Lula e a Frente Ampla (por Antônio Carlos de Medeiros)

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A marcha da formação de uma Frente Ampla para a defesa da democracia resultou na vitória de Lula. Agora, assistimos à outra marcha: a tessitura da transformação da frente eleitoral em frente para governar o país.

Uma nova coalizão de governo que possa representar a mediana da representação política da sociedade no Congresso Nacional e, ao mesmo tempo, representar/espelhar os muitos tons de cinza do espectro político da sociedade brasileira.

A sorte do novo governo nacional depende do êxito político desta intrincada tessitura de formação e composição de um governo de Frente Ampla.

Representar o quê mesmo?

As manifestações de 2013 resultaram em 2018. Resultaram no bolsonarismo. Que veio para ficar. Encaixado em novo espírito de época (zeitgeist). Tirou a extrema direita do armário (o que é bom para a democracia) e deu à direita uma nova narrativa – que construiu uma cidadela política e eleitoral para Jair Bolsonaro.

Constata-se, mais uma vez, que o Brasil tem forte presença do conservadorismo. Mas isto não significa igualar e reduzir o conservadorismo ao Bolsonarismo. Já sabemos que o centro e a centro-direita são maiores que o Bolsonarismo raiz. Há reacionários e há conservadores. Esther Solano estima que o eleitor mais radical e raiz representa de 12 a 15% do eleitorado.

A Frente Ampla significa um contraponto histórico. Um (novo) movimento lento e silencioso de placas tectônicas na sociedade brasileira, que levou à eleição de Lula. 2022 tende a resultar na progressão de novo espírito de época (zeitgeist) no país, a partir de 2023. É mais do que uma onda eleitoral. Pode ter o efeito de uma passagem de época.

A portadora da entrada em nova época é a eleição da Frente Ampla em formação, liderada por Lula. Ela é maior que o lulopetismo. O símbolo é o despertar dos contrários, da centro-direita à centro-esquerda. Mais do que isto, é o despertar da sociedade civil.

O encontro das placas tectônicas de 2013 com as placas tectônicas de 2023, pode resultar em nova configuração, nos próximos anos, no “continuum†que forma o espectro político nacional, da extrema direita à extrema esquerda – muitos tons de cinza.

No meio tempo, é preciso sublinhar que há uma superestimação da supremacia da direita no Congresso Nacional recém eleito. Ele volta mais conservador em 2023. Mas, também, com muitos tons de cinza. A formação de maiorias é volátil. O fiel da balança é mais amplo do que o bolsonarismo raiz. Inclui a centro-direita liberal e a direita fisiológica.

Este fiel da balança, no centro, é avesso aos extremismos. Entendendo-se o centro como compreendendo o chamado centro democrático (MDB, PSD, PSDB-Cidadania e Podemos) e, também, o Centrão (PL, PP, União Brasil, Republicanos).

Bruno Carazza identifica que, dos 513 deputados que tomarão posse, 235 são filiados a partidos de centro ou de direita. Ele constata que “o governismo é predominante nesse grupoâ€. Nas suas contas, a esquerda (PT-PV-PCdoB, Psol-Rede, PSB e PDT) contará com apenas 125 deputados federais e 14 senadores. E o bolsonarismo “fez em torno de 120 cadeiras na Câmara e 13 no Senado. Portanto, conclui : “o desempate será definido no centroâ€.

Formada a Frente Ampla de governo, dois processos políticos deverão ser cruciais para a formação de maiorias no Congresso (e na sociedade). Primeiro, o exercício da liderança política e carismática de Lula na construção de consensos. Segundo, um programa mínimo de governo progressista que aponte para um norte de estabilidade política, previsibilidade econômica e credibilidade social.

Trata-se de um processo de reversão de expectativas políticas e econômicas.

Tudo somado, o processo político, ao expressar movimentos de placas tectônicas na sociedade, poderá resultar em efeitos sociológicos estruturais de “longue durée†no Brasil. Efeitos de busca de restauração do Estado Nacional, a partir da renegociação do Contrato Social. A retomada de outra marcha: a da prosperidade.

 

*Pós-doutor em Ciência Política pela The London School of Economics and Political Science.

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