Trabalhadores da Greve Negra são absolvidos em Júri Popular simulado da Defensoria

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Os trabalhadores negros envolvidos na Greve Negra, de 1857, foram absolvidos no Júri Popular Simulado promovido pela Defensoria Pública da Bahia, na última quarta-feira (24). O banco dos réus recebeu o ator Cristóvão Silva interpretando um integrante do movimento grevista dos ganhadores, a defensora pública Diana Furtado como julgadora, o defensor público Henrique Alves na defesa e na acusação o defensor público Rodrigo Rocha Meire. 

“O objetivo deste trabalho é refletir o papel do nosso povo na história. Antes de taxar qualquer um como condenado, a gente tem que lembrar que esse réu pode ser Zumbi, Dandara, Marighela ou mesmo os trabalhadores que se levantaram e fizeram a primeira greve de pessoas escravizadas da história da humanidade”, explica o defensor público geral e um dos criadores do projeto Rafson Ximenes. 

Os trabalhadores grevistas eram negros escravizados, libertos ou livres que faziam o transporte de todo tipo de carga na capital baiana. Os “negros de ganho” movimentavam o comércio soteropolitano no século XIX e em 1º de junho de 1857 essa classe trabalhadora, formada, por exemplo, por escravos que buscavam comprar a sua alforria, decidiu parar. Foi uma lei municipal determinando que a partir daquela data os ganhadores do sexo masculino precisariam pagar um imposto de serviço; pagar por um tipo de licença para “ganhar”; e também por uma placa de metal que deveriam colocar em seus pescoços durante o trabalho, com a numeração de matrícula – como se fosse a chapa usada em carroças.

“A gente tinha que pagar pelo diabo dessa ‘praca’, pra nos humilhar mais. Tratavam a gente como bicho, então a gente resolveu parar essa cidade. A gente simplesmente sentiu, se juntamos e realizamos um movimento em paz sem causar violência nenhuma”, foi uma das falas na voz e interpretação de Cristóvão Silva que emocionou o público presente. Tachados de desordeiros e barulhentos – em virtude das músicas que cantavam enquanto trabalhavam – e alvo de acusações por furtos e outros delitos nos comércios, também precisariam pagar a um responsável “idôneo” para ser o seu “fiador” e atestar o seu comportamento. Com o racismo escancarado na época, isso significava pagar a um branco.

“A greve negra não tinha como objetivo reclamar a ordem das coisas, mas teve relação com algo maior: a dignidade humana, que ousaram requerer para si. Estamos em um Novembro Negro, é muito forte o que a gente tá fazendo, é importante saber que a historiografia da história social da escravidão tem olhado por outro lado, que não existe uma história única. A história social tem se dedicado à história dessas pessoas, que são ditos como os perdedores, mas a gente percebe que eles lutaram e fizeram de tudo para pensar um mundo possível melhor e isso nos estimula a pensar neste mundo”, conta a professora de História Mona Lisa Nunes de Souza, responsável por contextualizar o fato histórico em uma palestra durante o evento.

A acusação optou por utilizar argumentos que até hoje são evocados para criminalizar movimentos sociais e pessoas negras. Pediu a condenação do movimento, considerando os meios empregados e o risco que se colocou à elite branca da capital baiana. A defesa sustentou a absolvição, argumentando ser legítima a paralisação pacífica realizada pelos ganhadores e explicitando as violências às quais eram submetidos. “Quando eu passei a estudar os ganhadores e o que eles faziam, foi impossível não olhar no espelho e não lembrar das nossas baianas de acarajé, dos nossos ambulantes, da galera que pega cadeira e serve bebida no Porto da Barra, das pessoas que entregam comida nas nossas casas”, diz. Para ele, assim como os ganhadores, estes são trabalhadores que não têm direitos e que “são taxadas de criminosas quando se levantam, como a acusação faz”, disse Henrique Alves.

O júri popular, sorteado na hora entre os presentes, votou pela absolvição dos acusados, o que foi seguido por Diana Furtado em sua sentença. “Após mais de 150 anos de apagamento histórico, há de se reconhecer que esse grupo de ganhadores resistiu e executou de maneira legítima e inédita a primeira greve realizada no Brasil, anterior portanto aos relatos das greves dos gráficos em 1858, ferroviários da Central do Brasil em 1886 e a greve dos caixeiros em 1891, muito anterior à regulamentação do direito à greve no Brasil e a sua inserção na Constituição Federal de 1946. É necessário restituir a esses ganhadores pelo reconhecimento da legalidade de seu movimento e de suas ações, o seu papel de agentes políticos responsáveis por terem iniciado a disputa em torno dos direitos trabalhistas no Brasil”, concluiu.

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