O Museu de Arte de São Paulo (Masp) inaugura sua nova exposição nesta sexta-feira (28): Gauguin, o Outro e Eu. Ela aborda um autorretrato em que o artista se associa com a figura religiosa de Jesus Cristo.
A nova mostra apresenta 40 obras em pinturas, xilogravuras, litografias e monotipias realizadas por Paul Gauguin (1848-1903). E, diferentemente de outras exposições sobre artistas europeus em que as obras eram pré-selecionadas pelo museu de origem, agora o Masp conseguiu ser responsável pela curadoria e pode acrescentar discussões sobre a obra do artista sob uma perspectiva brasileira. A exposição fica em cartaz até 6 de agosto, com curadoria de Adriano Pedrosa, Fernando Oliva e Laura Cosendey.
“É importante lembrar que essa exposição foi criada por um museu brasileiro, por curadores e pesquisadores brasileiros. Isso não é muito comum no sistema de arte brasileiro porque, em geral, as exposições que vêm a São Paulo, ao Rio de Janeiro e outras capitais, são de pacotes que viajam pela América Latina e também passam por algumas cidades brasileiras”, explicou Fernando Oliva, um dos curadores da exposição.
“A particularidade dessa mostra é que ela foi feita pelo Masp para o público brasileiro. A questão da alteridade, do outro, também foi pensada para o sistema de arte e cultura, e como o brasileiro tem que lidar com esse problema. Então, não é apenas uma exposição do Guaguin acontecendo no Brasil, mas é uma exposição que levanta temas contemporâneos e atuais”, acrescentou ele, em entrevista à Agência Brasil e TV Brasil.
Eixo
A mostra está inserida no eixo Histórias Indígenas, tema que o museu discute este ano. Autorretrato (Perto do Gólgota), obra de Gauguin que abre a mostra, é uma joia da coleção do Masp e peça-chave dessa exposição.
Nela, o artista aparece de cabelos longos, vestindo uma túnica e próximo a uma inscrição em que se lê: “Perto do Gólgota, local onde Jesus Cristo foi crucificado”. “Ele produziu diversos autorretratos durante a vida dele. E esse foi um dos últimos. É de 1896, ano em que ele retornou para o Taiti”, explicou Laura Cosendey, curadora assistente do museu.
“Esse autorretrato traz uma questão que Gauguin já tinha trabalhado em outros autorretratos. É a identificação com a figura de Cristo. No caso, ele traz isso não só no modo como ele se representa, com os cabelos longos e vestindo uma túnica bem simples. Mas também na própria inscrição na pintura, no canto esquerdo, que fala Perto do Gólgota. Então, ele está aludindo à figura de Cristo no momento mais dramático da Paixão, fazendo alusão ao Gólgota, o lugar onde Cristo foi crucificado. Isso traz uma carga dramática para essa pintura que faz com que ela seja bastante única”, disse Laura.
Essa obra gera debates sobre a apropriação de imagens, que tem ampliado a forma de se encarar a vida e a obra do artista. “Para além de uma questão muito técnica e de pinceladas e de uso da cor, há uma questão que é muito contemporânea, mesmo para o tempo dele, que é o modo como Gauguin se apropriou de imagens, de referências e de uma iconografia muito mais diversa do que a cultura artística parisiense do seu tempo. Em diversas obras da exposição, vemos referências e detalhes que ele retirou de relevos de templos da Indonésia ou do Partenon [templo na Grécia]. Ele misturava essas referências e criava, usava e bebia de todas essas fontes para produzir suas próprias obras”, explicou Laura.
Na segunda obra pertencente ao Masp e que também é apresentada na exposição, Pobre pescador (1896) demonstra mais claramente como ele se apropriou de outras culturas. A figura central, por exemplo, é a representação do faraó Seti I, que se encontra em um dos relevos do Templo de Abidos, no Egito. Já a apropriação da cultura japonesa pode ser notada pelo movimento das ondas no mar.
Arte
“O Pobre Pescador é uma obra bem emblemática da produção do Gauguin no Taiti. Ele fez essa pintura em 1896, no mesmo ano em que voltou para o Taiti para lá permanecer para o resto da vida. Ela traz diversas características que permeiam vários outros trabalhos do artista no sentido em que ele recorreu a referências muito diversas para além do que ele encontrou no universo taitiano. Nessa pintura, por exemplo, temos referências da arte japonesa, do modo como ele cria para fazer a construção da paisagem, os detalhes na água e nas ondas do mar e também esse horizonte alto. E, na própria pintura do pescador, ele tomou como referência um relevo de um templo egípcio, do Templo de Abidos. Então, vemos aqui essa estratégia do Gauguin, que é bastante recorrente, de misturar essas referências, que são de diversos mundos e culturas visuais, para além da cultura e da arte europeia de onde ele veio originalmente”, observou Laura.
Além das discussões sobre referência e apropriação cultural, o museu pretende apresentar a obra de Gauguin problematizando a maneira como ele, um europeu, encarava o ‘outro’ e vivia no mundo do outro. Ele, filho de um parisiense com uma peruana, viveu entre Paris, o Peru e o Taiti (Polinésia Francesa), onde produziu suas obras mais conhecidas e, atualmente, mais discutidas. “Ele considerava isso [suas origens] como uma característica que o fazia diferente de um artista parisiense inserido no circuito”, acrescentou Laura. “De alguma forma, ele alegava essa origem, essa identidade que ele nomeava como selvagem”, afirmou ela.
Em algumas dessas pinturas realizadas no Taiti, apresentadas ao final da exposição, ele mostra suas amantes de 13 ou 14 anos, de forma bastante sexualizada. “A representação do outro no Gauguin obviamente era a representação que o homem do seu tempo faria. Do homem branco, europeu, heterossexual, da burguesia parisiense, que vivia em Paris. Então, o outro para ele vai ser o exótico, o primitivo e, por vezes, o ingênuo. Ele reforça esse tipo de representação que é exótica, folclorizante, e que, de certa forma, reduz, sendo por vezes preconceituoso e racista”, acentuou Fernando Oliva.
Com essa exposição, o Masp amplia a visão sobre um dos artistas mais conhecidos na história da arte. “A história da arte moderna – e também as histórias das exposições e da curadoria – vêm sofrendo uma grande revolução, de maneira mais acentuada a partir dos anos 80. Essa revolução começou na academia, na universidade, e é natural que agora, museus do Brasil e do mundo estejam tentando reapresentar esses artistas sem deixar de lado essa crítica e essas questões mais polêmicas associadas à vida desses artistas e suas obras. No caso do Gauguin, vamos apresentar a obra, mas também vamos chamar a atenção para os pontos críticos e polêmicos da construção dessa obra, especialmente de uma representação idealizada, objetificada, mas também erotizada e sexualizada dos povos do Taiti, especialmente das mulheres”, disse Fernando Oliva.
Mais informações sobre a mostra podem ser encontradas no site do Masp
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