Ainda bem que há juízes em Brasília para salvar a democracia

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Somente Lula sabe onde lhe apertam os calos. José Múcio Monteiro Filho, ministro da Defesa, talvez conheça parte dos calos que incomodam o presidente. Eles atendem pelo nome de Forças Armadas. Há 60 anos, elas derrubaram a democracia a pretexto de salvá-la do comunismo.

Uma vez que pegaram carona em Bolsonaro para voltar ao poder, pondo a serviço dele informações estratégicas, tiveram três ou quatro chances nos últimos anos para derrubar a democracia outra vez.  Se em dezembro de 2022 tivessem dito sim a Bolsonaro, o golpe estaria consumado.

Há 60 anos, um tenente-coronel, Roberto de Almeida Neves, ao ouvir o general Olympio Mourão Filho, comandante da 4ª Região Militar em Juiz de Fora, convidá-lo para participar do golpe, sacou do revólver e deu-lhe voz de prisão. Quem acabou preso foi ele, que passou para a reserva no ano seguinte.

Em dezembro de 2022, ao ouvir Bolsonaro convidá-lo para participar de um novo golpe, o então comandante do Exército, general Freire Gomes, a princípio nada disse. Poderia ter-lhe dado voz de prisão, algo previsto no regulamento militar. Só ao ouvir o convite pela terceira vez foi que disse não.

Ele e o brigadeiro que comandava a FAB, segundo Freire Gomes, recusaram-se a embarcar na aventura golpista de Bolsonaro. O comandante da Marinha pôs suas tropas à disposição de Bolsonaro. Mas Freire Gomes pediu demissão para não dar posse ao seu sucessor escolhido por Lula.

Calos ingratos, esses verde e oliva, que Lula é obrigado a suportar – e o pior: calado. Por Lula, fala o ministro da Defesa que diz que as Forças Armadas, como instituição, sempre foram legalistas; golpistas, somente, alguns oficiais que serão julgados e possivelmente condenados pela justiça.

A República no Brasil foi instalada no final do século XIX por meio de um golpe militar liderado por um marechal monarquista. O século XX foi picotado por golpes bem ou malsucedidos. O período de democracia mais longo vivido pelo Brasil até hoje é este, de 1985 para cá – 39 anos, apenas.

Ainda bem que há juízes em Brasília. Quando o Congresso emudece e sobe no muro para depois aderir ao lado vencedor, os juízes honram a toga, sacam de um exemplar da Constituição e com coragem falam em seu nome. Foi o que fizeram nos últimos anos. Foi o que voltaram a fazer ontem.

O Supremo Tribunal Federal formou a maioria de seis votos para estabelecer que a Constituição não permite uma “intervenção militar constitucional”. O placar foi alcançado com o voto do ministro Gilmar Mendes. A análise começou na última sexta-feira e deve durar até o próximo dia 8.

“Diante de tudo o que temos observado, faz-se necessária a intervenção do Supremo Tribunal Federal para reafirmar o que deveria ser óbvio: o silogismo de que a nossa Constituição não admite soluções de força”, disse Gilmar em um voto de 12 páginas. O momento é oportuno:

“Considero apropriado que tenhamos a incumbência de fazê-lo por ocasião da efeméride de 60 anos do último golpe militar de nossa história republicana, concluído em 1o de abril de 1964 e por meio do qual restou instaurado regime autocrático que vigeu por mais de vinte anos”.

Segundo Gilmar a “data infame” tem sido “objeto de comemorações por parte de grupos e indivíduos que insistem em fazer tábula rasa de nossa história constitucional, como se o regime ditatorial instaurado em 1964 por obra das Forças Armadas representasse algo a ser celebrado”. 

Quem, no Congresso, falaria tão claro e duro assim? Quem, dentro das Forças Armadas, falaria?

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