(FOLHAPRESS) – A Amazon Brasil deu um salto nos últimos cinco anos. No país desde 2012, com a venda do leitor de livros digitais Kindle, foi só a partir de 2019 que a empresa se tornou de verdade um marketplace e expandiu o número de categorias. De um único centro de distribuição (CD) em São Paulo, passou a 10 CDs nas regiões Sudeste, Sul, Centro-Oeste e Nordeste. De zero hub logístico (estação de separação de mercadoria) em 2019, saltou para 64.
Com isso, acelerou a entrega: o número de cidades atendidas em 24 horas passou de 50 para 200. Os municípios com entrega em até 48 horas aumentaram de 90 para 1.300. O número de ‘sellers’ (revendedores cadastrados na plataforma) cresceu de 20 mil para 80 mil.
No ano passado, a Amazon ultrapassou Casas Bahia e Americanas e se tornou a terceira maior operação de comércio online do país, atrás de Mercado Livre e Magalu, com faturamento bruto estimado em R$ 25 bilhões.
“O Brasil é o segundo maior mercado emergente da empresa no mundo, só depois da Índia”, disse à Folha de S.Paulo o presidente da Amazon Brasil, Daniel Mazini, 45. O executivo entrou como “estagiário de verão” na gigante americana em 2009, quando morava em Londres, e acabou ficando. Foi transferido para a sede, em Seattle, até que em 2014 foi convocado para trabalhar na expansão da filial brasileira.
“Temos uma ferramenta interna que mostra quantas pessoas entraram depois de você. No mundo, 99,7% chegaram depois de mim”, diz. “Descobri que sou veterano na Amazon.”
Mazini responde pelas operações de comércio eletrônico e entretenimento (filmes, músicas e livros). A área de computação em nuvem, a AWS, é uma empresa em separado. “Nós fazemos questão de manter essa independência, já que alguns rivais do marketplace são clientes da AWS, como Mercado Livre e Netflix.”
O crescimento das vendas online da Amazon está ancorado no uso de inteligência artificial para entender o comportamento do consumidor e, assim, gerenciar a demanda. “Eu não preciso ter a mesma televisão em 700 lugares diferentes”, diz Mazini. “Eu preciso ter só 10 televisões. Se vender bem, compro 40. Se continuar vendendo bem, compro mais 200”, afirma.
Hoje a Amazon Brasil conta com a oferta de 100 milhões de produtos na plataforma -99% são dos sellers. O estoque próprio é de apenas 1 milhão de mercadorias. “A gente se concentra em comprar grandes marcas, que têm demanda garantida, como iPhones, smartphones da Samsung e computadores Lenovo”, diz.
Existe um “porém” nessa estratégia: se o estoque é do seller, a Amazon não determina o preço do produto, que fica a cargo do revendedor. Por isso, em épocas de grande demanda, como Natal e Black Friday, e durante períodos promocionais, a empresa reforça o estoque próprio, chamado de “1P” no jargão do comércio eletrônico. Nessas épocas, até 50% do estoque chega a ser da empresa.
CHINESAS CRESCEM NO QUINTAL AMERICANO
Mazini diz que não se incomoda com o recente avanço das plataformas asiáticas no Brasil, como Shopee, Shein e AliExpress, uma vez que o comércio online representa apenas 12% do varejo brasileiro. “Quanto mais o mercado como um todo cresce, mais nós crescemos”, diz o executivo, que pensa o mesmo a respeito da chegada da Temu ao Brasil, ainda este ano.
A chinesa Temu tem dominado a cena nos Estados Unidos, ao se tornar o aplicativo de compras mais baixado do país, de acordo com a ferramenta de pesquisas de mercado App Magic. Na vice-liderança está a também chinesa Shein, enquanto a Amazon ocupa o terceiro lugar em downloads.
O avanço das chinesas nos Estados Unidos é preocupante, uma vez que o mercado americano responde sozinho por mais da metade das vendas da Amazon. O grupo registrou receita líquida de US$ 574,8 bilhões (R$ 2,9 trilhões) em 2023, uma alta de 12% sobre o ano anterior, com lucro de US$ 30,4 bilhões (R$ 156,7 bilhões) no período. Da receita, 61% vêm da América do Norte, 23% vêm dos outros países (segmento que a Amazon chama de Internacional) e 16% vêm da AWS.
A companhia divide o mundo entre mercados consolidados e emergentes -sendo estes últimos os países onde iniciou operação há pelo menos 10 anos. Nessa lista, além de Índia e Brasil, estão México, Austrália, Singapura, Egito, Emirados Árabes, Arábia Saudita, Bélgica, Suécia e Polônia. Agora a empresa chega também à África do Sul.
