Quantos personagens negros você lembra de ver nas histórias em quadrinhos? No clássico brasileiro Turma da Mônica, temos Jeremias. Mais recentemente, vimos Miles Morales vivendo o Homem Aranha. Sem eles, quantos você se recorda? E é esse tipo de história que roteiristas como o baiano Marcelo Lima quer subverter.
Nesta sexta-feira (19) ele lança sua sexta HQ, Os Afrofuturistas – O Ataque dos Kips, uma história que se passa em Salvador e combina referências da mitologia africana e da cultura afro-brasileira com o universo dos super-heróis. O quadrinho traz uma linguagem jovem, permeada por gírias e citações da cultura baiana e é realizada em parceria com o ilustrador Renato Barreto, coautor da obra. O projeto foi apoiado pelo programa Rumos Itaú Cultural.
Natural de Feira de Santana, Marcelo se define como um nerd, que fazia nerdices e saia pouco na adolescência. Sua diversão era ler e ele sempre foi fanático por HQs, que despertaram seu sonho – ou fixação, como ele diz- de se tornar roteirista ou designer de jogos.
“Decidi ser roteirista quando estava na Ufba, cursando jornalismo, e comecei a entender que havia roteiristas no Brasil. Nas telenovelas – eu realmente não sabia direito sobre a profissão -, nas HQs da Turma da Mônica, em trabalhos independentes. A partir daí eu fiz tudo que era possível pra viabilizar minha vida como roteirista”, conta.
Marcelo Lima lança sua sexta HQ (Foto: Rafael martins/Divulgação) |
A HQ surgiu após experiências como roteirista de produtos infantis, somadas ao desejo de produzir algo com o conceito de afrofuturismo para um público familiar. A publicação em formato de livro, com 84 páginas, mostra a jornada dos irmãos Tereza, Dandara e Cosme, em conflito com o pai, que deseja ensinar os saberes ancestrais da família, enquanto as crianças desejam passar as férias conectadas com a tecnologia e os videogames.
A história se desenrola quando os irmãos precisam salvar o pai de misteriosas criaturas, utilizando esses conhecimentos ancestrais e da experiência conquistada na leitura de gibis e campeonatos de videogame. O livro traz um glossário com personagens históricos, como Zumbi dos Palmares e Maria Felipa, e termos da mitologia afro-brasileira presentes na história.
O estilo de cores e dos desenhos relembra a simplicidade da Turma da Mônica, apesar de ter um formato estético distinto, que destaca características pretas dos desenhos, como os cabelos, boca e nariz. Renato Barreto assina as ilustrações e já tinha feito outros projetos com Marcelo depois de um período como animador profissional em Angola.
“Os personagens da história são inspirados em minhas próprias nerdices e também em produtos da cultura pop, mas numa pegada de transformar e afrocentrar. Muito da HQ, por exemplo, mistura referências afrobaianas com Power Rangers”, afirma o autor.
“Explicar o conceito de Afrofuturismo sem ser didático demais foi difícil e, sinceramente, espero que tenha conseguido fazer isso bem. Quanto à autoestima, tem uma mensagem muito importante que queria sedimentar na HQ: existe uma cultura pop preta cada em franco crescimento e uma criança preta nos dias de hoje tem a alegria de poder se ver nas telas e páginas. Ainda tem muito a melhorar, muito mesmo, mas queria celebrar essas crianças nerds e pretas na HQ”, defende Marcelo.
Na marra, Marcelo também já pensa nos próximos capítulos e tem ideia para um segundo volume da HQ, que ele já está escrevendo, com paciência. “Além disso, planejo lançar HQs de outra personagem que criei chamada Jamila, Aprendiz de Astronauta, mas ainda deve demorar um tantinho pra acontecer”, confessa.
Assim como o trio de irmãos de HQ, Marcelo utiliza um saber ancestral para seguir produzindo e mostrando outros olhares e narrativas dentro do universo dos quadrinhos: suportar é a lei de minha raça.
Lançamento no Vale do Dendê
Marcelo vai realizar uma roda de conversa na Vale do Dendê no próximo dia 3 de junho para discutir afrofuturismo, literatura e infância. Ele terá como convidados o professor e escritor Marcos Cajé e a atriz, diretora e escritora Cássia Valle. Ambos também autores de livros infanto-juvenis com temática racial. A entrada é gratuita e aberta ao público.
O encontro tem como objetivo debater cultura, educação e arte através de uma perspectiva de valorização da identidade afrobrasileira e fortalecimento da autoestima de crianças negras. Também será uma oportunidade para discutir sobre o mercado para pessoas negras na literatura e dramaturgia.
“O mercado para pessoas pretas, hoje, segue difícil e altamente competitivo, mas com mais vagas, mais espaço. Percebo que as pessoas se importam em ter pessoas pretas contando suas histórias a partir dos seus pontos de vista e valorizam isso”, avalia antes de fazer uma ponderação importante.
“Mas até certo ponto!”, exclama e continua: “Ainda há uma subalternização dos autores negros, ainda há uma visão de que o que se produz é conteúdo militante, dentre outras coisas, porém existem portas abertas -à força- que possibilitam novos nomes e uma carreira, mas é na marra”, completa.
Fundador da Vale do Dendê, Paulo Rogério comemora o evento dentro do espaço e diz que a Casa da Vale do Dendê tem objetivo, justamente, de ser um local dedicado a essas ativações, eventos, articulações em torno do empreendedorismo e possibilidades de construir novas narrativas para Salvador.
“Trabalhamos para que esse lugar seja um destino prioritário aos criativos da cidade para que se conectem, se sintam à vontade e levem seus produtos e inovação para o mundo com ajuda de nossos canais de comunicação, parcerias e possibilidades”, afirma.
Ficha
HQ: Os Afrofuturistas – o ataque dos Kips
Autor: Marcelo Lima
Co-autor e ilustrador: Renato Barreto
Editora: Veneta
Páginas: 84
Vendas: Veneta e na Amazon
Preço: R$59,72 na pré-venda (Veneta) e R$74,90 após lançamento
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