Tributo em Pauta: O direito à moradia dos médicos residentes e a não incidência do IRPF

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O artigo de hoje vai ser uma espécie de dois em um. De um lado, vamos tratar da não incidência do IRPF sobre uma situação específica, de interesse dos médicos residentes em instituições de saúde no Brasil. De outro, é provável que ao fazê-lo também acabemos expondo uma possibilidade jurídica imediata que boa parte destes residentes pode adotar, mas ainda desconhece.

 

A “residência” é uma modalidade de ensino de pós-graduação na área da Medicina e que habilita os seus inscritos – os médicos residentes – à atuação como especialistas em uma ou mais subáreas (ex.: clínica médica, anestesiologia, oncologia, cardiologia etc.). Este ensino se dá dentro de instituições de saúde credenciadas, mormente, hospitais, sob orientação de outros médicos com maior experiência e formação.

 

Ocorre que, enquanto está sob treinamento nestes programas, o médico residente fica até 60 horas por semana à disposição para a execução de serviços em benefício da instituição de saúde, normalmente, inviabilizando o exercício paralelo, remunerado e saudável da profissão. Por estas razões é que a lei atribui alguns direitos ao médico residente, devidos pela instituição de saúde, tal qual uma bolsa mensal e alimentação e moradia in natura.

 

Contudo, a realidade é que pouquíssimas instituições de saúde mantêm quaisquer alojamentos e o médico residente termina se vendo forçado a custear sua própria moradia, mesmo quando tenha migrado de outras cidades do País só para participar daquele programa de especialização.

 

Este descompasso entre a previsão legal do direito à moradia e a realidade concreta tem levado um número considerável de médicos residentes a mover ações judiciais pretendendo, com sucesso, uma reversão deste direito em pecúnia. Isto é, como não há meios para que as instituições concedam a moradia, então, os médicos residentes têm exigido um pagamento equivalente em dinheiro, mensal e por todo o tempo em que dure – ou que tenha durado – o curso.

 

Este direito vem sendo reconhecido por Tribunais de todo o País. Não raro, a condenação tem alçado valores relevantes, especialmente, se proporcionada com o valor da bolsa paga aos residentes e se considerada a duração média dos programas de residência em geral.

 

Ao receber este montante, o médico residente deve oferecê-lo à tributação pelo IRPF? Parece-me que não.

 

O fundamento da tributação sobre a renda é a existência de acréscimo patrimonial do contribuinte. A composição de “renda” para fins tributários depende de que certa forma de riqueza nova entre  no patrimônio de alguém e se instale em definitivo, implicando aumento de volume em relação ao seu estado anterior. Por isto é que as recomposições de prejuízos e as meras permutações patrimoniais (trocas/substituições de ativos) não se sujeitam ao Imposto sobre a Renda.

 

O que nem sempre é tão claro para o contribuinte é que o seu patrimônio não é formado exclusivamente de bens – ex.: dinheiro, imóveis, automóveis -, mas também de direitos. Os direitos também têm uma expressão econômica e exibem uma forma de ativo no sistema social, ainda que não se concretizem em algo palpável. Daí o motivo de a supressão injusta de um direito dar lugar à reparação, seja pela recomposição deste direito ao seu titular, seja pela sua substituição por uma indenização.

 

O direito à moradia dos médicos residentes não é diferente. A reversão deste direito em pecúnia é uma forma de indenização que os Tribunais têm reconhecido pela supressão do direito à moradia in natura, que não tem como ser prestado pelas instituições de saúde responsáveis pelo programa de residência. 

 

A moradia in natura é um benefício que só se tem como prover no tempo presente, isto é, não tem como ser projetado para o passado. O fato é que o Poder Judiciário não consegue forçar as instituições de saúde a voltarem ao início do programa de residência para realizarem o direito pela concessão da moradia. 

 

Sendo assim, enquanto esperamos a viagem no tempo se tornar uma realidade, a reversão de violações a direitos desta espécie só pode se ver substituída por indenização em dinheiro cujo pagamento não implica qualquer acréscimo patrimonial aos médicos residentes. A recomposição promovida por meio das ações movidas no Poder Judiciário que determinam o pagamento em dinheiro não se insere no escopo de tributação pelo Imposto sobre a Renda.

 

*Leandro Aragão Werneck é advogado, sócio do Aragão Werneck Advogados Associados, professor de Direito Tributário, doutorando e mestre em Direito pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), especialista em Direito Tributário (IBET) e ex-Conselheiro do Conselho Municipal de Tributos de Salvador (2021-2022).

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