de modelos disponíveis na internet, sem as devidas adaptações à necessidade específica, ou mesmo pela falta de atenção com esse importante documento.
Há até quem o reaproveite, fazendo ajustes no contrato de uma pessoa jurídica preexistente, para não precisar enfrentar as etapas burocráticas de constituição de uma pessoa jurídica e obtenção de um novo CNPJ, acrescentando a(s) nova(s) atividade(s) do seu interesse, e também para se valer de outras possíveis “vantagens” de uma PJ com certo histórico.
Não há dúvidas de que todo início de um novo negócio é importante e que não se pode menosprezar o “custo de oportunidade” para o empreendedorismo, caso a ideia não seja implementado no melhor timing.
O problema é que o barato costuma sair caro. Além de funcionar como o documento principal de qualquer sociedade, pois viabiliza sua constituição e delimita a forma como será administrada, dentre outros aspectos, o contrato social possui extrema relevância para a administração tributária.
Tributos como a Taxa de Fiscalização do Funcionamento (TFF) se orientam pelas atividades econômicas previstas no contrato social, que podem influenciar no valor a pagar. Veja, por exemplo, as notas explicativas contidas no final do Anexo V do Código Tributário e de Rendas do Município de Salvador (CTRMS).
No caso das chamadas “holdings patrimoniais”, por sua vez, o exame da imunidade do ITIV para fins de integralização com bens imóveis (já tratamos sobre alguns pormenores deste assunto neste texto) leva em consideração aspectos do contrato social.
O modelo de cobrança do Imposto sobre Serviços – ISS também considera alguns elementos contidos neste documento para definir se incidirá sobre o faturamento ou valor fixo, como já foi discutido por Leandro – que muito nos honra com sua merecida aprovação em 1º lugar no último concurso público para professor da Universidade do Estado da Bahia – (veja aqui).
A sujeição à competência fiscalizatória e obrigação de recolhimento de contribuição para conselhos profissionais (como Conselho Reginal de Administração, Conselho Regional de Química, Conselho Regional de Engenharia e Agronomia, dentre outros) também é outra matéria que costuma ser resolvida pelas disposições do ato constitutivo da pessoa jurídica, conforme dispõe a Lei Federal nº 6.839/90.
Isso sem falar na dificuldade que pode surgir para se livrar de uma eventual exigência tributária do Estado ou Município, por exemplo, quando a empresa mantém atividades que atraem a competência tributária de ambos, apesar de apenas realizar fator geradores pertinentes a um destes entes tributantes.
Salvo as exceções que sempre existem, a tendência natural é presumir que a pessoa jurídica exerce todas as atividades econômicas que constam em seu contrato social. Do mesmo modo, é possível que seja impedida de usufruir de direitos que dependem do cumprimento de requisitos formais cuja verificação é realizada no ato constitutivo, primordialmente.
Em resumo, o custo pode ser maior, desnecessariamente.
Como se pode notar, o contrato social pode até parecer algo simples, mas é uma daquelas coisas que quando você opta pelo caminho mais fácil ou mais barato pode apenas estar, na verdade, “contratando um problema” bem mais desvantajoso no futuro.
Nada contra a(o) amiga(o)/vizinha(o)/parente que está cursando/concluindo o curso de Direito ou de Contabilidade. Por mais que exceções sempre existam, assim como nos esportes, treino continua sendo treino e jogo continua sendo jogo.
Você já sabe, mas não custa lembrar…
*Anderson Pereira é advogado tributarista licenciado, professor de Direito Tributário e conselheiro do Conselho de Fazenda do Estado da Bahia e do Conselho Municipal de Tributos de Salvador
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