Com 38 boxes fechados, Mercado do Rio Vermelho perde clientes na capital

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Mercado do Rio Vermelho teve muitos boxes fechados durante a pandemia; situação está longe de melhorar

Há nove anos, a reforma da antiga Ceasinha representava a promessa de que o novo mini shopping atrairia baianos e turistas para dentro de boxes modernizados, onde seriam vendidos produtos de qualidade. O que se vê hoje no Mercado do Rio Vermelho (MRV), no entanto, é uma movimentação escassa nos corredores, motivo para que muitos permissionários desistam dos seus negócios. Atualmente, 38 dos 171 boxes estão fechados, de acordo com a Secretaria de Desenvolvimento Econômico (SDE). O número representa 22% de todo o espaço.

Os diferenciais do Mercado do Rio Vermelho – segurança, estacionamento e variedade de produtos – parecem não ser suficientes para atrair clientes no dia a dia. Permissionários ouvidos cobram medidas para que mais pessoas voltem a frequentar o local. O MRV é mantido pela SDE e pela empresa privada Enashopp, que tem licitação para gestão e operação do local.

O espaço reúne comerciantes dos mais diversos produtos, sobretudo alimentícios, em boxes individualizados. Segundo os permissionários, a crise que atinge o mercado foi intensificada em 2021, por conta da pandemia, e não poupou praticamente nenhum segmento. Entre os pontos recém fechados estão dois pet shops, loja de polpa de frutas, cosméticos, produtos naturais e restaurantes. 

Na praça de alimentação, uma comerciante que preferiu não se identificar por medo de represálias, passa boa parte do dia encarando mesas e cadeiras vazias. Há 17 anos, ela mantém uma lanchonete que teve início ainda na época da Ceasinha. Na sua percepção, o movimento piorou de vez depois da crise sanitária, mas a redução do público já era expressiva desde a reforma, em 2014. 

“Isso aqui ficava muito cheio, as mesas não davam para atender todo mundo. Ficavam pessoas em pé, esperando para serem atendidas. Hoje a gente dá graças a Deus quando senta um cliente”, lamenta.

Devido a falta de público no espaço, ela acredita que as taxas de aluguel e condomínio são elevadas. De acordo com a SDE, a taxa de aluguel tem custo de R$ 85 por metro quadrado – valor R$ 5 mais caro do que em 2021. 

A comerciante chegou a ter cinco funcionários contratados, mas hoje só trabalha com dois, em regime de meio período, e ainda tem dificuldades para fechar as contas que chegam a R$ 3 mil por mês. 

Quem também atende aos poucos clientes que transitam pelo mercado diariamente é Rosa Morais, de 71 anos. Ela, o irmão e a cunhada administram um hortifruti. “Aqui nunca mais foi o mesmo depois da reforma, o movimento caiu muito. Quem faz entrega ainda consegue resistir melhor, mas a gente que não faz, sofre”, relata. 

Para transformar um dos boxes em loja, é preciso preencher uma série de requisitos presentes em uma licitação aberta pelo Governo do Estado. O último chamamento público, realizado no ano passado, tinha 39 boxes disponíveis e 11 foram ocupados. 

Gourmetização 

A variedade dentro do Mercado do Rio Vermelho não fica restrita apenas ao que é comercializado. Existe um movimento de empresários que vendem produtos de alto padrão e atendem uma clientela selecionada.

É o caso de Marcos Lerner, dono da Confraria das Ostras Gourmet Store. Há seis anos, ele ocupava um boxe nos fundos do mercado, mas conseguiu a mudança para a entrada, onde possui uma posição de destaque. Apesar de fugir da proposta inicial da antiga Ceasinha, que era uma feira livre, o negócio tem dado certo. Além de vender ingredientes, o empresário cozinha. 

Marcos acredita que a inserção do Mercado do Rio Vermelho na rota de turismo da cidade e a reestruturação física podem restabelecer o movimento.

“Salvador é uma cidade turística e, neste ano, o turismo estourou no verão. Temos que aproveitar essa onda para preparar o Mercado para ter estacionamento para ônibus de turismo”, pontua. 

A gourmetização, no entanto, não agrada a todos. Para alguns clientes, a venda de produtos selecionados foge da proposta inicial da Ceasinha, que era uma feira livre na década de 70, e contribui para o encarecimento do que é vendido em um cenário de crise econômica. Até os valores do estacionamento são criticados. Quem passa uma hora no local desembolsa R$ 4 e a cada uma hora, é somado mais R$ 4. 

