O questionamento acima não é mero devaneio, caras leitores. Já pairava em nossas mentes e ganhou maior relevância em fevereiro, quando o Supremo Tribunal Federal julgou a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 5.941, entendendo, por um placar de 10 x 1, ser constitucional o art. 139, IV, do Código de Processo Civil, segundo o qual cabe ao juiz “determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária”.
Trocando em miúdos: o art. 139, IV, do CPC prevê medidas atípicas (não convencionais), que têm por objetivo evitar a morosidade e a inefetividade das decisões judiciais e já vêm sendo aplicadas pelos magistrados brasileiros. Dentre elas, temos a apreensão da Carteira Nacional de Habilitação (CNH) e do passaporte dos devedores, além da proibição de participação destes em concursos públicos e licitações.
Se você não viveu, certamente, conhece alguém que viveu a frustrante experiência de ter uma sentença judicial favorável, reconhecendo o direito de receber um crédito, mas que, como não houve o pagamento voluntário pelo devedor e nenhum bem de sua propriedade foi localizado para penhora, tal crédito nunca foi satisfeito. E, aqui, importa observar que existe o devedor desprovido de patrimônio (aquele que, de fato, não tem condições de pagar a sua dívida), mas há aquele outro tipo de devedor que, apesar de possuir patrimônio expropriável, se vale de medidas protelatórias e subterfúgios para evadir-se de suas obrigações. Certamente, a norma em comento foi criada para atingir este perfil de devedor!
No julgamento da ADI nº 5.941, a maioria do Plenário do STF acompanhou o voto do relator, ministro Luiz Fux, para quem a aplicação concreta das medidas atípicas previstas no artigo 139, inciso IV, do CPC, é válida, desde que não avance sobre direitos fundamentais e observe os princípios da proporcionalidade e razoabilidade. Ao votar pela constitucionalidade da norma, o relator ressaltou que a autorização genérica contida no artigo representa o dever do magistrado de dar efetividade às decisões e não amplia de forma excessiva a discricionariedade judicial.
É certo que as medidas coercitivas previstas no art. 139, IV, do CPC, não foram pensadas para tornar as ‘execuções fiscais’ mais efetivas na cobrança de créditos tributários. A Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), inclusive, quando da apreciação do HC 453.870, entendeu que a apreensão de passaporte em execução fiscal era desproporcional e inadequada à busca da satisfação do crédito. Na ocasião, o ministro relator, Napoleão Nunes Maia Filho, advertiu que Estado já é “superprivilegiado” em sua condição de credor, dispondo de varas especializadas para a condução das ações, um corpo de procuradores voltado para essas causas e uma lei própria para regular o procedimento (Lei 6.830/1980), com privilégios processuais específicos.
Por outro lado, em decisão mais recente, a Segunda Turma do STJ entendeu ser possível adotar medidas executivas atípicas no cumprimento de sentença proferida em ação de improbidade (no âmbito do direito público, portanto), desde que sejam observados parâmetros estabelecidos pela jurisprudência do tribunal – como a existência de indícios de que o devedor tenha patrimônio expropriável e o caráter subsidiário de tais medidas. No julgamento, o relator ponderou que, se o STJ entende que são cabíveis medidas executivas atípicas para a satisfação de obrigações de cunho estritamente patrimonial, “com muito mais razão elas devem ser admitidas em casos em que o cumprimento da sentença se dá para tutelar a moralidade e o patrimônio público” (REsp 1.929.230).
Veja que o STJ já acenava para o Fisco e, agora, com o resultado da ADI nº 5.941, não será surpresa para nós se o juiz da execução fiscal — que, por sua natureza, tem por objeto uma prestação pecuniária e resulta de interesse público — se sinta mais à vontade para autorizar a apreensão de passaporte e de CNH do executado, caso este não pague a dívida em cobrança na execução fiscal.
É evidente que o objetivo do art. 139, IV, do CPC, é dar efetividade à decisão judicial e, assim sendo, retirá-la do nosso ordenamento jurídico engessaria a própria atividade jurisdicional. Mas, calma! Como bem ponderado no julgamento da ADI, o juiz, ao aplicar as medidas atípicas (e, portanto, não convencionais, que, como tal, só devem ser aplicadas de forma subsidiária), deve obedecer aos valores especificados no próprio ordenamento jurídico de resguardar e promover a dignidade da pessoa humana. Deve, ainda, observar a proporcionalidade e a razoabilidade da medida e aplicá-la de modo menos gravoso ao executado, considerando sempre as peculiaridades de cada processo e as provas existentes nos autos. É o mínimo que se espera, caso o juiz da execução fiscal resolva aplicar a referida norma!
*Anna Tereza Landgraf é advogada e Professora. Especialista em Direito Tributário. MBA em Planejamento Tributário e em Gestão e Administração de Negócios. Membro da Comissão de Direito Tributário da OAB/BA e da Associação Brasileira de Direito Tributário – ABRADT.
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