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Tecnologias ancestrais potencializam mulheres e negócios da Bahia

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Anatália Maria de Jesus era uma mãe solo que, como muitas outras conseguiu criar filhos e netos através do empreendedorismo. Para sustentar a casa, ela costurava sapato de couro, no Pelourinho. Décadas depois, a força dessa mulher foi fonte de inspiração para a neta Luciana Costa, idealizadora e dona da marca Negralu, que produz adereços de moda afro, como turbantes, bolsas, ecobags, pochetes e outros acessórios agêneros. Não satisfeita em manter a conexão ancestral com a cultura afro-brasileira, buscando a força dos antigos saberes, enquanto produz, a Negralu pensa em alternativas de preservação dos recursos naturais, reciclando os retalhos dos tecidos que usa para produção de, além de doar parte que sobra para entidades que trabalham com bonecas abayomi e mulheres que fazem fuxico com os retalhos. Luciana é uma das muitas empreendedoras que redescobriram os saberes e as tecnologias ancestrais para gerir um negócio, garantindo não apenas a própria sobrevivência, como a sobrevivência de filhos e outros familiares. Para se ter uma ideia melhor do impacto e da força desses negócios, basta resgatar os dados do Sebrae (2022) que mostram que o Brasil é o sétimo país com o maior número de mulheres empreendedoras no mundo. Dos 52 milhões de empreendedores, 30 milhões são mulheres, o que corresponde a 57%. Na Bahia, 50% dos empreendimentos autônomos são tocados por mulheres. Reaproveitamento Para Luciana Costa, empreendedora há oito anos, nada é perdido nesse mercado de costura criativa em tecido africano. Tudo pode ser aproveitado nessa confecção. “Sou movida pelos ensinamentos deixados pela minha avó, Anatália. As lembranças deixadas por ela me inspiram e motivam para também deixar um legado aos meus filhos e netos que virão e precisam encontrar um mundo melhor. Minha consciência de sustentabilidade é social”, afirma Luciana Costa. A consciência de que os recursos naturais são escassos também norteiam o trabalho desenvolvido por Gabriela Moreira, à frente da Dimadê Marcenaria Artesanal. Brinquedos, peças decorativas, luminárias, artigos esotéricos, biojoias e utensílios são produzidos por meio de uma marcenaria artesanal e boa parte das madeiras nobres utilizadas nos projetos são oriundas do descarte de uma marcenaria de grande porte vindas de Ilhéus, cidade natal da artista marceneira. Gabriela começou a trabalhar, inicialmente, usando exclusivamente madeiras, depois, lançou mão de resíduos de tecido da produção das bonecas para revestimento e panos de limpeza. “Na Dimadê busco aliar um pouco de design contemporâneo, ao mesmo tempo que respeito e utilizo técnicas mais antigas. Um exemplo disso, é que não utilizo lasers para gravação, faço a técnica de punção para gravação de forma manual, exatamente como acontecia em séculos atrás”, detalha. Segundo ela, todo o revestimento é livre de produtos tóxicos e nocivos à natureza e a artesã reconhece a marcenaria como um ofício secular, se inspirando no aprendizado dos antepassados. “As madeiras que são adquiridas têm origem verificada para que todas tenham certificado de legalidade”, completa Gabriela. Reuso A sabedoria popular e as avós sempre lembraram que quem guarda, tem. Valéria Monteiro foi buscar na mãe, que costurava roupas sob encomendas, a inspiração para o negócio da Trecos de Pano, empreendimento de bolsas criativas em tecido jeans, as peças são produzidas a partir de peças usadas de roupa e também retalhos de tecidos novos. Segundo Valéria Monteiro, os tecidos são recebidos através de doações e são reforçados para aumentar a vida útil do produto, além de passar por um processo de lavagem artesanal, gastando o mínimo de água possível. Atenta ao consumo desenfreado por parte de muitas pessoas, a Trecos de Pano nasceu para servir de inspiração, mas mesmo com essa lição, Valéria sentia necessidade de dar um diferencial ao seu produto. “Com a alma inquieta e o desejo de ressignificar matéria prima já existente, o jeans que sempre amei coube perfeitamente nessa ideia de transformar peças descartadas em outras cheias de personalidade e cores”. A marca também lançou recentemente uma parceria colab com a artesã Madalena Santana, que gerencia a Kids Bombom Moda Infantil – costura afetiva