Pandemia

Quem frequenta os boxes do Mercado do Rio Vermelho há anos percebe as mudanças. O aposentado Humberto Costa, 66, sempre gostou de fazer compras no local e, quando falou com a reportagem, estava em busca de itens de artesanato. Para ele, a situação do mercado é representativa da crise do comércio. 

“A crise não é só aqui, lojas estão fechando em todos os lugares e os comerciantes estão tentando se reerguer. O governo deveria fazer de tudo para facilitar a vida dos comerciantes, reduzir os tributos, porque com as portas fechadas todo mundo perde”, analisa. 

Durante os momentos mais duros da pandemia, permissionários conseguiram negociar a isenção, por quatro meses, da taxa de aluguel paga ao Governo do Estado. Mesmo assim, muitos lojistas não conseguiram segurar as pontas e o Mercado do Rio Vermelho chegou a ter 41 boxes fechados. Uma solução encontrada durante as restrições sanitárias foi o delivery – que ajuda a manter de pé as maiores lojas de hortifruti e as peixarias do local. 

A SDE foi questionada sobre o número de permissionários inadimplentes, mas não respondeu. De acordo com a pasta, condições de pagamentos facilitadas estão sendo colocadas em prática, como a ampliação de 30 para 60 meses a possibilidade de parcelamento dos débitos.

Soluções

Enquanto o movimento fraco desagrada os comerciantes, a Associação dos Permissionários do Mercado do Rio Vermelho (APMRV) busca soluções junto à SDE para atrair mais clientes. Dionísio Rios, vice-presidente da associação, afirma que uma nova licitação para a ocupação dos boxes será aberta em breve. O grupo também organiza uma festa de São João para aproximar a clientela. 

“Estamos buscando ações, junto ao Governo do Estado, para reerguer o Mercado. A situação se agravou depois da pandemia, mas não é que esteja muito parado. Estamos vendendo, mas não está sendo o suficiente”, analisa.

Segundo Dionísio, que é conhecido como Alemão pelos permissionários, os clientes diminuíram a frequência das visitas três anos após a reforma de 2014. 

A Secretaria de Desenvolvimento Econômico da Bahia informou que está planejando um novo plano de negócios para o Mercado do Rio Vermelho. Segundo a pasta, tratativas com outros órgãos governamentais e parceiros estão sendo feitas para viabilizar a ocupação provisória de alguns boxes. 

Ainda existem estratégias para atrair o público com a promoção de eventos, como a realização do Projeto Gôndolas do Sebrae, que ocorrerá entre os dias 22 e 27 deste mês. A inclusão da visitação do MRV nos roteiros do trade turístico de Salvador também será feita a partir de junho, de acordo com a pasta. A Enashopp foi procurada e disse compactuar com as informações dadas pela SDE. 

Funcionários de estabelecimentos também cobraram a volta de shows, que eram comuns antes da pandemia, na praça de alimentação do MRV. Segundo eles, a música ao vivo era chamariz para consumidores que, além de circularem pelo mercado, ocupavam mesas e cadeiras para assistir as apresentações. 

Histórico

Os Centros Estaduais de Abastecimentos, também chamados de Ceasas ou Ceasinhas, foram um projeto governamental criado nos anos 70 para aperfeiçoar e baratear a distribuição de hortifrutigranjeiros. Em Salvador, o Rio Vermelho é o primeiro endereço a receber a Ceasa, ainda no início daquela década. Em 2004, o local passou por uma grande reforma, com reparação dos sistemas elétrico, hidráulico e de todas as áreas de circulação.

Já em 2012, a antiga Ceasinha foi demolida para dar lugar ao Mercado do Rio Vermelho, inaugurado em maio de 2014. O investimento para a obra foi de R$ 3,5 milhões feito pelo Governo do Estado, a Caixa Econômica Federal e o Grupo Petrópolis, fabricante da cerveja Itaipava – que entrou com pedido de recuperação judicial em março. 

O estabelecimento foi dividido em setores. No setor 1, ficam as lojas de artesanato, pet shop, floricultura, moda; no 2, peixaria e açougue e espaço gourmet; no setor 3, há uma praça de alimentação, com cafés, lanchonetes e restaurantes. Em 2013, a Empresa Baiana de Alimentos (Ebal) concedeu a administração do espaço para a Enashopp, empresa paulista com experiência na gestão de shoppings, como o Barra e o Itaigara, em Salvador. 

Com a mudança, os boxes aumentaram de 8,5 metros quadrados para 22 metros quadrados, com pé direito mais alto. O propósito foi melhorar a ventilação, a iluminação e também facilitar a circulação de pessoas nos corredores. Assim, ficou proibida a instalação de caixotes ou qualquer outro tipo de objeto que dificulte a circulação nos locais de passagem.

*Com orientação de Perla Ribeiro.

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