A política não sobrevive apenas de expectativas, mas elas são essenciais à preservação das necessidades e ambições de qualquer sociedade, que as deposita no candidato ou partido – ou ambos – que lhes pareçam mais capazes e comprometidos com sua viabilização.
É preciso realiza-las, pois, parcial ou integralmente, sob a pena do vazio sempre conspirador. No Brasil, a última expectativa gerada – e realizada de forma socialmente abrangente – foi o Plano Real. E já lá se vão três décadas, com uma reação popular ao fim de seus efeitos, em 2013, duas décadas depois.
A catarse que roubou as ruas ao PT desde então, foi uma rara manifestação apartidária de cobrança por serviços minimamente proporcionais devidos pelo Estado ao contribuinte, que paga uma das mais altas cargas de impostos do planeta.
O PT foi o governo da vez, mas foi o padrão Fifa de qualidade, imposta pela Copa do Mundo de 2014, que desnudou a crônica falta de vontade política de fazer melhor para o cidadão comum. A resposta do governo, à época, foi a mais vaga possível: convocar uma Assembleia Constituinte e combater a corrupção.
Não fez nem uma coisa e nem outra – assim como os que lhe sucederam. E, no primeiro caso, dê-se graças a Deus, porque revogaria a Carta de 88 por mera e falsa satisfação eleitoral.
Da mesma forma, o Legislativo evidencia não saber o que fazer com o poder que conquistou com o enxugamento do quadro partidário e a apropriação do orçamento, que conferem aos presidentes da Câmara e Senado liderança incomum no seu histórico.
Nem o governo e nem o Congresso Nacional criam expectativas de melhoras para a sociedade, mantendo após as eleições o sentimento de inércia – que, vale lembrar, é uma força de resistência a mudanças. Lula vence nesse campo pelo discurso saudável, mas precisa ir adiante.
Tanto mais por causa da trajetória pós-eleição que consumiu dois meses de seu capital político pela estratégia da inércia adotada pelo seu adversário derrotado, Jair Bolsonaro, que simplesmente se mandou do país, como um inquilino que abandona a casa deixando as contas para trás.
Caso pensado, que obrigou o presidente, já eleito, mas não empossado, a consumir seu capital com uma antecipação de crédito, obtida por um pragmatismo político que alimentou expectativas positivas em relação ao seu governo.
Embora ainda seja cedo para conclusões mais contundentes, não é boa a dedução de que ou a comunicação do governo começa mal ou não há mesmo alguma coisa palpável para comunicar.
Como 68, no dizer do jornalista Zuenir Ventura, 2013 também foi um ano que não terminou. Ambos caminham no tempo como dois afluentes que correm paralelos para o mesmo ponto.
Politicamente, porém, há um dado elementar: a memória de 68 é hoje de poucos, enquanto a de 2013 abarca duas gerações posteriores e tem natureza atemporal – a condição de vida da população.
Se houver resultados, o discurso ideológico e as realizações de governo não são necessariamente excludentes. Mas o timing precisa estar certo. Ou a atenção nas prioridades – hoje, de ordem prática e não teórica.
É preciso transmitir ao distinto público que algo está sendo feito, para além da discussão sobre doutrina econômica. Três décadas após o Plano Real, o país continua no debate sobre inflação e juros, protagonizado pelos mesmos atores do passado.
Lula até procura identificar-se como um governante comprometido com as necessidades da população, em discurso recorrente de um cuidador do povo, mas sem ações que respaldem esse discurso, estará sempre vulnerável à acusação de populismo.
Discursos têm prazo de validade se a eles não corresponderem resultados, ainda que dentro do conceito reducionista de que o bom é inimigo do ótimo. Foi a certeza de que Dilma Rousseff não teria o que entregar em 2013, que levou Eduardo Campos a consolidar a decisão de concorrer à sua sucessão, já em 2012.
Viu um ano antes que a presidente da República estava presa à obsessão de implantar a chamada nova matriz econômica que acabou desordenando a economia e aprisionando-a em seu próprio castelo de areia.
No terceiro ano de seu mandato, o chamado “ano das entregas”, não tinha o que apresentar. Campos morreu durante a campanha e ela se reelegeu em um país ainda refém do debate ideológico, realidade que parece esgotada pelo estresse da repetição – uma espécie de tendinite política.
O país vive ainda a ressaca dos anos de Bolsonaro, de implacável rotina beligerante. É como um lago que interrompe a correnteza, uma pausa para o refazer das tensões e do esgotamento. Mas é água parada, aquela que dissimula calmaria e esconde tempestades.
No Brasil, o mar continua revolto.
João Bosco Rabello é jornalista há 45 anos e participa da cobertura política em Brasília desde 1977. Participou de coberturas históricas e integrou a equipe pioneira no Brasil do noticiário em tempo real da Agência Estado/Broadcast. Texto original da colunadobosco.com
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