Não precisa de muita psicologia ou psiquiatria pra entender que cabeça plenamente saudável é pura fantasia. Todos nós temos um dodói aqui ou acolá, “traços de” e tal. Isso no melhor cenário. Mesmo nos casos mais graves, ao longo da história, a definição de “loucura” vai mudando. Por isso que a gente olha pra trás e acha absurdo terem tratado certas pessoas como “loucas” quando, com nossos parâmetros atuais, as julgamos perfeitamente “normais”.
Ou, ao contrário, nos perguntamos “como deram liderança a alguém tão descolado da realidade?”. É que até a definição de funcionalidade varia de acordo com o que se espera de pessoas em cada época e cultura. Ou, então, no fim das contas, depende apenas de cada um “encontrar sua turma” que pode ser um lote de milhões de “ovelhas”, um bom número de “seguidores”, um país inteiro e até vários.
Eu me acabo de rir com aquela série The Crown. Um monte de adultos infantilizados acreditando que são “especiais”, convencendo o mundo todo disso com modos louquíssimos e roupas engraçadas. Em minha opinião, claro. Parece que também na de Harry e Meghan que se picaram e a série deles (recém-lançada na Netflix) talvez seja um importante trabalho sobre saúde mental. Ou sobre a busca pelo direito de viverem a própria fantasia e não a alheia. Aí, para a tal “família real”, são os loucos da casa, mas…
Manicômios sempre abrigaram “reis” e “rainhas” justamente porque tinham a maluquice de acharem que eram reis e rainhas. Psiquiatras contam que é delírio recorrente esse. Sendo que a diferença entre eles e os que em vez de medicados são adorados é só uma: os “malucos” não tiveram um ancestral capaz de convencer um monte de gente de que era “especial” e que, por isso, todos os seus descendentes também o seriam. Questão de oportunidade. E fé cênica, claro.
O Rei Charles teve, por exemplo. Por isso, ele pode dormir com o ursinho de pelúcia, viajar o mundo todo levando os móveis preferidos, mandar passar ferro todo dia nos cadarços dos sapatos e ter alguém pra medir os 2,5 centímetros de pasta na escova de dentes dele. Em paz e dando opinião sobre o funcionamento do planeta, ainda que não decida muita coisa, é verdade. Mas ele é normalíssimo, acham.
Tudo questão de legitimidade, validação e convencimento. Você já observou outras culturas e percebeu que o que aqui é normal, lá pode ser escândalo. Também o contrário. Aí, se a gente lembrar que fronteiras (e divisas e limites) são apenas linhas imaginárias, uma cabeça fraca pode até bugar. A minha se delicia porque curiosidade e humor são duas coisas que, assim espero, nunca irão me faltar.
Eu não sei se você está informado, mas há muitas pessoas, aqui no Brasil, neste momento, dialogando com seres de outros planetas. Algumas mulheres sendo até, por eles, inseminadas. Nesta semana mesmo, assisti a um podcast com um ufólogo. Achei massa. Ué, gente, sei lá. Outras tantas pessoas aguardam o tal “arrebatamento”. Desde o mês passado, também há milhares vestidas de verde e amarelo, de Norte a Sul do país, acampadas na frente de tudo que é quartel.
Você sabe, direitinho, do que se trata? Pois. Aquelas pessoas têm certeza de que acabaram de vencer uma guerra espiritual. Que, agora, vão vencer na Terra. Que o Brasil é o motor de uma revolução mundial liderada por Jair Bolsonaro. Exato. Pelo menos até onde eu entendi é isso. Inclusive ele, o “escolhido”, tá só fingindo que “aceita” ter perdido a eleição. Tudo é parte de um plano, inclusive a saída dele do Palácio da Alvorada. Exatamente. Se você não sabe, procure se informar.
A data da “reviravolta” toda hora muda. Aí você pensa “mas nada acontece nas datas que eles marcam”. Oxe! Já há países invadindo o Brasil, a mídia é que não dá uma linha. Todas a fronteiras estão em guerra, mas isso está sendo “abafado”. Alexandre de Moraes já foi preso e Lula está mortinho, congelado lá no Albert Einstein. Por aí, tirando onda de presidente eleito, anda um sósia e a máscara que ele usa nem é tão boa assim. Outro dia mesmo mostraram a diferença da cor da cara pro pescoço. Outra é que esse daí tem dez dedos nas mãos, rá! Elementar, meu caro.
(Tem também uma versão de que o corpo de Lula está vivo, mas com outro espírito incorporado.)
Os “patriotas” são “malucos”, então? Veja bem. Houve um tempo em que fez sentido pensar que as estrelas eram furinhos na “lona” que envolvia o planeta. Na época, teoria validada. O bandido “João de Deus” viveu como “santo” não sei por quantos anos, validado ali no microcosmo onde muita coisa esquisita era absolutamente normal.
Muitas mães acreditam que sereno adoece criança. Vários filhos creem que correm o risco de matar a mãe, sem querer, se deixarem sapato com a sola virada pra cima, né? Nem tudo chega, ao mesmo tempo, ao “até que”. Ainda tem o negócio do Mito da Caverna que Mandetta citou em 2020. Entendedores entenderam e sempre entenderão.
Os “patriotas” estão aí com a teoria deles. Há os limites da lei, mas, fora isso, fazer o quê? Porque é claro que há manipulações e dinheiros (não só desse lado, digo logo) mas também tem a crença das pessoas e isso não se tira da cabeça de ninguém só por dizer “já chega, pronto, acabou”. No caso deles, nem mostrando notícias porque eles acham que tudo “faz parte da trama”.
Não tenho ideia de quantas 72 horas vão passar até que cada “patriota” perceba que houve uma eleição e que o candidato deles perdeu e que é só isso mesmo porque decidimos, coletivamente, viver em uma democracia e o voto é instrumento pelo qual escolhemos nossos governantes. Que política é acordo coletivo e a fé é crença individual. Que em 2026 tem eleição de novo e cada um vota em quem quiser.
Parece que já estão desmontando tendas em Brasília, mas não sei se vão mesmo se desmobilizar. Lá, entre eles, estão validados e fechados, com o mundo organizado dessa maneira. Para eles, tá tudo normal. É tudo real, ainda que a gente perceba que, vez ou outra, tem alguém ali tirando sarro porque né possível, é muita coisa engraçada demais. Eu acho.
Só que, achar por achar, os “patriotas” devem me achar maluca e quem sou eu pra discordar? Veja que nem fiz estoque de mantimentos para os tempos difíceis que virão com a consolidação terrena dessa tal revolução espiritual. Você também pode estar “louco” por não ter percebido tudo nem identificado que esse que vai tomar posse no dia primeiro é tipo um boneco de Olinda, só que em tamanho real. Com dez dedos nas mãos, se ainda não cortaram um pra ornar.
A verdade é que, seja qual for sua “loucura”, fácil não está. Por hoje, então, só quero ouvir minhas músicas, meus podcasts e aproveitar tudo mais que me faz continuar acreditando que humanos são a experiência mais divertida e curiosa que há. Então, Feliz Natal e saúde aí! Principalmente – o que quer que isso signifique – aquela do tipo mental.
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