(FOLHAPRESS) – A proposta de reformulação da lei do impeachment apresentada pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), tem mobilizado a oposição de militares por prever, entre outros pontos, crime de responsabilidade para comandantes das Forças Armadas.
A reclamação dos militares também ocorre por receio de brecha que permita os comandantes serem julgados em duas instâncias: a civil e a militar.
O projeto de lei está em fase inicial de discussão, mas a entrega da relatoria ao senador Weverton Rocha (PDT-MA), vice-líder do governo Lula (PT), foi vista como um sinal de que Pacheco quer dar andamento ao tema.
Desde então, militares já procuraram o gabinete do relator e apresentaram emendas para tentar alterar o texto.
Um dos pontos mais criticados é o que prevê impeachment do comandante de Força em caso de manifestação político-partidária.
O trecho chegou a ser apelidado de “artigo Villas Bôas”, em referência ao ex-comandante do Exército Eduardo Villas Bôas. Foi dele a autoria de um tuíte em 2018 às vésperas de julgamento no STF (Supremo Tribunal Federal) de um recurso que poderia livrar Lula (PT) da prisão.
A manifestação nas redes sociais foi entendida como uma ameaça ao Supremo. Em biografia, Villas Bôas disse que os tuítes foram “um alerta”.
O projeto regulamenta o artigo da Constituição que trata de crimes de responsabilidade. O dispositivo constitucional prevê que compete ao Senado “processar e julgar o presidente e o vice-presidente da República nos crimes de responsabilidade, bem como os ministros de Estado e os comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica nos crimes da mesma natureza conexos com aqueles”.
A proposta visa preencher o vácuo deixado por essa redação, uma vez que não há detalhamento sobre em quais hipóteses o impeachment dos militares pode ocorrer -bem como os ritos que precisam ser observados.
A possibilidade de destituição de altos cargos públicos pelo Legislativo varia de país para país. O portal mantido e atualizado pela Livraria do Congresso dos EUA, por exemplo, explica que naquele país existe a interpretação de que oficiais militares não estão sujeitos à possibilidade de impeachment.
O general da reserva e senador Hamilton Mourão (Republicanos-RS) é um dos autores de emendas que se opõem à previsão do impeachment de comandante em caso de manifestação político-partidária.
“Ele [comandante] não pode defender o partido A ou o partido B. Agora, dentro da política da Força, quem fala pela Força é ele. Ele é o representante da Força para isso”, disse à Folha Mourão, que é general da reserva.
“Por exemplo: ele [comandante] considera que o Hamas é uma organização terrorista e o governo nunca fala isso. Você não pode tachar isso de crime de responsabilidade do comandante. [Proibir manifestação] partidária com certeza, até porque o nosso regulamento proíbe.”
Outros trechos da proposta em análise também são alvo de críticas pelas Forças.
As assessorias parlamentares militares tentam excluir, por exemplo, dispositivo que diz ser crime de responsabilidade “retardar ou deixar de cumprir ordem do presidente da República ou do ministro da Defesa, salvo quando manifestamente ilegal”.
Militares ouvidos pela Folha de S.Paulo afirmam que a redação é muito abrangente, porque o conceito de retardar o cumprimento de ordem do presidente é subjetivo.
Integrantes das Forças também contestam outros pontos, como o de “incitar a participação ou participar de greve ou motim de militares”. As leis que regem a carreira militar já classificam o ato como crime.
Os militares temem que a proposta, caso aprovada, leve os comandantes para julgamento na Justiça civil.
Eles preferem ser julgados pelo STM (Superior Tribunal Militar). Na visão militar, os ministros da corte compreendem melhor o contexto que envolve uma decisão na caserna -o que gera críticas de corporativismo e de blindagem na Justiça militar.
Apesar das pressões, o senador Weverton tem sinalizado que não vai retirar os comandantes das Forças Armadas -ou qualquer outra categoria, como juízes e promotores- do projeto de lei.
Ele pretende conversar com o ministro da Defesa, José Múcio Monteiro, e com os comandantes das Forças antes de apresentar o relatório. No começo deste mês, representantes do Exército, da Marinha e da Aeronáutica se reuniram com assessores do senador.
O Exército disse que acompanha a discussão por meio de sua assessoria parlamentar, assim como faz com outras proposições relacionadas à instituição, “permanecendo à disposição dos parlamentares para contribuir com o aperfeiçoamento do projeto”.
Em tom semelhante, a Marinha afirmou que acompanha as propostas com o “intuito de prestar informações especializadas que contribuam para o respectivo e devido aprimoramento”.
Em nota, a Força Aérea Brasileira disse que “não possui objeções” sobre a inclusão do comandante na lista de autoridades sujeitas a impeachment por crime de responsabilidade.
O projeto de lei foi proposto pelo presidente do Senado após meses de discussões coordenadas pelo ministro aposentado do STF Ricardo Lewandowski -que presidiu o processo de impeachment no Senado da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), em 2016.
Relatora do anteprojeto, a ex-secretária-geral do STF Fabiane Pereira de Oliveira afirma que a ideia é preencher as lacunas da lei atual, de 1950, e regulamentar a situação de outras autoridades além do presidente da República, como militares, juízes, ministros do Supremo e membros do Ministério Público.
“Nós analisamos cuidadosamente quais autoridades a Constituição estabelecia como passíveis de crimes de responsabilidade e pegamos as leis esparsas sobre cada classe: magistratura, Ministério Público e as Forças Armadas”, afirma.
“Não era o objetivo do grupo nem nunca foi [fazer o projeto em reação aos acontecimentos recentes]. O objetivo foi realmente ser unânime em não deixar de fora nenhuma das autoridades que a Constituição elenca. Se, agora, alguma autoridade for retirada, isso sim será casuísmo.”
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