Com as portas abertas e uma multidão de pessoas, o Teatro Oficina se prepara para a última despedida de José Celso Martinez Corrêa. Despedida que é feita com muito choro de saudade, mas também com muitos abraços, festa, música, dança, palmas e diversas folhas, que balançam no ar seguindo o movimento das mãos. Nesta quinta-feira (6), o Bixiga, tradicional bairro da capital paulista onde está localizado o teatro, se despede de um dos maiores nomes da cultura brasileira. O ator e dramaturgo Zé Celso, 86 anos, morreu em consequência de um incêndio que atingiu o apartamento dele.
As redes sociais do Teatro Oficina informaram que o velório terá início às 23h e seguirá até as 9h desta sexta-feira (7). O rito será aberto ao público e serão organizadas filas para possibilitar a entrada de todos que desejarem no teatro. A Rua Jaceguai ficará fechada para a passagem de carros e um telão foi montado na rua.
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A despedida ocorre da forma como Zé Celso vivia: cercado de amor e espalhando alegria. No início desta noite, ainda esperando pela chegada do corpo do diretor, amigos e atores do Oficina organizaram um grande cortejo pelo palco, o qual foi concebido pela arquiteta Lina Bo Bardi. Palco esse que inovou a concepção de teatro ao colocá-lo no centro, como se fosse um corredor, com a plateia nas laterais, se enfrentando como se estivessem em um ringue. “O cenário no ringue representa a metáfora da luta”, dizia Zé Celso sobre a premiada arquitetura do teatro.
Homenagens
O cortejo desta noite percorria todo o corredor do Oficina e chegava à rua, convidando as pessoas para a última homenagem ao dramaturgo. “Bixiga hoje é só arranha-céu. E não se vê mais a luz da Lua. Mas a Vai-Vai está firme no pedaço. É tradição e o samba continua”, cantavam.
A homenagem se estendeu para a rua, em frente ao teatro, onde escreveram no chão: “Zé Celso Vive!”. E também chegou pela forma de diversas flores, que foram enviadas para celebrar o grande nome do teatro brasileiro. Uma das coroas que estava no local havia sido enviada pelo casal Ana Estela e Fernando Haddad, atual ministro da Fazenda.
O cantor Otto foi um dos que foram até o Oficina para homenagear o dramaturgo. “Zé Celso é uma inspiração, um mestre. O que será do Brasil sem a figura do Zé Celso, sem essa pessoa que vem há anos e anos tomando parte, influenciando, mostrando? Estamos aqui no Oficina, que é eterno, um legado muito grande. Foi uma tragédia. Mas o teatro é renovação, é esperança e celebração. Zé Celso sempre celebrou.”
Otto disse que pretende continuar a luta de Zé Celso pela construção do Parque do Bixiga, ao lado do Teatro Oficina, alvo de disputa com o apresentador Silvio Santos, que é o dono do terreno. “Estamos juntos com os meninos do Oficina e vamos lutar pelo Parque do Bixiga”, declarou.
Para ele, o legado de Zé Celso passa pela “arte, pela verdade, pela democracia, pela existência, pela celebração da vida e pela justiça social”.
Saudade
Quem também esteve hoje no Teatro Oficina e recebeu muitos abraços e afeto foi o ator Ricardo Bittencourt, que esteve com Zé Celso no apartamento no momento do incêndio. “Está todo mundo lamentando e eu também lamento a perda desse artista inigualável. Mas eu perco meu irmão, eu perco a minha casa, o meu lar. Minha amizade com o Zé e o Marcelo (Drummond, marido de Zé Celso) é coisa de 35 anos, mas com muita intimidade”, contou.
Ele lembrou o diretor como referência de família. “Eu perco a minha referência de família mais forte, meu lugar no meu mundo. Desde que a minha mãe morreu, meu lugar no mundo era a casa do Zé e do Marcelo. Minha dor é a dor de família. Eu perco um irmão, meu grande irmão”, disse ele.
