Tributo em Pauta: Como calcular o IPTU de Salvador

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Inicialmente, sejamos sinceros: apesar do título, não pretendemos fornecer um “manual de cálculos” ou ensinar qualquer técnica que possibilite encontrar o valor correto do imposto para cada imóvel porque, como ficará claro, seria inviável. A nossa singela intenção é de fornecer um outro ponto de vista sobre um tributo que possui uma prática mais complexa e sofisticada do que a teoria sugere.

De acordo com a Constituição Federal de 1988 (CF/88), os Municípios tem competência para instituir o Imposto sobre a Propriedade Territorial e Urbana (IPTU). Por sua vez, o Código Tributário Nacional (CTN) indica que sua base de cálculo é o valor venal do imóvel.

O Código Tributário e de Rendas do Município de Salvador, nessa perspectiva, define o “valor venal” como a quantia que o imóvel alcançaria para a venda à vista, efetiva ou potencialmente, considerando as condições do mercado imobiliário.

Existem diversos estudos acadêmicos primorosos que tentam indicar com precisão a noção de “valor venal” como objeto da tributação pelo IPTU e consideraremos neste texto que há um certo consenso quanto à ideia de que corresponde a quanto se pagaria para adquirir a propriedade de determinado imóvel, caso fosse colocado à venda.

Embora esta seja uma noção de fácil compreensão do público, de certo modo, na prática não é o que tem sido observado na maioria dos Municípios, especialmente nas capitais e grandes metrópoles, as quais, há algum tempo, tem se orientado pela “Planta Genérica de Valores”, denominação utilizada pelo CTRMS (equivocadamente, como trataremos em momento oportuno).

Por meio desta técnica, o “valor de mercado”, comumente tomado como correspondente ao valor venal, representa apenas um elemento de composição do cálculo do Valor Unitário Padrão (VUP) do terreno (alínea “c”, do inciso I do art. 67 do CTRMS) e da construção (alínea “c”, do inciso II do art. 67 do CTRMS), os quais, por sua vez, são apenas dois dos fatores da fórmula complexa utilizada para calcular o IPTU.

A indicada pela Secretaria Municipal da Fazenda de Salvador, por exemplo, é a seguinte:

IPTU=((((AT×VUT×FVT×FCTxFDTxAPA)+(AC×VUC×FPD×FDC×FL×FIE×FPD×FDC))×FAV×ALP)-PDP)+(((SE(AT>(AC×10);então:(AT-(AC×10));senão:(0))×VUT×FVT×FCT)×FAV×ALE)-PDE)

Nem a sua versão simplificada acalma o coração do advogado que “fez Direito porque não gostava de cálculos”, como se costuma brincar:

IPTU=((VVP×FAV×ALP)-PDP)+((VVE×FAV×ALE)-PDE) 

Sem nos preocupar em esclarecer o que significa cada sigla (esta informação pode ser encontrada na página da SEFAZ de Salvador), o que nos cabe é chamar a atenção de que, atualmente, a noção de “valor venal” compreende uma série de elementos cujo exame é imprescindível para compreender como o cálculo do IPTU é realizado.

Fatores como materiais e acabamento da fachada principal, características estruturais e equipamentos especiais também possuem relevo na apuração do imposto (§ 5º do art. 67 do CTRMS). Além disso, há critérios de valorização e desvalorização estabelecidos pelo Poder Executivo (art. 68 do CTRMS) que podem se aplicar a cada caso.

E essa metodologia sofisticada ainda pode ser influenciada por mudanças pontuais em cada elemento, muitas vezes realizadas por normas distintas, nem sempre de natureza tributária, inclusive.

A título de exemplo, podemos mencionar que, após a chamada “reforma do IPTU” implementada em 2013, as faixas de valores venais utilizados na apuração da base de cálculo foram atualizadas, juntamente com a parcela a deduzir, por diversas instruções normativas, até 2017.

Entre 2017 e 2022 os valores foram os mesmos, de acordo com a Lei nº 9.279/2017 que, por sua vez, modificou os VUPs do terreno e da construção, vinculando-os também às diretrizes de zoneamento do Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano – PDDU (inciso III do art. 67 do CTRMS). 

Em paralelo, a Lei nº 9.304/2017 substituiu o critério das Zonas Fiscais pelo de Setores Fiscais, reposicionando alguns imóveis, com possibilidade de aumento ou redução do valor venal de acordo com o novo “fator de localização”.

Por outro lado, se o imóvel sofreu alguma alteração de uso ou características, desde 2014, o § 4º do art. 4º da Lei nº 8.473/2013 determina que seja feita uma simulação histórica do seu valor devido no exercício de 2013, para fins de aplicação das “travas de aumento” desde então. 

As denominadas “travas”, são, na verdade, o que Lei nº 15.889/2013 do Município de São Paulo mais apropriadamente chama de “diferença nominal entre o crédito tributário total do IPTU do exercício do lançamento e o do exercício anterior”. Esse limite de aumento vem sendo atrelado ao IPCA por diversas normas, a mais recente é a Lei nº 9.655/2022, que se refere aos exercícios de 2023 e 2024.

A Taxa de Resíduos Sólidos e Domiciliares (TRSD), por sua vez, foi corrigida ano a ano pelos Decretos de atualização monetária de tributos, editados com base no art. 327 do CTRMS, e que também ajustam o limite de isenção (são 10 Decretos, até agora), exceto nos exercícios de 2015, 2016 e 2018, quando a atualização veio pelas Leis nº 8.723/2014 e 9.279/2017.

Recentemente, também a Lei nº 9.601/2021 majorou a TRSD em 50%, porém, pouco tempo depois foi modificada pela Lei nº 9.618/2022, que inseriu um parágrafo único no dispositivo em questão, limitando o aumento à sua variação anual (sem esclarecer o que isso significa e desde quando se aplica).

E não é só, de acordo com as Notas do Anexo III do CTRMS, dentre os fatores de valorização do terreno a definição dos logradouros como de valor baixo, médio ou alto leva em consideração tipos de vias que são especificados pela Lei de Hierarquia do Sistema Viário de Salvador, de modo que alterações nessa norma podem impactar diretamente no IPTU.

Como se pode entender nessa tentativa (não exaustiva) de “panorama geral”, o que deveria ser simples, na prática, é de extrema complexidade até mesmo para o exercício do controle de excessos ou equívocos pelos atores competentes.

Mas, como não há nada tão ruim que não possa piorar na vida de um tributarista e dos contribuintes, tente pesquisar na internet as diferentes metodologias de cálculo do diferencial de alíquotas (DIFAL) do ICMS: sem embutir a alíquota (gross up) no destino; com alíquota embutida no destino e com “base dupla” e alíquota embutida.

Nos vemos no ano que vem. Boas Festas!

*Anderson Pereira é advogado tributarista licenciado, professor de Direito Tributário e conselheiro do Conselho de Fazenda do Estado da Bahia e do Conselho Municipal de Tributos de Salvador

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