São Paulo — O entregador Michel Brandão, de 34 anos, costuma trabalhar até 14 horas por dia, da manhã até a madrugada seguinte, em uma rotina que começou há aproximadamente um ano, depois que deixou a enfermagem, sua profissão de origem. Na última quarta-feira (18/10) à noite, durante uma entrega em Itaquaquecetuba, na Grande São Paulo, foi baleado na perna por um cliente.
Só o Ifood recebeu 157 denúncias de agressão na capital paulista apenas em setembro.
“Graças a Deus, estou vivo. Mas poderia estar internado em coma ou até comendo capim pela raiz [morto]”, diz Brandão.
Segundo o motoboy, o cliente demorou a aparecer e o Ifood encerrou a entrega, após cerca de 20 minutos. Logo em seguida, o homem que fez o pedido surgiu e começou o desentendimento. “Foi aquela confusão, ele tentou tirar a chave da minha moto, aquele empurra-empurra. Pegou a peça [arma] e sentou o aço [atirou]”, afirma.
O cliente deu três tiros e um deles acertou a perna do entregador. Após ter me baleado, ele me mandou a calar a boca e disse ‘vem aqui para minha casa para a gente conversar’. Comecei a gritar que nem louco ‘vou para a sua casa para que, para você terminar de me matar?’”
O entregador conta que conseguiu pegar a moto e seguiu até um shopping, onde foi socorrido pelo Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu). “A bala entrou por um lado e o médico fez a extração pelo outro”, afirma. No dia seguinte, fez o boletim de ocorrência, registrado como lesão corporal.
Desde que começou a trabalhar como motoboy, foi a primeira vez que sofreu uma agressão. Ele conta que comunicou o Ifood sobre o ocorrido, mas conta não ter recebido apoio da plataforma até a manhã da sexta-feira (20/10). “Fiquei traumatizado”, diz Brandão, que lamenta aponta indiferença em relação ao seu caso. “Se isso aconteceu comigo, pode acontecer com outros também”, afirma.
O Ifood foi questionado na tarde desta sexta sobre a falta de atendimento a Brandão na ocorrência da quarta-feira. Segundo a empresa, existe um botão para fazer a denúncia no aplicativo dos entregadores e Brandão usou outro caminho para relatar a agressão a tiros — o que faria a plataforma demorar mais tempo para identificar o ocorrido.
“A gente está tentando entrar em contato com o entregador para dar todo o aporte jurídico e psicológico”, diz Johnny Borges, diretor de Impacto Social do iFood.
Na noite desta sexta, a plataforma afirmou que o cliente tinha sido banido e o entregador recebia ajuda da central de apoio.
Além de agressões extremas como a sofrida por Brandão, onde existe ameaça à vida, entregadores relatam uma série de violências no dia a dia da profissão, que vão desde o menosprezo por funcionários de estabelecimentos e clientes, incluindo atos de racismo.
O entregador Wellington Almeida, 30 anos, negro, diz que a discriminação racial deixa marcas no dia a dia. “Fui fazer a entrega e um pedestre olhou para o outro e disse ‘guarda o seu celular, porque ele pode roubar’. Isso me marcou demais, porque estava só fazendo o meu trabalho. Passei por errado. Isso machuca”, diz.
Na última semana, em conversa com entregadores, a reportagem do Metrópoles ouviu que a relação com seguranças e porteiros nos condomínios, além do trato com funcionários de estabelecimentos comerciais são, muitas vezes, bastante tensas.
Números O Ifood afirma que, só em setembro, apenas na capital paulista, foram reportados 157 casos de agressão apenas na capital paulista. A empresa diz que, a partir da comunicação, o agressor é excluído imediatamente da plataforma.
Segundo o diretor Impacto Social do iFood, questões relacionadas ao tempo e o próprio estresse social são os principais motivos que desembocam em uma relação muitas vezes conflituosa entre entregadores e clientes. “Isso se tornou mais grave no pós-pandemia. A vida volta ao normal e essa relação começa a ser mais agressiva das duas partes”, diz.
Borges cita que as agressões muitas vezes acontecem com pessoas ao longo do trajeto do entregador, não necessariamente o cliente que aguarda a comida.
O representante do Ifood diz que há uma série de ações para melhorar a relação no setor como um todo, entre eles uma parceria com a Black Sisters in Law (rede de advogadas negras).
A plataforma diz que tem seguro para os entregadores. Vai de R$ 15 mil, para despesas com saúde, até R$ 100 mil, em caso de invalidez ou morte. Também há um valor variável para lesões temporárias.
Já o Rappi não apresentou números relacionados às agressões contra entregadores, embora também tenha sido questionado a respeito.
O aplicativo disse que não tolera nenhum tipo de preconceito ou agressão, “sendo inaceitável qualquer comportamento desrespeitoso ou discriminação”. “Qualquer comportamento antiético é expressamente vedado pelos Termos e Condições do Rappi, levando ao banimento da plataforma”, afirmou, em nota.
Segundo o Rappi, no caso dessas ocorrências, entregadores são orientados a fazer reclamação ou denúncia no canal de suporte específico, além do registro de um boletim de ocorrência. O aplicativo diz que cede à autoridade investigativa dados que se façam necessários.
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