Independência sem morte (por Mary Zaidan) 

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Não há convocação para uma nova “festa da Selma”, senha utilizada nos grupos bolsonaristas para o 8 de janeiro, nem se tem notícia de caravanas seguindo para Brasília. Mas a movimentação entre os apoiadores do ex se intensifica com a proximidade do 7 de setembro. Ainda que divididos entre a ativação popular, com a assinatura “será gigantesco”, e o “fique em casa”, tentativa de esvaziar as comemorações da Independência, todo cuidado é pouco. Até porque essa turma já demonstrou a capacidade que tem de incendiar o país.

Obtidos pelo Metrópoles, os vídeos encaminhados pelo ministro da Justiça Flávio Dino ao governo do Distrito Federal mostram uma ação organizada de mobilização. Com diferentes influenciadores, de Silas Malafaia ao jornalista Alexandre Garcia, passando por um depoimento anônimo de uma “mãe” que teria sido detida após os atos de vandalismo de 8 de janeiro, eles têm em comum agressões ao inimigo STF e, mais especificamente, ao ministro Alexandre de Moraes. Há quem defenda as Forças Armadas, acusando “meia dúzia de generais covardes”, e a maioria insiste na narrativa de golpe eleitoral na vitória de Lula – “um bandido que voltou pelas mãos de amigos na Justiça”.  Todas as mídias trazem a tarja “7 de setembro de 2023 – será gigantesco”, sem apontar local e hora, sem dizer o que será tão gigante.

Em outra ala, o movimento é inverso. O deputado bolsonarista Zé Trovão (PL-SP) quer transformar o 7 de setembro em dia de luto e silêncio como forma de manifestar insatisfação. “Deixem bandeiras ou panos pretos a meio mastro e não saiam de suas casas”, pregou. O senador Magno Malta (PL-ES) já havia defendido o boicote à data na última sessão da CPMI do Golpe, quando desancou com os militares. “Será um 7 de setembro das Forças Armadas que hoje fazem continência para bandido, para ex-presidiário. E vai ser o nosso fique em casa.”  Um deboche à recomendação da ciência no auge da pandemia, que Malta e o seu capitão desdenharam, mesmo diante de 700 mil mortes. Nas redes sociais, o “fique em casa” tem conseguido adeptos.

Opostos na forma de ação para o dia da Independência, data surrupiada pelo ex-presidente para espancar as instituições e matar a democracia, os fiéis bolsonaristas se aproximam nas versões criadas para surrar os fatos. Batem no STF, nos militares, na “injustiça” da Justiça. Nos vídeos, o ministro Alexandre de Moraes, que, no palanque da Avenida Paulista no 7 de setembro de 2021, Bolsonaro chamou de “canalha”, assegurando que jamais cumpriria uma ordem dele, é tratado como “ditador”. Tanto nas imagens como nas mensagens publicadas nas redes, a decepção com as Forças Armadas é enorme. E a narrativa de que as urnas que elegeram Lula foram fraudadas – estimulada por imagens de um adesivaço “Fora Lula” promovido em várias cidades do país no último dia 5 – espalham-se em depoimentos, foto-montagens, memes.

Há “fatos alternativos” – termo imortalizado no primeiro dia de mandato do mentiroso-mor Donald Trump – para explicar tudo, alguns criativos, outros alucinados. As urnas eletrônicas estavam 60% viciadas no 13 e não registraram outro número em vários colégios eleitorais do país. O 8 de janeiro foi articulado por petistas infiltrados. As joias das Arábias, plantadas para culpar Bolsonaro que, aliás, nem relógio usa. Os suspeitíssimos R$ 17 milhões apontados pelo COAF nas contas do ex foram doações de Pix  – e “vamos dobrar a meta”. Há até os que querem realizar um novo depósito, desta vez simbólico, de um real, para marcar o 7 de setembro.

Versões para inverter fatos, dar outra roupagem ou perfumar ambientes fétidos não são exclusividade de bolsonaristas. Lula diz, sem ficar vermelho, que o Mensalão não existiu. Petrolão, jamais. Agora, estimula o PT a anular o impeachment de Dilma Rousseff usando uma mentira deslavada para dizer que ela foi inocentada das pedaladas quando seu caso nem mesmo teve o mérito apreciado pela Justiça, por ela já ter sido punida pelo Senado em julgamento presidido pelo STF.

As narrativas contorcionistas, portanto, não são apenas estratagemas de direita ou esquerda. São práticas recorrentes de populistas daqui e de todos os cantos do mundo, moldadas por líderes que, com os mesmos recursos da adoração religiosa, transformam a política em seita.

Ainda que todo o tipo de fé cega seja abusiva e prejudicial, há crenças mais deletérias, que incentivam o desatino. O 8 de janeiro provou que não se pode minimizar o risco do fundamentalismo político.

Os 201 anos da Independência do Brasil merecem ser comemorados sem ranço e sem medo. Com muita festa e vivas.

Mary Zaidan é jornalista 

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