A marcha da formação de uma Frente Ampla para a defesa da democracia resultou na vitória de Lula. Agora, assistimos à outra marcha: a tessitura da transformação da frente eleitoral em frente para governar o paÃs.
Uma nova coalizão de governo que possa representar a mediana da representação polÃtica da sociedade no Congresso Nacional e, ao mesmo tempo, representar/espelhar os muitos tons de cinza do espectro polÃtico da sociedade brasileira.
A sorte do novo governo nacional depende do êxito polÃtico desta intrincada tessitura de formação e composição de um governo de Frente Ampla.
Representar o quê mesmo?
As manifestações de 2013 resultaram em 2018. Resultaram no bolsonarismo. Que veio para ficar. Encaixado em novo espÃrito de época (zeitgeist). Tirou a extrema direita do armário (o que é bom para a democracia) e deu à direita uma nova narrativa – que construiu uma cidadela polÃtica e eleitoral para Jair Bolsonaro.
Constata-se, mais uma vez, que o Brasil tem forte presença do conservadorismo. Mas isto não significa igualar e reduzir o conservadorismo ao Bolsonarismo. Já sabemos que o centro e a centro-direita são maiores que o Bolsonarismo raiz. Há reacionários e há conservadores. Esther Solano estima que o eleitor mais radical e raiz representa de 12 a 15% do eleitorado.
A Frente Ampla significa um contraponto histórico. Um (novo) movimento lento e silencioso de placas tectônicas na sociedade brasileira, que levou à eleição de Lula. 2022 tende a resultar na progressão de novo espÃrito de época (zeitgeist) no paÃs, a partir de 2023. É mais do que uma onda eleitoral. Pode ter o efeito de uma passagem de época.
A portadora da entrada em nova época é a eleição da Frente Ampla em formação, liderada por Lula. Ela é maior que o lulopetismo. O sÃmbolo é o despertar dos contrários, da centro-direita à centro-esquerda. Mais do que isto, é o despertar da sociedade civil.
O encontro das placas tectônicas de 2013 com as placas tectônicas de 2023, pode resultar em nova configuração, nos próximos anos, no “continuum†que forma o espectro polÃtico nacional, da extrema direita à extrema esquerda – muitos tons de cinza.
No meio tempo, é preciso sublinhar que há uma superestimação da supremacia da direita no Congresso Nacional recém eleito. Ele volta mais conservador em 2023. Mas, também, com muitos tons de cinza. A formação de maiorias é volátil. O fiel da balança é mais amplo do que o bolsonarismo raiz. Inclui a centro-direita liberal e a direita fisiológica.
Este fiel da balança, no centro, é avesso aos extremismos. Entendendo-se o centro como compreendendo o chamado centro democrático (MDB, PSD, PSDB-Cidadania e Podemos) e, também, o Centrão (PL, PP, União Brasil, Republicanos).
Bruno Carazza identifica que, dos 513 deputados que tomarão posse, 235 são filiados a partidos de centro ou de direita. Ele constata que “o governismo é predominante nesse grupoâ€. Nas suas contas, a esquerda (PT-PV-PCdoB, Psol-Rede, PSB e PDT) contará com apenas 125 deputados federais e 14 senadores. E o bolsonarismo “fez em torno de 120 cadeiras na Câmara e 13 no Senado. Portanto, conclui : “o desempate será definido no centroâ€.
Formada a Frente Ampla de governo, dois processos polÃticos deverão ser cruciais para a formação de maiorias no Congresso (e na sociedade). Primeiro, o exercÃcio da liderança polÃtica e carismática de Lula na construção de consensos. Segundo, um programa mÃnimo de governo progressista que aponte para um norte de estabilidade polÃtica, previsibilidade econômica e credibilidade social.
Trata-se de um processo de reversão de expectativas polÃticas e econômicas.
Tudo somado, o processo polÃtico, ao expressar movimentos de placas tectônicas na sociedade, poderá resultar em efeitos sociológicos estruturais de “longue durée†no Brasil. Efeitos de busca de restauração do Estado Nacional, a partir da renegociação do Contrato Social. A retomada de outra marcha: a da prosperidade.
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*Pós-doutor em Ciência PolÃtica pela The London School of Economics and Political Science.
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