A vida vivida sem filtros nas crônicas de Marcus Borgón

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A inspiração do título O Que Sobrou do Mundo (Villa Olívia, 2022), livro que marca a estreia em crônicas de Marcus Borgón (também autor da novela O Pênalti Perdido, P55, 2016), salta direto de uma letra de rock. Outras canções e citações atravessam as narrativas, repletas de referências literárias, cinematográficas, televisivas e musicais, numa trilha sonora poética, com direito a Rilke logo de cara, numa breve reflexão sobre como a velocidade nos cola ao passado, porque “só aquilo que demora nos inicia”.

Vá lá que, muitas vezes, essa demora iniciática se prolonga indefinidamente e que, nesses casos, vale evocar a positividade tóxica de que o essencial, no fim das contas, é mesmo viver o processo. “Não queira ver, nada sobrou do mundo que imaginamos para viver”, parece cantar em nossos ouvidos o multi-instrumentista gaúcho Frank Jorge, enquanto o escritor nos convida a compartilhar sua visão singular da existência, que não precisa ser uma corrida louca, e sem descanso, rumo a metas absurdas.

Afinal, a ordem é dançar até morrer, como no filme A Noite dos Desesperados ou como se estivéssemos contaminados pela praga de Estrasburgo. Nem sempre pódio e medalhas nos aguardam ao final da nossa Jornada do Herói, muitas vezes só o que se leva de prêmio é algo simplório, tipo ganhar um jogo de pega-varetas num bingo beneficente ou o primeiro lugar num concurso de calouros, cantando Lulu Santos. Dessas desventuras que se tenta esconder, quando nossa sorte é de curto alcance.

Saudavelmente imperfeitos

 Na contramão das longas histórias vitoriosas com finais apoteóticos, epifanias ou lições de moral, redimindo o passado de alguma forma, Marcus Bórgon nos confronta com um protagonista anti-herói, que chega aos 45 do segundo tempo oscilando entre a conformidade com suas limitações e o tédio das imagens artificiais que rejeita. A família, os amigos, os amores que mal cabem no peito são vistos aqui sem retoques, exatamente como o são, como de resto todos são: saudavelmente imperfeitos.

Suas crônicas resgatam, pois, o que muitos desejam esquecer. Aquela vez em que desfilamos fantasiados numa festa da escola, a falta de coordenação motora que impede de aprender a tocar violão, uma entrevista fracassada de emprego, quiçá duas, três ou dez, ou mesmo uma enfermidade qualquer, que nos pega de surpresa e que nos torna frágeis de repente, diante da tirania da saúde produtiva que impera no mundo do trabalho. O que guardar nos olhos, quando a ameaça é não continuar a ver?

Numa sociedade de gente perfeita e de felicidade com filtro nas redes sociais, os 28 textos de Borgón dialogam, desafiam e, algumas vezes, brincam com o sucesso e o fracasso, possibilidades que se desenham na infância, quando um garoto pode chegar a ser qualquer coisa ao crescer: estrela de cinema ou funcionário público, jogador de futebol ou escritor. Não há cinismo, mas sobra sarcasmo, diante da obrigatoriedade compulsória de vencer na vida, seja lá o que isso queira dizer.

FICHA

Livro: O que Sobrou do Mundo

Autor: Marcos Borgon

Editora: Villa Olívia Artes

Páginas: 140

Preço: R$ 48

Marcelo Frazão/Divulgação
Marcus Borgón lança O Que Sobrou do Mundo, com  28 textos: reflexões sobre a corrida pelo sucesso   

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