Peixe do mar da Noruega percorre longo caminho até chegar ao Brasil como bacalhau

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Bacalhau tem cabeça sim, senhor! E vale ouro. Pelo menos na Nigéria, país que é o maior importador desta parte do peixe nativo dos mares gelados do Norte da Europa. Na Noruega, um dos maiores produtores do pescado do continente, a cabeça é separada do corpo do animal ainda no mar e levada pelos barcos de pescadores até as empresas que a exportam para o país africano.  Mais de 95% da produção norueguesa têm este destino. Talvez por isso ela nunca tenha chegado por aqui e até hoje provoca a dúvida sobre a sua existência que acabou virando piada nos trópicos. Mas vale lembrar que a mutilação não para por aí. A língua é iguaria muito apreciada na Europa, especialmente na Espanha, para onde viaja parte da produção norueguesa. Já os ossos seguem para China para serem usados como sopa. 

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Bacalhau com cabeça, tronco e membros pescado no mar gelado da Noruega 

Do mar gelado da Noruega são retirados quatro tipos de peixe branco que passam pelo processo de secagem para se tornar bacalhau, mas apenas um é considerado como tal: o Gadus Morhua. Os outros são o Saithe, o Ling e o Zarbo que embora sejam confundidos com bacalhau, são denominados de peixe salgado/seco ou tipo bacalhau. Mesmo o Gadus Morhua, para ser considerado bacalhau, segue uma longa jornada que começa com a pesca artesanal e sustentável (feita com anzol), e termina com o processo industrial quase que totalmente robotizado até ser comercializado para várias partes do mundo, a peso de ouro, inclusive o Brasil, terceiro maior mercado para os noruegueses. 

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Pescador retira a cabeça do peixe ainda no mar

Nas indústrias de pescados das cidades de Tromsø e Ålesund, que recebem toda a produção do pescado dos mais de cinco mil barcos de pesca autorizados pelo Conselho Norueguês de Pesca (Norwegian Seafood Council), todos os quatro tipos passam pelo mesmo processo. Lá, os peixes são congelados e separados por tipo. De um lado o Saithe, o Ling e Zarbo (os primos pobres do bacalhau). Do outro o rei do bacalhau, o Gadus Morhua, aquele de lombo alto e mais clarinho, considerado premium. 

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Processamento do bacalhau: pouca intervenção de mão de obra

Enquanto o Saithe é muito usado no Brasil para recheios de iguarias como o bolinho de bacalhau, o Gadus Morhua é aquele mais robusto e branquinho que faz sucesso nos restaurantes de primeira linha e nas ceias de Natal e Páscoa das famílias mais abastadas. O branqueamento, bom que se diga, é graças a um toque final de um sal mais puro para dar um efeito cosmético à carne. Exigências do mercado. Das câmaras geladas o pescado começa sua trajetória de transformação.

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Máquina e esteiras empalam o peixe abrindo-o ao meio 

Primeiro vai para os enormes tanques de resfriamento que sugam o peixe para as esteiras automatizadas que o higienizam e o abrem ao meio, antes de iniciar o trabalho de processamento e salga. O processo de empalar (abrir ao meio) ajuda na absorção do sal e facilita a retirada dos ossos e das aparas (aqueles que os chineses gostam) dando ao pescado aquele formato triangular que a gente conhece. A próxima etapa, com os peixes já limpos, são arrumados um a um, em novas caixas, em camadas, ganhando chuveiradas de sal.

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O preparo para secagem é feito artesanalmente geralmente com mão de obra de imigrantes do leste europeu

Para cada um quilo de peixe, um quilo de sal. O processo se repete a cada fileira até a caixa ser completada. Dali, os grandes vasilhames com os pescados são enviadas para uma hibernação de duas a três semanas. Quando o teor da água é reduzido a 48%, o peixe começa a virar bacalhau. Quer dizer, está a caminho de virar bacalhau seco como a gente conhece por aqui, porque dali, parte do lote vai para o congelamento para ser exportado para os países que o compram apenas salgado e congelado, parte segue para o processo de secagem e desidratação, como chegam no Brasil.

