Os cães sem raça definida, carinhosamente conhecidos como “vira-latas”, são verdadeiras paixões nacionais no Brasil. Em homenagem a esses adoráveis animais, foi instituído no calendário do país o Dia Nacional do Vira-Lata ou SRD, celebrado em 31 de julho, uma forma de destacar e valorizar a importância desses pets nas vidas dos brasileiros.
O Brasil se destaca como um dos países mais apaixonados por animais de estimação. De acordo com o Instituto Pet Brasil, em 2021, o país contava com aproximadamente 149,53 milhões de pets, o que equivale a uma média de 0,69 animais por pessoa, sendo os cães os mais populares, totalizando 58,1 milhões de companheiros caninos.
Uma dessas apaixonadas pelos pets é a consultora de vendas Mayara Pereira, do Paraná, que encontrou uma maneira especial de ajudar os animais de rua em sua rotina diária. Mayara sempre carrega consigo um pequeno estoque de ração em seu carro, permitindo que possa oferecer alimento aos animais desamparados que encontra em seu caminho.
“As rações no carro se tornaram uma rotina quando comecei a trabalhar em Salvador. Visitava frequentemente entre 14 e 20 lojas por mês, a maioria localizadas em regiões mais periféricas. A cena dos bichinhos nas ruas, muitos em situação de abandono e desnutrição, me entristecia profundamente”, relata Mayara.
“Ver aqueles animais com fome e não poder ajudar era angustiante. Foi aí que comecei a adquirir os sachês de ração para oferecer a eles sempre que possível. Com o tempo, as próprias lojas já separavam os sachês para mim,” detalha a consultora.
Com essa pequena ação, a Mayara foi estabelecendo vínculos com diversos cães de rua, como um simpático cachorro do bairro de Águas Claras. “É difícil quantificar quantos animais alimentei, mas alguns deles se tornaram clientes fiéis. Havia um cachorrinho em Águas Claras que acompanhava meu carro até a loja e já me esperava com o potinho pronto para ele,” relembra.
Além de ser tutora de três pets, incluindo dois vira-latas adotados, Mayara também costuma apadrinhar cães em abrigos de Salvador, locais onde ela mesmo adotou um de seus “filhos de quatro patas”.
Um dos abrigos que conta com a colaboração da Mayara é o Abrigo Animais Aumigos, que se dedica ao resgate, acolhimento, tratamento e adoção de animais em situação de vulnerabilidade. A maioria dos animais acolhidos são vira-latas, mas também há representantes de outras raças, como pitbull, pinscher, poodle e pastor alemão.
Em entrevista ao Bahia Notícias, Gabriela Lobo, uma das gestoras da ONG, destaca o trabalho de conscientização realizado pelo Abrigo, principalmente nas redes sociais. Segundo Gabriela, apoiada por diversos ativistas e pessoas públicas engajadas, a visibilidade dos vira-latas caramelos tem crescido, tornando-se um símbolo na luta pela proteção animal.
O Abrigo Animais Aumigos não se limita apenas à capital baiana, estendendo sua atuação para o interior do estado, apresentando um forte compromisso com a defesa e o bem-estar dos animais indefesos.A Bahia abriga diversas sedes de protetores de animais, como em Vitória da Conquista, Jequié, Nazaré, São Roque do Paraguaçu, e outras.
Fotos: Reprodução / Abrigo Aumigos
Com relação ao cuidado com os animais, a médica Aline Quintela destaca a importância dos cuidados com a saúde dos animais. Em uma entrevista ao Bahia Notícias, a especialista em Ciências Animais explica a necessidade de cuidados e acompanhamento regular tanto para cães de raça quanto para os vira-latas ou SRD, seja cachorros ou gatos.
“Algumas raças apresentam predisposição genética a certas doenças, como a displasia coxofemoral, que pode dificultar a locomoção em raças de grande porte como o pastor alemão. Os ‘vira-latas’, por não possuírem uma genética pura, têm menos chances de carregar esses problemas genéticos. No entanto, os cuidados básicos com vacinação, alimentação, carinho, passeios e cuidados veterinários são comuns a todas as raças”, destaca a médica.
