Pode soar estranho para um país como o nosso, tão periférico e afastado das principais questões geopolíticas globais. Mas o que vier a acontecer em Brasília e nas principais capitais brasileiras nos dias e semanas pela frente tende a exercer influência bem além de nossas fronteiras.
A primeira reação natural aos episódios de domingo, em Brasília, foi a de comparar a ação das hordas bolsonaristas com a de seguidores de Donald Trump em Washington, há dois anos. Mas provavelmente precisaremos rever nossos conceitos.
O motivo mais imediato é o de que, nos Estados Unidos, os vândalos invadiram o Capitólio para tentar evitar a confirmação, pelo Congresso americano, dos resultados já apurados do Colégio Eleitoral, que davam a vitória ao atual presidente, Joe Biden.
Por aqui bem que tentaram também estabelecer um clima de pânico no dia 12 de dezembro, quando o Tribunal Superior Eleitoral diplomou Luís Inácio Lula da Silva e Geraldo Alckmin como presidente e vice-presidente da República.
Porém, os ônibus queimados e a ameaça frustrada de explosão de um caminhão de combustível junto ao aeroporto, sabe-se agora, eram apenas uma amostra do que estava por vir.
Pois isso que estava por vir chegou já uma semana depois da posse de Lula – e que posse! Os milhares de simpatizantes do presidente celebraram a chegada do novo governo com uma festa talvez nunca vista na Praça dos Três Poderes.
No domingo seguinte, ao contrário do que ocorreu em Washington, o ataque aos edifícios que abrigam esses três Poderes já ocorreu em pleno mandato de Lula. Ou seja, algo como um ataque trumpista – já na administração Joe Biden – ao Capitólio, à Casa Branca e à sede da Suprema Corte dos Estados Unidos.
Dá para imaginar qual seria a reação do governo norte-americano a esse tipo de ação. E não dá para comparar à inação das forças de segurança brasileiras diante das atrocidades cometidas por simpatizantes frustrados de Jair Bolsonaro.
O que ocorreu no Brasil foi muito mais grave do que os acontecimentos de Washington. Porque já havia um governo novo empossado e porque os ataques se estenderam também às sedes do Executivo e do Judiciário.
Os conceitos precisam ser revistos também por causa da repercussão global dos acontecimentos em Brasília. E dos efeitos que poderão ter no cenário político em diversos países.
Esses ataques ocorrem quando forças de extrema direita tentam conquistar novos terrenos em várias outras partes do mundo. Um dos modelos já prontos e (quase) acabados é da chamada democracia iliberal de Viktor Órban, na Hungria – não por acaso muito próximo de Bolsonaro.
O governo húngaro tem promovido um lento e permanente ataque às liberdades e à autonomia do Poder Judiciário. O que se tornou uma permanente dor de cabeça para a União Europeia, que tem a democracia como critério básico para o ingresso de novos membros.
Existem outras tentativas a caminho. O Vox, da extrema direita, tem crescido muito na Espanha. Também se pode notar um avanço de neofascistas em Portugal. Nas últimas eleições do Uruguai havia um candidato declaradamente inspirado em Jair Bolsonaro.
As bandeiras da extrema direita têm encontrado território fértil, em diversos países, junto a camadas da população que se sentem inseguras diante de enormes desafios econômicos em tempos de crise, ou reativas frente a mudanças sociais como o reconhecimento de direitos de homossexuais e as grandes ondas de migrações em direção a países ricos.
Na falta de um chão seguro, muitos desses inconformados buscam refúgio no populista de plantão. E os populistas mais disponíveis estão nas prateleiras da extrema direita. Mas os que buscam esse chão seguro agora estão diante do terremoto político ocorrido em Brasília.
O discurso de Donald Trump inspirou a estratégia de Bolsonaro. E os quatro anos de pregação golpista de Bolsonaro exerceram influência sobre diversos outros candidatos a líderes populistas de extrema direita pela região e pelo mundo.
Se o sucesso popular de Bolsonaro tirou do armário potenciais extremistas, que influência terão os acontecimentos de Brasília sobre novos e não tão novos líderes da direita radical?
Tudo vai depender do que vier a acontecer na capital brasileira ao longo das próximas semanas. Logo depois do quebra-quebra chegaram a Brasília mensagens de solidariedade de líderes como Emmanuel Macron e Joe Biden.
As mensagens foram importantes, até para sinalizar aos bolsonaristas que não teriam vida fácil caso houvesse êxito em sua tentativa de golpe de Estado. Mas realmente decisiva será a reação das autoridades brasileiras – dos três Poderes – aos responsáveis pela vergonhosa tarde de domingo.
A punição legal faz parte dessa resposta. Uma punição não apenas aos vândalos que chegaram às largas avenidas da capital brasileira, muitas vezes a bordo de ônibus pagos e com refeições gratuitas. Mas também aos financiadores e aos planejadores dessa invasão.
Igualmente importante será a resposta política conjunta dos três Poderes. Ela começou pelo decreto presidencial que promoveu a intervenção da área de segurança pública da capital. Prosseguiu com a decisão do ministro Alexandre de Moraes de afastar temporariamente do cargo o governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha.
Mas a reação precisa ir além, para que fique clara a defesa inequívoca da democracia no Brasil. A resposta das autoridades brasileiras aos ataques às sedes dos três Poderes deverá mostrar ao mundo – e principalmente aos candidatos a golpistas – que a democracia sabe e pode se defender de ameaças.

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