Em um último agrado à sua base eleitoral mais fiel, o presidente Jair Bolsonaro (PL) editou, nessa sexta-feira (23), a uma semana do fim de seu mandato, o decreto de indulto natalino de 2023. A medida beneficia 74 policiais militares condenados judicialmente por participarem do Massacre de Carandiru, episódio que resultou na morte de 111 presos em outubro de 1992. O Diário Oficial da União publicou a aposentadoria do ex-diretor-geral da Polícia Rodoviária Federal (PRF) Silvinei Vasques, um dia depois de sua exoneração do cargo. Investigado por usar o cargo para apoiar bloqueios ilegais nas rodovias para influenciar o resultado eleitoral em benefício do próprio Bolsonaro, Silvinei vai receber aposentadoria integral, ou seja, ele segue recebendo o mesmo salário de quando estava na ativa.
Para o advogado dos PMs condenados, Eliezer Pereira Martins, eles se enquadram ‘perfeitamente’ em um dos artigos do decreto de indulto. Ele afirmou que entraria ainda na sexta, no plantão judiciário do Tribunal de Justiça de São Paulo, com um pedido de declaração de extinção de punibilidade dos réus, para que os PMs não possam ser punidos pelas condutas ligadas ao massacre.
No Ministério Público de São Paulo a avaliação também é a de que o indulto de Bolsonaro, nos termos em que foi publicado, beneficia os 74 PMs condenados pelo Tribunal do Júri a penas que vão de 48 a 624 anos de prisão. Nos bastidores da Promotoria, comenta-se que um dos artigos do decreto de Bolsonaro parece ter sido feito para o caso dos policiais condenados pelo Carandiru. O MP, por outro lado, também discute que o texto do indulto pode ser questionado do ponto de vista constitucional. O Supremo Tribunal Federal já discutiu validade de indulto natalino presidencial – o editado pelo ex-presidente Michel Temer em 2017.
O trecho do decreto de Bolsonaro que, segundo a defesa dos PMs, se enquadra perfeitamente às condenações pelo massacre do Carandiru registra: “Será concedido indulto natalino também aos agentes públicos que integram os órgãos de segurança pública e que, no exercício da sua função ou em decorrência dela, tenham sido condenados, ainda que provisoriamente, por fato praticado há mais de trinta anos, contados da data de publicação deste Decreto, e não considerado hediondo no momento de sua prática”.
O Massacre do Carandiru completou 30 anos no dia 2 de outubro deste ano, sendo abarcado pelo decreto. Além disso, o crime de homicídio, pelo qual os policiais militares foram condenados, só entrou no rol de crimes hediondos em 1994 – ou seja, também dentro dos parâmetros do documento assinado por Bolsonaro.
A possibilidade de Bolsonaro indultar os PMs envolvidos no massacre do Carandiru já era um ponto de atenção dentro da Promotoria desde o dia 17 de novembro, quando o ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal, reconheceu o trânsito em julgado de decisões que mantiveram a sentença do Superior Tribunal de Justiça que restabeleceu as condenações dos PMs.
O certificado expedido por Barroso significa que as condenações dos PMs são definitivas, ou seja, eles não podem ser mais absolvidos. Ainda está pendente de discussão do Tribunal de Justiça de São Paulo pedido para reduzir as penas dos réus. O julgamento sobre a dosimetria das penas foi suspenso no final de novembro, após pedido de vista do desembargador Edson Aparecido Brandão, da 4.ª Câmara Criminal da Corte paulista.
Desde a sua primeira eleição, para vereador do Rio de Janeiro, Jair Bolsonaro mira os votos de policiais. E passou a usar seu mandato para defender civis e militares acusados de abuso de poder em ações que resultaram em mortes. Essa prática passou para os mandatos de seus filhos Flávio, Carlos e Eduardo e rendeu votos não só entre a categoria – que se sentiu defendida frente a um cerco de órgãos que atuam na defesa de direitos humanos -, mas também de parte da sociedade que apoia a ideia de que “bandido bom é bandido morto”.
PRF
o ex-diretor-geral da Polícia Rodoviária Federal (PRF) Silvinei Vasques foi particularmente agraciado por decisão governamental publicada na edição de sexta do Diário Oficial da União. Ele havia sido exonerado do cargo de diretor-geral por Bolsonaro na terça-feira (20) e, segundo do Diário Oficial, foi aposentado um dia depois, no dia 21, mas a publicação do ato só foi feita na sexta (23).
Segundo reportagem do g1, o ex-diretor-geral fazia parte dos quadros da instituição desde 1995 e tem menos de 50 anos. Vasques soma 27 anos de trabalho como policial e entrou na PRF antes da Reforma da Previdência, em 2019. Com isso, a concessão de aposentadoria se baseia na regra antiga, que estipula que homens com 30 anos de contribuição e 20 de atividade policial podem se aposentar independente de idade. Na regra atual, ele teria que ter no mínimo 55 anos, com 30 de contribuição e 25 de atividade policial.
A portaria que concedeu a aposentadoria também se baseia em um regime diferente de aposentadoria a policiais, que permite pagamento integral do salário que hoje ele recebe. Além disso, o benefício de Vasques vai ter paridade – garantindo que tenha os mesmos reajustes que os policiais da ativa.
Apesar de ter tido a aposentadoria concedida, o Tribunal de Contas da União (TCU) tem cinco anos para analisar a legalidade de aposentadorias de servidores. Caso haja irregularidade, ele pode ter que devolver o valor recebido aos cofres públicos.
Silvinei se aposenta em meio a investigações e acusações. Ele é réu por improbidade administrativa acusado de pedir votos irregularmente para Bolsonaro antes das eleições.
Além disso, é investigado por causa das barreiras que a PRF montou em rodovias no segundo turno para abordar ônibus com eleitores, descumprindo ordens do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), e pela suspeita de omissão diante dos bloqueios ilegais feitos por bolsonaristas radicais que não aceitaram o resultado da votação.
Justiça
O massacre do Carandiru não foi só tema de medida do atual governo nessa sexta. O episódio motivou a segunda baixa no futuro Ministério da Justiça. Indicado para a Secretaria Nacional de Políticas Penais do Ministério da Justiça e Segurança Pública, o coronel da PM de São Paulo Nivaldo César Restivo desistiu de assumir o cargo depois que integrantes da equipe de governo de transição lembraram do envolvimento dele com o massacre.
Em nota divulgada à imprensa, o coronel da PM paulista falou da impossibilidade de conciliar a dedicação exclusiva ao cargo com ” o acompanhamento de questões familiares de natureza pessoal”. Mas agradeceu o convite ao futuro ministro Flávio Dino (PSB-MA). Integrantes da área de segurança pública avaliam que o indulto concedido nesta sexta (23) por Jair Bolsonaro (PL) a policiais que estavam no massacre do Carandiru aumentou a pressão pela saída do coronel.
Segundo consta, o coronel Nivaldo Restivo teve participação indireta na ação policial que resultou no massacre. À época, ele era tenente no Batalhão de Choque e responsável pelo suprimento do material logístico da tropa que estava em ação.
A saída do coronel é a segunda baixa na equipe anunciada por Dino na mesma semana. O futuro ministro decidiu cancelar, na quarta (21), a indicação do policial rodoviário Edmar Camata para o comando da PRF (Polícia Rodoviária Federal) depois que foram divulgadas imagens e postagens em redes sociais dele apoiando a Operação Lava-Jato.
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