Incêndio
À Agência Brasil, Bittencourt contou como foi o momento durante o incêndio. “Eu estava dormindo no meu quarto e acordei com a impressão de que o céu de São Paulo estava no meu quarto. Fiquei olhando e não entendia aquela fumaça. Achei que estavam queimando lixo na rua. E quando saí do quarto, e cheguei na sala, havia mais fumaça e estava mais escuro. O apartamento era conjugado. Eu olhei e comecei a ver uma coisa parecida com fogo, uma coisa escura”, relatou.
Ele encontrou Zé Celso já sendo levado por outro amigo. “Fui andando e vi um corpo no chão, muito queimado, o [também ator] Victor [Rosa] puxando [esse corpo]. E eu associei que era o Zé, mas eu não realizei na hora. Eu sabia, mas ao mesmo tempo não sabia. Não sei o que aconteceu comigo. Não consegui ter uma interpretação. Aquelas imagens não faziam sentido. E comecei a andar por esse espaço e fui vendo que era fogo mesmo. Fui então na porta do apartamento e vi que o prédio estava uma loucura, as pessoas correndo, gritando”, contou.
Em um dos momentos dessa intensa correria, Zé Celso estava no hall que dava para o elevador, deitado. “O Zé me pediu a mão e eu fui para o chão e fiquei segurando a mão dele por um tempo. E começou a cair alguns pedaços de teto na minha cabeça. Eu olhava para aquilo e comecei a pensar no meu filho. Segurei a mão dele e, nesse momento, os Bombeiros vieram, me levaram pela escada e então não vi mais o Zé, porque me colocaram em uma ambulância e o Zé foi para outra.”
Marcelo contou que ficou internado por ter inalado fumaça. E disse acreditar que o incêndio tenha começado com o aquecedor que havia no quarto de Zé Celso. “No quarto dele, não havia nada além desse aquecedor. No corredor havia muitos materiais como livros e cadernos. Parte desses cadernos, que não chegaram a ser digitalizados, foi perdida. Mas ainda não temos noção do que foi perdido”.
Estes foram os últimos momentos que Ricardo teve com Zé, mas ele prefere ter como última lembrança do amigo o que ocorreu antes do incêndio. “A gente tinha o hábito de jantar juntos todos os dias. O Marcelo dorme mais cedo, mas eu sou uma insônia eterna, e o Zé também. A gente tinha o hábito de jantar entre 2h e 3h da manhã. E, nesse dia, a gente estava tomando um sorvete de cupuaçu, que ele amava”, lembrou. Nesse jantar, a última conversa que tiveram foi sobre um telefonema feito pela cantora Daniela Mercury, que deixou o dramaturgo imensamente feliz.
Segundo ele, a cantora falou sobre um projeto para editar as obras de Zé Celso. “São dezenas de peças que nunca foram publicadas. E o Zé sempre quis publicar. Essa era uma luta nossa. E a Daniela tinha conseguido isso”, contou. “Brindamos [a essa notícia] com sorvete de cupuaçu”.
Ricardo conta que Zé Celso foi dormir feliz com a notícia. “No dia seguinte a gente ia começar a agilizar essa coisa que ele estava querendo há muito tempo, que era publicar suas obras.”
Outra lembrança que ele guarda do amigo, e que considera como a maior homenagem já feita ao dramaturgo, foi o casamento dele com Marcelo Drummond, que ocorreu há exatamente um mês, no dia 6 de junho. “Estavam todas as pessoas da vida dele. Zé fez a triagem de toda a lista dos convidados. Foram as pessoas que ele quis. Acreditamos que tenha dado quase 500 pessoas e todas se despediram dele assim – e ele todo feliz. Ele chegou a dizer que foi a grande noite da vida. Essa grande homenagem aconteceu em vida”, disse, emocionado.
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