O presidente Jair Bolsonaro (PL) enfrentará, após a derrota na eleição, os desdobramentos dos inquéritos relatados pelo ministro Alexandre de Moraes no STF (Supremo Tribunal Federal), ao mesmo tempo em que tenta se manter como líder da direita e elegível para disputas futuras.
Moraes, cuja relação com Bolsonaro foi tumultuada ao longo do governo, centralizou a maioria das apurações criminais contra o presidente no inquérito das milícias digitais.
Desde os atos antidemocráticos em 2020, passando pelo ataque sem provas às urnas eletrônicas na live de 29 de julho de 2021 e o vazamento do caso do ataque hacker ao sistema do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), até disseminação de desinformação sobre vacinas, todos esses casos estão dentro da investigação relatada por ele.
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Foi enviado também para o caso boa parte do inquérito das fake news, aberto ainda em 2019 e primeira investida do STF contra a propagação de desinformação e ataque às instituições.
Como mostrou a Folha em fevereiro, o inquérito das milícias digitais foi pensado como um anteparo para as investidas golpistas de Bolsonaro e de seus apoiadores mais radicais. Ele foi instaurado pela delegada Denisse Ribeiro, por ordem de Moraes, e agora é conduzido por Fabio Shor.
O inquérito chegou a ser usado no caso da denúncia sem provas da campanha de Bolsonaro sobre fraude nas inserções eleitorais em rádios do Nordeste. Moraes entendeu a acusação como uma forma de tumultuar o 2º turno e enviou a suspeita para a investigação da PF.
O entendimento dos investigadores é que esse caso -assim como a live com ataques às urnas e os atos antidemocráticos, por exemplo- são eventos praticados por uma suposta organização criminosa especializada em ataques às instituições e disseminação de notícias falsas e desinformação.
Em ao menos dois desses eventos investigados, a PF já indicou para a prática de crime pelo presidente.
No caso da live de 29 de julho de 2021, a delegada do caso afirmou que Bolsonaro teve atuação “direta e relevante” na produção de desinformação sobre o sistema eleitoral e aderiu “a um padrão de atuação já empregado por integrantes de governos de outros países”.
Segundo a PF, a “chamada live presidencial foi um evento previamente estruturado com o escopo de defender uma teoria conspiratória que os participantes já sabiam inconsistente”.
A delegada também viu crime no vazamento por Bolsonaro e pelo deputado Filipe Barros (PL-PR) do inquérito do ataque hacker ao sistema do TSE.
Agora conduzida por Shor, a investigação teve outros desdobramentos no período eleitoral, como as buscas contra os oito empresários protagonistas de conversa de cunho golpista em um grupo de WhatsApp.
Esse material -e outros coletados anteriormente- estão sendo analisados pelo delegado e sua equipe, atualmente instalada na DIP (Diretoria de Inteligência Policial) da PF.
Também é nesse inquérito que estão sendo analisadas as transações financeiras suspeitas no gabinete de Bolsonaro. A PF chegou nos indícios ao analisar a quebra de sigilo telemático de Mauro Cesar Barbosa Cid, principal ajudante de ordens do presidente.
Foram encontradas conversas por escrito, fotos e áudios trocados por Cid com outros funcionários da Presidência que sugerem a existência de depósitos fracionados e saques em dinheiro.
O inquérito das milícias digitais tem origem na investigação dos atos antidemocráticos de 2020 e resultado de um drible de Moraes no Procurador-Geral da República, Augusto Aras.
O indicado de Bolsonaro para a PGR pediu o arquivamento, Moraes aceitou, mas abriu outra investigação -agora batizada de milícias digitais- com o material coletado pela Polícia Federal.
Ao longo do tempo, o ministro foi enviando os outros eventos para dentro da apuração.
As chamadas milícias digitais, no entendimento dos investigadores, têm entre outros objetivos “diminuir a fronteira entre o que é verdade e o que é mentira”.
“A prática visa, mais do que uma ferramenta de uso político-ideológico, um meio para obtenção de lucro, a partir de sistemas de monetização oferecidos pelas plataformas de redes sociais. Transforma rapidamente ideologia em mercadoria, levando os disseminadores a estimular a polarização e o acirramento do debate para manter o fluxo de dinheiro pelo número de visualizações”, diz relatório da PF.
Segundo a investigação, “quanto mais polêmica e afrontosa às instituições for a mensagem” divulgada, “maior o impacto no número de visualizações e doações, reverberando na quantidade de canais e no alcance do maior número de pessoas”.
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