Para entrar no Lattuga, restaurante no Caminho nas Árvores, os clientes jogam fora a água ou comidas que trazem na bolsa. Os funcionários também não levam alimentos de fora – comem o que é produzido lá. No espaço, estão proibidos vestígios de glúten, que, lançados no ar até pela saliva, são tóxicos para quem adoece ao ser exposto a essa proteína – os celíacos.
O consumo de alimentos sem glúten está em plena ascensão. Entre 2012 e 2020, cresceu 8%, segundo a Euromonitor, especializada em inteligência de mercado. Já para este ano é esperado um crescimento maior, entre 35% e 40%.
O avanço surfa na onda do apelo de uma alimentação saudável (e que, às vezes, elenca seus vilões) e na busca de clientes com doença celíaca.
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Aviso proibindo alimentos com glúten no Lattuga (Foto: Ana Lúcia Albuquerque/CORREIO) |
Na porta do Lattuga, há um aviso: “Proibido entrar com alimentos e bebidas. Risco de contaminação cruzada”.
“Muitas pessoas não entendem. Quando alguém chega com alguma coisa, a gente chama e explica. Muita gente acha bobagem e ainda sai chateada. Mas é muito importante ocupar esse papel”, diz Juliana Mascarenhas, sócia do Lattuga, único restaurante, em Salvador, autodeclarado livre de contaminação cruzada por glúten.
Juliana não é celíaca, mas, intolerante à lactose, sabe o que é passar mal por contaminação de alimentos. Em julho de 2020, abriu o Lattuga com o propósito de incluir gente com restrições alimentares. “Já passei mal em muitos restaurantes. Com celíacos, precisamos ter muito cuidado. Quisemos montar uma alimentação inclusiva, onde ele se sinta à vontade”, diz ela, sobre os produtos industrializados e as receitas prontas e congeladas, de coxinhas a bolos, que vende.
Por qual motivo alimentos sem glúten são mais caros?
A alimentação é um dos maiores desafios para os celíacos. A razão é, sobretudo, socioeconômica. A venda de produtos sem glúten está concentrada nos centros das metrópoles e são mais caros. Isso porque a culinária sem glúten exige adaptações.
A goma xantana, por exemplo, é um dos ingredientes fundamentais. Extraído da fermentação de uma bactéria, esse produto em gel dá viscosidade e maleabilidade aos alimentos, o papel do glúten. O quilo dessa goma custa, em média, R$ 200, e é usado tanto em molhos quanto em massas e sorvetes.
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Você sabia? O Capelinha é sem glúten (Foto: Paula Fróes/Arquivo CORREIO) |
Mas até negócios que você talvez nem imagine apostam no “sem glúten”. Na fábrica da Capelinha, em Lauro de Freitas, Região Metropolitana de Salvador, nem os funcionários entram com comida, para evitar a contaminação cruzada nos 17 sabores de picolé.
“Se conseguirmos criar um produto gostoso e sem glúten, vamos priorizar assim. Sempre foi uma prática da Capelinha e mantivemos, porque percebemos que ajudava muita gente”, afirma Fábio Costa, que, em 2021, comprou a Capelinha do fundador Antônio Mota.
Há 20 anos, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) determina o rótulo de “com” ou “sem glúten”. Fora isso, não há fiscalização sistemática sobre os estabelecimentos teoricamente livres de glúten.
Essa iniciativa depende dos empreendedores, que criam mecanismos para inspirar confiança, como buscar produtos certificados independentes. A Anvisa não respondeu quantas empresas utilizam rótulo de “sem glúten”, emprestado até a cervejarias, como a Stella Artois, que produz cervejas destinada a celíacos.
O ‘kit sobrevivência’ da alimentação
No fim do ano passado, depois de um jantar, Lisandra Teixeira, 25, sentiu dores na barriga que, de tão fortes, a levaram ao médico. “Veio o diagnóstico de doença celíaca e foi um choque, mas você acolhe entendendo que a alimentação não precisa de certos alimentos”.
O diagnóstico fez sentido para a estudante de arquitetura, que creditava dores de barriga e o inchaço recorrentes a uma intolerância à lactose. Para ir a festas e encontros com amigos, Lisandra leva as próprias comidas – bolo e salgadinho, por exemplo. “Chamo de ‘kit sobrevivência’, porque não somos incluídos nos lugares”, opina.
