Tributo em Pauta: O que não te contam sobre as taxas dos cartórios

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Seguindo nossa linha de não enganar nosso leitor, esclarecemos que este texto não pretende apontar se as taxas de cartório são corretas/incorretas ou justas/injustas. Nosso objetivo se limita a contribuir com informações para que cada um reflita e forme a sua opinião.

 

Aviso feito, inicialmente, é bom lembrar que as conhecidas “taxas de cartório” são, em termos técnicos, uma subespécie de taxa tributária denominada “emolumento”, e correspondem (ou deveriam corresponder) à remuneração pelo serviço público prestado pelas serventias extrajudiciais.

 

Na teoria, todo tributo da espécie “taxa” reflete o custo do serviço, como também expresso na Lei dos Emolumentos (parágrafo único do art. 1º da Lei nº 10.169/2000). Entretanto, ao longo dos anos, a referida contraprestação recebeu contornos questionáveis, a partir de uma controversa anuência do Supremo Tribunal Federal (STF).

 

A controvérsia está na interpretação inicial sobre a parcela destinada aos Tribunais de Justiça. Isso porque a Lei dos Cartórios afirma que os emolumentos competem integralmente aos titulares das serventias (art. 28 da Lei nº 8.935/1994), porém, na prática, são poucos os Estados em que ficam com mais da metade do valor arrecadado (para cobrir todas as despesas, se sujeitando à tributação pelo IRPF quanto ao remanescente, embora sejam obrigados à inscrição no CNPJ).

 

O STF consolidou entendimento de que o valor do repasse ao Judiciário representa, em verdade, a remuneração pela fiscalização da atividade extrajudicial que desempenham, ou seja, o titular da serventia recebe todo o emolumento, mas deste valor seria descontada uma “taxa de serviço” em favor do Tribunal ao qual está vinculado, em razão do exercício do poder de polícia sobre as atividades notariais e de registro (vide ADI 2.059/PR; ADI 2.129/MT; ADI 3.089/DF e ADI 3.694/AP). 

 

O problema é que o raciocínio também abarcou a destinação de parte deste valor para os denominados “Fundos de Reaparelhamento do Poder Judiciário”, abrindo caminho para uma aparente nova fonte de custeio para os mais diversos órgãos. 

 

Como a grama do vizinho sempre é mais verde, não demorou para que outros atores reivindicassem um “espaço ao sol”, com o apoio do STF, que admitiu também a possibilidade de repasse a instituições e fundos não integrantes do Poder Judiciário, esticando o clamor pelo “reaparelhamento” para uma noção de “jurisdição” em sentido amplo (ignorando novamente o que o legislador inseriu na Lei dos Cartórios).

 

Na ADI 3.643/RJ, o voto vencedor, do Min. Carlos Ayres Britto reconheceu a constitucionalidade de repasse para o Fundo Especial da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro. Na ADI 3.028/RN, também a partir de divergência encabeçada pelo Min. Carlos Ayres Britto, foi admitido o repasse para o Fundo de Reaparelhamento do Ministério Público.

 

A exceção veio na ADI 3.111/RJ, quando o Tribunal rejeitou a constitucionalidade de norma que instituía repasse para inúmeras entidades privadas, não componentes do Poder Judiciário (Mútua dos Magistrados do Estado do Rio de Janeiro, Caixa de Assistência do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, Caixa de Assistência dos Procuradores do Estado do Rio de Janeiro, Caixa de Assistência aos Membros da Assistência Judiciária do Estado do Rio de Janeiro e Associação dos Notários e Registradores do Estado do Rio de Janeiro – ANOREG/RJ).

 

Como nessas horas não há limites para a criatividade, a matéria ainda fomenta discussões. Recentemente, o STF afastou norma do Estado de Goiás que previa o repasse para os seguintes fundos: Estadual de Segurança Pública; Especial de Apoio ao Combate à Lavagem de Capitais e às Organizações Criminosas; Penitenciário Estadual; Especial de Modernização e Aprimoramento Funcional da Assembleia Legislativa; Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente (ADI 5.539/GO).

 

Na Bahia, a realidade não é muito diferente. A Lei Estadual nº 12.352/2011 instituiu o Fundo Especial de Compensação – FECOM (art. 16), para custeio dos atos gratuitos dos cartórios de registro civil das pessoas naturais (dentre outras finalidades), destinando a este 23% do que for cobrado a título de emolumentos (art. 16, § 1º) e, concedeu à Defensoria Pública do Estado da Bahia o percentual de 2% (art. 17) destes recursos, sem qualquer indicação de finalidade.

 

A Lei Estadual nº 13.600/2016 (com as alterações da Lei Estadual nº 14.025/2018), por sua vez, reestruturou os repasses da seguinte forma: 13,20% para o Fundo Especial de Compensação – FECOM (art. 2º, § 2º, II); 1,28% para a Defensoria Pública do Estado da Bahia (art. 2º, § 2º, III); 34,30% para o Poder Judiciário, como taxa de fiscalização (art. 2º, § 2º, IV); 1,92% para o Fundo de Modernização da Procuradoria Geral do Estado (art. 2º, § 2º, V) e 1,00% para o Fundo de Modernização do Ministério Público do Estado da Bahia (art. 2º, § 2º, VI).

 

Até para quem estuda o assunto não é fácil entender uma “taxa” que tem parte da sua receita destinada à “modernização” de instituições que não atuam diretamente na prestação do serviço, quando, teoricamente, essa espécie tributária ostenta como principal característica a vinculação com o custeio do serviço público prestado.

 

Aparentemente, não é só entre o céu e a terra que há mais coisas do que nossa filosofia pode imaginar, como escreveu Shakespeare…

 

*Anderson Pereira é advogado tributarista licenciado, professor de Direito Tributário e conselheiro do Conselho de Fazenda do Estado da Bahia e do Conselho Municipal de Tributos de Salvador.

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