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Gadus Morhua é o único considerado bacalhau já seco e embalado em caixas de papel

Esta etapa é feita artesanalmente, geralmente por imigrantes, que peneiram o excesso de sal e repousam os peixes em camadas, em telas de cordas e madeira, para seguirem para câmara de secagem. Dali a três quatro semanas, o bacalhau está pronto para seguir viagem pelo mundo. O processo é o mesmo desde os tempos dos vikings, tal e qual se fazia e faz no Brasil até hoje com a carne de sol. A novidade lá está na automatização quase total do processamento. Isso se repete para todo tipo de peixe branco que é exportado. Na embalagem, no entanto, há diferenças.

Brasil é o único país que exige caixas de madeira para receber o bacalhau da Noruega

O Gadus morhua que segue para o Brasil é embalado em caixas de madeira que carregam 50 kg de bacalhau. De acordo com os empresários noruegueses, isso é uma tradição que não pode ser quebrada. Isso quando se trata do nobre e autêntico Gadus Morhua. “Quando mandamos em caixas de papelão os compradores mandam de volta, o que não acontece com os outros países que recebem pescado salgado e seco em caixas de papelão de 25 kg”, diz Rune Fagerstad, gerente geral da Scanprod SA, em Ålesund.

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Método de secagem segue mesmo processo do tempo dos vikings, mas agora mais aprimorado e mecânico

Mau tempo
Na Noruega se usa muito a expressão Mau tempo, boa pesca. É entre os meses de janeiro e março que o mar está pra peixe. Num dia bom (para eles) um pescador consegue pescar até uma tonelada e faturar até R$ 20 mil num único dia de trabalho. No fim do dia, o pescado é levado para as indústrias – ainda gelado devido à temperatura local – para ser transformado em bacalhau. 

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Em dia bom um pescador solitário pesca até uma tonelada de pescado

Para chegar até o Brasil, parceiro comercial importante para os noruegueses, segundo Østein Valenes, diretor Brasil do Conselho Norueguês de Pesca, o bacalhau leva até dois meses, considerando o processamento e a logística até o porto de Roterdã, na Holanda, de onde segue até o Porto de Santos, em São Paulo, cuja viagem dura 30 dias.De acordo com Østein Valenes, em 2021 o Brasil importou 15,7 mil toneladas, mas a expectativa é que o país volte ao patamar de 2019, antes da pandemia, quando a Noruega exportou para o lado de cá quase 20 mil toneladas. “Nossa meta é não só voltar aos números anteriores como aumentar as vendas e fazer o brasileiro consumir bacalhau não apenas nas celebrações, mas o ano inteiro”, diz. O impasse está no preço.

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Gadus Morhua e Saithe frescos

O quilo de bacalhau da Noruega sai da Holanda custando cerca de 100 coroas norueguesas, o equivalente a R$ 50, 00, mas aqui o quilo pode chegar a R$150,00, ou seja, três vezes mais, considerando os impostos, logística etc. Para reduzir estes custos, os noruegueses discutem usar a deflação, prática que se tornou comum nos supermercados de reduzir o tamanho das embalagens sem que o preço do produto seja reduzido. Mas aí seria como o saithe e os outros primos pobres do bacalhau: parece, mas não é. 

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Ilha de Sange, em Tromso, umas das comunas da Noruega onde é pescado e beneficiado o bacalhau

Curiosidades
– Países como Portugal, que detém o selo Bacalhau do Porto, compra o produto dos países produtores, como a Noruega, ainda fresco e faz o processamento e salga e exporta para o mundo. É de lá que também vem o bacalhau dessalgado, processo feito nas indústrias locais.

– No Brasil o consumo de pescado é de 9 kg por ano, enquanto o recomendado pela Organização Mundial de Saúde é de 12Kg por ano por pessoa.

– O salmão, outro tipo de peixe comum na Noruega, não pode ser exportado para o Brasil em função do acordo do Mercosul que permite a importação somente do Chile, onde o pescado é considerado inferior ao europeu.

– O Nordeste é a região que mais compra o Saithe, o peixe seco tipo bacalhau. Para cá vem também os tipos Ling e Zarbo salgados e secos.

– Do Porto de Roterdã até o Brasil o bacalhau, apesar de conservados no sal e secos, é mantido em refrigeração nos navios. 

O jornalista viajou a convite do Conselho Norueguês de Pesca
 

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