Como a Batalha de Itaparica garantiu o 2 de Julho na Bahia

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Dom Pedro I sequer tinha dado o grito de “independência ou morte”, às margens do Rio Ipiranga, quando populares da Ilha de Itaparica  formavam resistência contra o domínio português. A Baía de Todos-os-Santos foi palco de disputas que culminaram no 2 de Julho em 1823, data que marca a Independência do Brasil na Bahia e completa o bicentenário neste ano. Um dos capítulos mais importantes dessa História ocorreu em 7 de janeiro, quando os caboclos de Itaparica defenderam, a duras penas, a maior ilha da baía. Os seis meses que separam as datas foram fundamentais para a concretização da expulsão das tropas invasoras. Quem estivesse em outra parte do globo e soubesse que Salvador continuava domínio português, meses após a independência, talvez achasse que os europeus levavam a melhor por aqui. Não por acaso: os invasores dominavam algumas das cidades mais importantes do país, mesmo após o 7 de Setembro. Mas um olhar aguçado mostraria aos estrangeiros que não era bem assim. No território que hoje compreende a capital baiana, os portugueses eram cercados e passavam fome. Os caminhos por terra e por mar estavam bloqueados pelas tropas brasileiras, que impediam a chegada de suprimentos em Salvador. Alimentos como farinha, milho e farinha eram produzidos no Recôncavo e chegavam à capital através de embarcações que cruzavam a baía, sob controle brasileiros. Daí o plano de Portugal: dominar Itaparica para navegar livremente e garantir o abastecimento das tropas. Em 1822, antes da declaração de independência nacional, os populares de Itaparica  haviam resistido a outras três investidas portuguesas. Na linha de frente da defesa, indígenas e negros, que lutavam com as armas que tinham: machados, facões, chuços e folhas de cansanção. Figuras como Maria Felipa, João das Botas e Barros Galvão, presentes no imaginário popular até hoje, foram protagonistas na defesa do território de Itaparica. A mais ferrenha tentativa de tomar a ilha de assalto foi colocada em prática outra vez na manhã de 7 de janeiro de 1823, quando embarcações portuguesas concentraram-se na altura do Forte de São Lourenço, maior ponto de defesa da região insular. O contra-ataque da Batalha de Itaparica veio de trincheiras cavadas em cinco pontos estratégicos, onde estavam os populares e soldados que defendiam a ilha. Cansados e famintos, os invasores levaram a pior. “Havia uma resistência muito organizada em Itaparica formada pela articulação das forças do exército e dos populares. O 7 de janeiro foi como uma espécie de antecipação da vitória baiana e brasileira”, ressalta Milton Moura, professor de História da Universidade Federal da Bahia (UFBA). Naquela altura, os portugueses já vinham de derrotas em batalhas importantes, como a de Pirajá, e o revés em Itaparica diminuiu ainda mais o ânimo das tropas. Leia mais: Saiba o que é mito e verdade na história do Dois de Julho Os meses que separam o 7 de janeiro e o 2 de Julho não foram marcados por batalhas significativas. O professor Milton Moura explica que o período foi importante para que os combatentes brasileiros curassem suas feridas e os portugueses minguassem ainda mais. Sem conseguir o desbloqueio das rotas de navegação, os invasores começaram a deixar o território após a entrada do exército libertador em Salvador, no 2 de julho. Para marcar a sua participação ativa na luta contra os portugueses em Itaparica, os moradores da ilha festejam o 7 de janeiro desde a primeira metade do século XIX. Fábio Baldaia é professor do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Bahia (IFBA) e fez uma dissertação sobre os Guaranis, grupo que mantém viva a tradição até hoje. A entrada nos festejos remonta a 1939 e, desde então, os Guaranis se tornaram responsáveis pela preservação da memória sobre a Batalha de Itaparica. “Os Guaranis são os responsáveis por conduzir o cortejo em Itaparica, com músicas próprias e cânticos adaptados, passando pelas igrejas e vestidos para representar a figura do caboclo. Na Praça do Campo Formoso, eles fazem um teatro de rua nos dias 7, 8 e 9, desde a década de 30”, afirma. É na praça que está o panteão dos heróis do 7 de janeiro, mas as lutas daquele dia aconteceram em vários pontos, sobretudo na Ponte do Funil, Largo da Quitanda e Forte de São Lourenço, que hoje é um memorial.  O grupo formado por cerca de 40 pessoas, majoritariamente homens e crianças, também é responsável pela condução dos caboclos durante o cortejo que desfila no Centro Histórico da ilha. A marcha não fica restrita à região insular. Desde a década de 60, os Guaranis cruzam o mar e participam dos festejos do Dois de Julho, em Salvador. Nada mais justo, afinal, não fossem os itaparicanos, a História da Independência do Brasil na Bahia teria contornos distintos. “O desfile é muito parecido com os festejos de independência do Dois de Julho. O caboclo representa a diversidade popular de quem defendeu Itaparica e a Bahia. São homens e mulheres nativos da região, que viviam em uma sociedade extremamente hierarquizada”, pontua Victória Fares, professora de História. O projeto Bahia livre: 200 anos de independência é uma realização do jornal Correio com apoio institucional da Prefeitura Municipal de Salvador. *Com orientação de Monique Lôbo.
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