Copa 2022 vai em busca da arte perdida

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A Copa do Mundo tem servido como a oportunidade de troca de experiências entre múltiplas formas de jogar futebol, embora cada vez menos estas distinções, antes evidentes, venham se verificando, devido às táticas previsíveis.

Um passeio no túnel do tempo revela culto ao defensivismo, substituindo-se o improviso pela crença nas peças fixas, o posicionamento do jogador em campo como valor superior ao talento e à capacidade criativa, com grave perda poética.

Vamos começar por 1863, muito antes da primeira Copa: a bola era a caça, enquanto os jogadores, seus predadores, corriam desordenadamente para capturá-la, isolando-se um dos “players”, na linha de gol, como diligente vigia.

Este “goal-keeper”, protetor da meta (goleiro), inspirou, com sua solidão, a primeira mudança defensiva, com recuo de um e depois, dois colegas para ajudá-lo, posicionados a sua frente. Nascia a parelha de “backs”.

Já em 1872, por ocasião do primeiro jogo internacional, entre Escócia e Inglaterra, recuaram-se os primeiros “médios” chamados hoje “meias”, ganhando feições de 2-2-6, ao resultarem as precauções no equilíbrio de forças.

A fonte é a “História Ilustrada do Futebol Brasileiro”, quatro volumes publicados pela Editora Documentação Brasileira, assinados por craques da pesquisa como Thomas Mazzoni e Marcos Carneiro de Mendonça, primeiro arqueiro mitográfico.

Quando a bola rolou na primeira Copa, em 1930, já se tinha a formação clássica, com dois “backs”, a linha média com três jogadores, e o ataque de cinco com dois extremas abertos, tendo por variante o sistema em desenho “WM”.

Oito anos mais tarde, na França, cresceu o investimento nos cuidados em não tomar gol, com a criação do ferrolho pela Suíça, adaptado para o catenaccio da Itália bicampeã, com um zagueiro situado atrás da linha de defesa: o líbero.

A confiança na arte, tida como “irracional” por seus detratores, levou o Brasil a resistir a esta tendência, senão com a criação, mas seguramente no bom uso do 4-2-4, ao escalar o ponta-de-lança, aquele jogador-referência, o camisa 10 do escrete (Pelé).

Nas Copas de 1958 e 1962, o recuo do ponta-esquerda (Zagallo) abria alternativa para o 4-3-3, até chegarem os anos 1970, quando a Holanda propôs a ocupação de espaços sem posição fixa: o carrossel do Ajax campeão mundial.

Mesmo terminando vice na Alemanha-74, a revolução holandesa deixou seu legado. Mas nas décadas seguintes, três retrocessos abalaram o jogo, com as derrotas do Brasil de Telê em 1982 e 1986, além do tetra do Brasil de Parreira, em 1994.

Marcar, combater, destruir, passaram a ser os verbos mais repetidos, enquanto se inventava a figura em diagonal do “atacante de beirada”. A insistência na “bola parada” virou o pior efeito do conceito hegemônico do “gol como um detalhe”.

O mundo das copas entrou no século XXI carente de Maradona e Sócrates, deslocando-se o conteúdo de imaginação para a embalagem, com estratégias de marketing transformando jogadores apenas medianos em supostos craques.

Vamos ver se no Catar surge uma surpresa, pois o jogo tem estimulado a força, misturando a bola ao MMA, uma modalidade menos fútil e mais útil, contrariando o “técnico” Nietzsche: “a arte existe para que a realidade não nos destrua”.

Paulo Leandro é jornalista e professor Doutor em Cultura e Sociedade.

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