Ao adotar animais de rua, Aline menciona que os cuidados devem ser redobrados, levando em consideração a vulnerabilidade desses animais e um possível histórico de maus tratos, ressaltando a importância da guarda responsável.
“Ao adotar qualquer animal, é necessário realizar uma visita ao médico veterinário o mais rápido possível, para uma avaliação clínica, exames complementares – se necessário -, prescrição de medicamentos para vermifugação e vacinação. É essencial proporcionar atenção, alimentação, água fresca, muito carinho e tempo para adaptação a essa nova realidade e rotina do novo lar. Além disso, é preciso oferecer amor e carinho ao animal por toda a vida, pois eles são especiais e merecem”, afirma.
ABANDONO E MAUS TRATOS
Apesar do carinho dedicado a esses animais, eles ainda são mais propensos a abandono, maus tratos e falta de acesso a cuidados básicos de saúde. A médica veterinária Aline Quintela detalha que o abandono de animais é uma questão complexa, especialmente atingindo os cães sem raça definida.
“Acredito que o abandono é resultado de diversos fatores, sendo que algumas pessoas não estão preparadas para cuidar de um animal de estimação. Os animais são seres vivos que demandam atenção, podem crescer mais do que o esperado, necessitam de cuidados, alimentação, e, infelizmente, existem pessoas que acreditam que podem simplesmente descartá-los, principalmente quando não possuem raça definida”, explica.
Segundo Aline, parte do problema está na falta de políticas públicas relacionadas aos direitos dos animais, como a promoção da castração, maior fiscalização em relação à posse responsável e punição para quem pratica abandono, pois além de configurar maus tratos, isso também tem impacto na saúde pública.
Equipe do REMCA em evento de adoção no Parque Shopping Bahia. Foto: Arquivo pessoal / REMCA
Juntamente com Aline, a presidente da Rede de Mobilização pela Causa Animal (REMCA), a socióloga e advogada da causa animal, Ludmila Prazeres, detalha queAs questões relacionadas aos direitos da cidade, meio ambiente e dos animais estão interligadas. De acordo com Ludmila, no estado da Bahia, o déficit mais significativo está nas ações de conscientização.
“Do ponto de vista da Bahia, Salvador e Região Metropolitana, [o direito animal] precisa avançar fomentando a implementação de políticas públicas que atuem de forma preventiva, educativa e que abordem a questão da Saúde Única, que considera tanto a saúde animal quanto o meio ambiente. Ao lidar com a origem do problema, também se está contribuindo para a saúde humana”, afirma Ludmila.
Ela acredita que as políticas de controle das populações de animais de rua são essenciais para evitar que mais animais fiquem em situações de vulnerabilidade.
“É necessário implementar uma política pública de controle populacional. O que isso significa? Investir pesadamente na esterilização desses animais que vivem nas ruas. Isso reduz o abandono”, destaca Ludmila. E acrescenta: “Ao atuar de forma eficaz para implementar uma política pública que inclua esses animais de rua, reduzimos significativamente o problema do abandono.”
Atualmente, o REMCA atua de forma voluntária em escolas, comunidades e condomínios, promovendo a conscientização animalista, especialmente em relação à adoção responsável e defesa de todos os animais. A presidente menciona que, dadas as circunstâncias sociais atuais, nas quais as pessoas têm menos tempo e espaço em suas residências, a adoção/apadrinhamento coletivo é uma alternativa para ajudar os animais de rua, que em sua maioria são sem raça definida.
“Conscientizamos, conhecendo essa realidade, que não existem lares para todos, então é crucial trabalhar com o conceito de animal comunitário, aquele que não tem um guardião específico, mas sim uma comunidade, um grupo de pessoas, que cuida destes seres, fornecendo todo o suporte necessário em termos de saúde, esterilização, vacinação e alimentação. Juridicamente, trata-se de uma guarda compartilhada por essas pessoas”, explica Ludmila.
Com mais de um milhão de seguidores no Instagram, o projeto da socióloga realiza rifas solidárias para ONGs, promove abaixo-assinados em prol dos direitos animais e traz visibilidade a casos de desaparecimento ou violações dos direitos animais, como maus-tratos.
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