Interditado em fevereiro deste ano após funcionar por mais de um ano sem alvará da prefeitura, o Instituto Arara Azul, voltado para o tratamento de casos de obesidade, recebeu um alvará da gestão de Camaçari no último dia 12 de abril. Porém, a identificação de serviços prestados pela empresa não prevê internações – que acontecem no espaço, localizado no condomínio Busca Vida.
O imbróglio envolvendo o Instituto Arara Azul veio à tona no início deste ano, após um processo judicial movido pelo próprio condomínio tentar impedir o funcionamento da unidade. Em contato com a reportagem, Marcelo Dourado, síndico administrador do condomínio Busca Vida, revelou detalhes da ação judicial.
“É uma área grande onde existia uma casa. Essa pessoa alugou a casa, fez reforma e abriu essa clínica clandestinamente. Só depois que começamos a ouvir denúncias dizendo que ali era uma clínica foi que o condomínio pediu uma vistoria e se constatou a veracidade da denúncia”, afirmou o responsável, esclarecendo que ali – com algumas exceções -, atividades que destoem de finalidades residenciais não são permitidas. “Eu diria que [a clínica] é desautorizada, não tem aprovação do condomínio, não é regularmente estabelecida e infringe todas as normas legais do condomínio”, alardeou Dourado.
No último dia 12, nas redes sociais, o próprio instituto divulgou a obtenção do auto de Vistoria do Corpo de Bombeiros, e também o alvará de funcionamento definitivo e o sanitário. Nele, constam três CNAEs – Classificação Nacional de Atividades Econômicas:
*CNAE 8650-0/99 (Principal) – Atividades de profissionais da área de saúde não especificadas anteriormente: voltado para atividades como optometristas e instrumentadores cirúrgicos, por exemplo;
*CNAE 8690-9/01 – Atividades de práticas integrativas e complementares em saúde humana: permite terapias alternativas, como cromoterapia, do-in, shiatsu e similares;
*CNAE 8690-9/99 – Outras atividades de atenção à saúde humana não especificadas anteriormente: Inclui atividades de parteiras e curandeiros ou serviços de doulas, por exemplo.
Porém, por receber pacientes que ficam internados no espaço, a clínica precisaria do CNAE 8610-1/01, que é para “Atividades de atendimento hospitalar, exceto pronto socorro e unidades para atendimento a urgências”. De acordo com o IBGE, esta subclasse compreende, entre outros, serviços de internação de curta ou longa duração prestados a pacientes realizados em hospitais gerais e especializados, hospitais universitários, maternidades, hospitais psiquiátricos, centros de medicina preventiva e outras instituições de saúde com internação, incluindo-se os hospitais militares e os hospitais de centros penitenciários.
Mesmo assim, o Instituto Arara Azul atende uma gama de pacientes de planos de saúde – que seguem com o equipamento de saúde credenciado. Um dos casos é o de uma idosa de 74 anos, que em março do ano passado, após ter ingressado na Justiça para ser atendida pelo plano Apub Saúde – ligada ao sindicato de servidores das instituições federais de ensino da Bahia – na realização de um tratamento que lhe foi prescrito, foi direcionada para a clínica. Outros casos na Justiça também incluem a Unimed.
O QUE DIZ A LEI
Em entrevista ao BN, o advogado Silas Lopes, especialista em direito tributário, explicou que empresas precisam seguir todas as orientações e manter a regularização para não serem penalizadas.
“Hoje há um reposicionamento de mercado e alguns serviços que eram prestados sob um nome começaram a ser prestados sob um outro nome. Por exemplo: salões de beleza. Há algum tempo você ia cortar o cabelo, hoje você marca uma consulta com uma terapeuta que analisa seu cabelo e propõe um tratamento capilar. Isso faz com que serviços de estética sejam tratados como de saúde. É uma estratégia de marketing interessante, mas que tem limites. E o limite é o interesse público”, alertou.
Sem citar o caso específico do Instituto Arara Azul, o especialista explicou ainda que, nos casos de entidades de saúde, as exigências são ainda maiores. “Algumas leis impõem determinados requisitos. Por exemplo: no caso de uma entidade que preste serviços hospitalares ou internamento, ela precisa estar cadastrada no Cnes [Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde]; precisa informar quantos leitos tem disponíveis; de um alvará de funcionamento que identifique um CNAE específico de serviços hospitalares – há um CNAE específico que não se confunde com outras atividade de saúde -; e um alvará sanitário, que inspecione se ela tem condições de receber esses hóspedes especiais”, enumerou.
Uma irregularidade pode gerar uma multa, caso ela funcione sem esses alvarás, de até R$ 1,5 milhão, segundo a lei 6437. “A lei diz que, se uma entidade funcionar sem um alvará específico, e sem a fiscalização sanitária que lhe é exigível, ela pode pagar uma multa que pode inclusive chegar ao dobro do teto, caso ela reincida”, explicou o advogado, apontando que a fiscalização dessas atividades pode ser feita por municípios, estados e até o governo federal, a depender do caso.
No caso da fiscalização do CNAE, o especialista disse que a avaliação do funcionamento cabe à prefeitura. “É preciso saber se a empresa se cadastrou para desempenhar a atividade econômica que de fato ela está desempenhando. Porque cada atividade econômica envolve uma série de requisitos e observações que, se não forem cumpridos, mantêm a empresa em irregularidade. E aí a empresa precisa ser fechada”, explica.
RESPOSTA DA PREFEITURA
Em nota enviada ao site, a Prefeitura de Camaçari, por meio da Secretaria do Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente (Sedur), informou que, “sobre as atividades constantes nos pedidos de viabilidade aprovados para as duas unidades, as respectivas Classificações Nacionais de Atividades Econômicas (CNAEs) foram avaliadas sobre a ótica da permissividade perante o zoneamento da área”.
“Por serem atividades de interesse à saúde, a sua correlação, o seu detalhamento, enquadramento e compatibilidade de funcionalidade, conforme o CNPJ, a Coordenação de Vigilância Sanitária do município esclarece que após inspeção sanitária, foram evidenciadas as atividades executadas no local, práticas essas compatíveis com o CNAE autorizado, sendo realizadas em conformidade com as legislações sanitárias vigentes”.
O Bahia Notícias questionou, contudo, por que a prefeitura não exigiu o CNAE específico para unidades com internações e se o empreendimento recebeu alguma multa por funcionar por mais de um ano sem alvará. Porém, até a publicação desta matéria, não houve retorno da gestão municipal.
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