de roupas feitas com 100% algodão. A nova linha de moda feminina das duas marcas é composta por vestidos e batas confeccionadas com adereços bordados em linhas, as mesmas que são costurados para dar vida mais colorida aos diversos modelos de bolsas – carteira, mochila, ecobag, porta níquel da Trecos de Pano. Bem estar Quando empreendedorismo, ancestralidade, sustentabilidade e mulheres se unem, as possibilidades ultrapassam as questões ambientais e se derramam no social e na criação de bem estar. Que o diga Caroline Carvalho, que, buscando garantir uma presença mais qualitativa na vida do filho, criou a Cacá Carvalho Calçados. Mas não foi só pela família. Apaixonada por sapatos, ela já deixou de ir a festas por não encontrar o calçado certo, precisou usar calças bem compridas para esconder os pés, já teve tênis apenas preto e cinza, quando sonhava com um de outra cor. “Sempre tive paixão por calçados por justamente não encontrar nada que coubesse no meu pé 41/42. Após a maternidade está mais para 42!”, desabafa Cacá, que chegou a chorar quando pela primeira vez quando entrou numa loja especializada em numerações maiores com opções femininas. Ela foi então em busca de parceiros para se associar e começar o empreendimento e, hoje, move a própria história oferecendo modelos de sandálias Avarcas – o modelo queridinho, que havia conhecido anos atrás – em diversos tamanhos, chegando até ao 44. Caroline conta ainda que, devido ao comportamento de pessoas/clientes após a pandemia, está nascendo no setor calçadista um maior apelo do público consumidor para que lojas, marcas e fábricas se conectem com a sustentabilidade com mais força, movidas pelas escolhas conscientes dos clientes. “Essa resposta chegou com a primeira parceria lançada ano passado, através de calçados com solado reciclado, cola à base de água que protege a camada de ozônio, e cabedal lateral de alguns modelos com fibra de bananeira e algodão, com os saquinhos reutilizáveis feitos em algodão e embalagens cartonadas biodegradáveis”, revela. Ela conta que após esse lançamento, o carro-chefe em vendas da marca Cacá Carvalho Calçados, as Avarcas, lançou em maio de 2023, a primeira linha Eco de garrafas PET recicladas, que deixam de ser descartadas no meio ambiente, e feitas com tecido de algodão orgânico e solado reciclado de cortiça à base de rolhas com EVA reciclado, em parceria das Ibizitas Eco By Cacá Carvalho Calçados. Fiar junto Há pouco mais de cinco anos, a curadora e idealizadora do BaZá RoZê (uma feira formada, em sua maioria, por mulheres empreendedoras, profissionais autônomas – artistas e expositoras/es de vários segmentos autorais )Brenda Medeiros compreendeu que não bastava apenas focar na gestão e marketing da marca e do produto, era necessário ir além das cartilhas do mundo dos negócios para que esse coletivo, formado e rebatizado de Rede RoZê, passasse a entender como se conecta no dia a dia com os conhecimentos pessoais e ancestrais para poderem reproduzir as experiências em suas criações artesanais, sem deixar de lado as trocas, afetos e empoderamento entre o grupo. “A Rede RoZê absorve pessoas de todos os gêneros e entende que empreender vai além do que apenas fazer negócio, é preciso fazer o que se ama, respeitando o meio e sendo reconhecidas por isso”, diz. Dessa forma e desde o ano passado, o RoZê assumiu a expressão dos sentimentos em cada uma das suas edições, mostrando que existe uma forma delicada e efetiva de fazer a cadeia da economia criativa estar sempre em movimento. Na edição de abril, a feira trouxe a temática “Empreender é Confiar” e, como quem confia, fia junto, agora em maio, cerca de 60 expositoras/es estão envolvida/os nessa trama de valorizar a busca por independência, expansão da criatividade, liberdade de ser quem deseja ser, através das suas relações produtivas. Em maio, a feira explorou o tema “Maternar RoZê”. “O fio do fiar surge porque tece passado, presente e futuro, formando uma teia de relações que conectam e aproximam pessoas no intuito de criar, produzir e seguir fiando e entrelaçando arte, sonhos e ideais”, explica Brenda, reforçando que, a cada dia, acredita mais na potência que a Rede traz quando se fala do empreendedorismo feminino. Esse conteúdo integra o Agenda Bahia, projeto do CORREIO que dialoga com temas relevantes para a sociedade.
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