Para isso, faz esforço, já que recebe um salário-mínimo no trabalho (R$ 1,2 mil) mensal. “Tenho privilégios porque moro com meu pai e minha irmã”, diz. Na casa deles, não entra glúten, para resguardar Lisandra da contaminação cruzada.
Até porque, para não celíacos, há estudos que destroem o argumento de que cortar o glúten é sinônimo de saúde. O pão francês, sozinho, possui mais fibras e menos açúcar que a tapioca, queridinha do movimento fitness.
“Há estudos que mostram que os isentos de glúten industrializados têm mais sódio, gordura e açúcar. O dogma do ‘desembrulhe menos e descasque mais’ cai por terra”, explica Raquel Rocha, coordenadora do Ambulatório de Nutrição do Hospital das Clínicas de Salvador.
Para os celíacos, ela recomenda a alimentação mais natural possível*, com fibras e olho atento à tabela nutricional dos alimentos, no caso dos industrializados, principalmente.
O mistério do pãozinho delícia sem glúten
Durante um ano e meio, o pãozinho delícia saiu do forno com a aparência errada. Às vezes, murchava. Outras, ficava duro. O motivo dele sair troncho era a falta de glúten, que dá maleabilidade às massas. Quando o pãozinho surgiu redondo e airado, Lívia Bastos, 41, comemorou: era possível tirar o glúten de pratos da memória afetiva.
Em 2019, Lívia se propôs a trabalhar com o mais difícil dos segmentos da alimentação sem glúten: a panificação. Não que faltem massas livres dessa proteína, mas a empresária queria produtos fofinhos, gostosos, não “duros e esfarelentos”, como ela adjetiva alguns dos artigos que encontrava. A engenheira de alimentos tinha conhecimento de causa para afirmar isso.
Aos 35, descobriu ser celíaca. O universo da panificação virou seu maior incômodo – e, depois, negócio. Começaram ela e o marido, com um forno, no apartamento onde moram. Hoje, possuem um espaço de produção, com seis funcionários e três fornos. “Pesquisei muito até chegar a boas massas sem glúten”, conta.
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Di Salvatore tem cardápio de festa (Foto: Acervo pessoa/Lívia Bastos) |
E nessa pesquisa, uma preocupação dela é o valor nutricional: aposta na fermentação natural, por exemplo, que tem um índice glicêmico menor e maior disponibilidade de vitaminas e minerais. Há ainda o fator psicológico.
“Quando se fala em restrição alimentar, e você se depara num evento social em que as outras pessoas podem comer em uma festa e você não pode, pode desencadear vários problemas”.
A empresa Di Salvatore criou até um cardápio de festa, com pãezinhos, bolos e salgados. No último aniversário de Lívia, todo o cardápio era livre de glúten. Ninguém percebeu diferença.
10 DELÍCIAS SEM GLÚTEN
1 Lattuga (Instagram: @lattugasalvador|Contato: 71 3043-8971)
2 Di Salvatore Panetteria GF (Funciona por entrega. Instagram: disalvatoresemgluten)
3 Seu mundo zero (Shopping Paralela|Instagram: seumundozero)
4 Empório Senza Glutine (Encomendas|Instagram: @emporiosg.salvador)
5 Capelinha (Instagram: capelinhaoriginal|Contato: 9 9711-9099)
6 Das Duas (Funciona por entrega: Instagram: @das_duas|Contato: 981435759)
7 Doces Sonhos: existe uma cozinha nova reformada para produção de bolo sem glúten. Três lojas do grupo oferecem uma vitrine glúten free com opções sem glúten: Paulo VI, SSA Shopping, Shopping Barra
8 Strong Pizza(Funciona por delivery. Instagram: @strongpizza_oficial)
9 É free de tudo Pizzaria (Funciona por delivery| Instagram: @efreedetudosalvador)
10 Cerveja Stella Artois (Possui versão sem glúten)
*Fique atento: (Frutas, verduras e proteína animal – carne branca e vermelha – naturalmente não contêm glúten. Atente-se ao modo de preparo)
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