Já os consolidados são, além dos Estados Unidos, Alemanha, Canadá, China, Espanha, França, Itália, Japão e Reino Unido.
VENDA SUSPENSA NO RIO GRANDE DO SUL, COM CD INTERDITADO
No Brasil, os 10 CDs da empresa estão em seis estados e no Distrito Federal: São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Brasília, Pernambuco, Ceará e Rio Grande do Sul.
Este último, porém, na cidade de Nova Santa Rita, região metropolitana de Porto Alegre, está interditado por tempo indeterminado por conta das fortes chuvas que abalaram o estado gaúcho desde o fim de abril. O CD fica próximo ao rio dos Sinos, que transbordou.
A Amazon não informa se as mercadorias foram atingidas e para qual CD redirecionou os pedidos feitos até então. Na sexta-feira (24), a empresa anunciou que suspendeu as vendas para o estado temporariamente.
O foco da companhia está em fazer com que cada vez mais sellers adotem o seu sistema fulfillment, chamado de FBA: o lojista envia seus produtos para a Amazon, que se encarrega da gestão logística do estoque e do envio das mercadorias. Além de aumentar a sua receita de serviços, o FBA permite à Amazon garantir a entrega grátis aos seus clientes Prime, outro foco de crescimento da empresa.
“A base do nosso negócio é catálogo, conveniência e valor”, diz Mazini. “Preciso oferecer cada vez mais ofertas para meus clientes Amazon Prime”. O serviço, que inclui uma seleção de músicas e filmes em streaming, custa R$ 19,90 ao mês. A empresa não divulga quantos clientes Prime tem no país.
Em abril, a Amazon informou pela primeira vez seus investimentos no mercado brasileiro desde que deu início à operação: R$ 33 bilhões, em infraestrutura e salários. Segundo especialistas em varejo, a Amazon faz o estilo “low profile”, crescendo sem alarde, diferentemente do Mercado Livre, que anuncia todo ano seus investimentos no país.
“A Amazon cresceu silenciosamente, mas de maneira muito consistente, a sua escalada no Brasil é impressionante”, diz o consultor Alberto Serrentino, sócio da Varese Retail.
LIVRARIAS DIZEM QUE CHEGADA DA AMAZON FOI ‘DESASTRE ECOLÓGICO’
A atuação da Amazon no país, porém, causa controvérsias. A empresa é acusada de concorrência desleal pelo mercado de livrarias.
“Se as livrarias brasileiras -pequenas, médias ou grandes- praticassem os mesmos descontos que a Amazon oferece aos seus clientes, todas elas, sem exceção, fechariam suas portas”, diz Alexandre Martins Fontes, presidente da ANL (Associação Nacional de Livrarias) e diretor da editora WMF Martins Fontes.
Segundo ele, uma livraria que vive única e exclusivamente da venda de livros não tem como competir com uma empresa que abre mão de suas margens e usa o livro como estratégia para atrair o consumidor. “Desde a chegada da Amazon, temos acompanhado o fechamento de centenas de livrarias, a começar pelas nossas duas maiores redes, Saraiva e Cultura”, diz.
Daniel Mazini rebate. Diz que, segundo dados da própria ANL, nos últimos dez anos, o total de livrarias no país caiu apenas 1,8%, para 2.972 unidades. De acordo a ANL, o estado de São Paulo concentra 39% das livrarias no país (1.167), enquanto na outra ponta o estado com menos lojas é o Amapá (4).
Martins Fontes destaca, porém, que a maior parte das livrarias são pequenas e não têm poder de barganha com as editoras. Com isso, muitas se especializam em nichos. “Elas são bem-vindas, com certeza, mas o Brasil merece um mercado livreiro forte, o que a Amazon impediu”, diz. “Eles causaram um desastre ecológico no setor livreiro, corrompendo e destruindo tudo o que estava à sua volta.”
Mazini, por sua vez, diz que a venda de livros cresceu desde a chegada da Amazon, segundo dados Nielsen Book. Entre 2019 e 2023, o volume saltou 33%, para 55,2 milhões de exemplares ao ano.
“Se as livrarias desaparecerem, a Amazon vai continuar oferecendo descontos?”, questiona Martins Fontes. “No mundo da cultura, não existe nada pior do que um monopólio.”
RAIO-X AMAZON BRASIL
Fundação: 2012
Funcionários: 18 mil, entre diretos e indiretos
Faturamento: R$ 25 bilhões*
Estrutura logística: 10 CDs em 6 estados e no DF e 64 hubs logísticos
Principais rivais: Mercado Livre, Magazine Luiza e Netflix
Fonte: empresa; *estimativa 2023 Varese Retail
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