A participação de Lula (PT) no Jornal da Record na terça-feira, 16, foi um movimento do presidente para se conectar com o eleitorado evangélico, grupo em que a desaprovação de sua gestão chega a 52%, conforme pesquisa Genial/Quaest divulgada recentemente. A emissora, vinculada à Igreja Universal do Reino de Deus, é considerada uma das mais influentes no âmbito religioso.
No decorrer da entrevista, que teve a duração de aproximadamente 40 minutos, Lula adotou a estratégia de se aproximar dos evangélicos não focando em questões de costumes, como fez seu antecessor, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), mas sim através da agenda socioeconômica do governo.
O presidente destacou um cenário otimista durante seu terceiro mandato, enfatizando que o Brasil está passando por um “momento excepcional”. Ele mencionou bons resultados na área econômica e elencou conquistas do governo, como o reajuste da merenda escolar e a valorização do salário mínimo. Em consonância com aparições anteriores, Lula expressou uma postura desafiadora em relação ao mercado e sustentou que o crescimento do Brasil é a prioridade.
Uma declaração do presidente afirmando que o governo não tem obrigação de cumprir a meta fiscal se houver outras prioridades mais relevantes causou nervosismo no mercado. O ministro da Fazenda precisou esclarecer publicamente que o comentário foi retirado de contexto e que o comprometimento com o arcabouço fiscal estava mantido.
A estratégia de Lula de abordar questões sociais tem como motivação o fato de uma parcela significativa do eleitorado evangélico no Brasil pertencer à classe C, segmento no qual esse discurso pode ter impacto positivo, de acordo com especialistas.
“Na entrevista, o destaque foi quando ele discutiu a agenda econômica. Ele defende as conquistas do governo e indica que os resultados sociais têm mais importância do que agradar o mercado”, comenta Vinicius do Valle, doutor em ciência política pela Universidade de São Paulo (USP) e diretor do Observatório Evangélico. “Ao falar de economia, especialmente para os mais necessitados, Lula busca se aproximar dos evangélicos, mas o faz pela ótica econômica, pelos resultados que estão melhorando a vida das pessoas mais vulneráveis, muitas delas evangélicas.”
No entanto, essa estratégia enfrenta dois desafios. O primeiro, segundo Valle, é que uma parte expressiva do eleitorado brasileiro está menos inclinada a mudar de posição devido à polarização. O segundo obstáculo é a discrepância entre os indicadores econômicos e a realidade da população de baixa renda, onde se encontram muitos evangélicos.
Apesar das pesquisas quantitativas apontarem uma melhora na avaliação do governo entre os evangélicos, as pesquisas qualitativas revelam que a percepção da situação do país não é tão positiva quanto descrito por Lula na entrevista à Record, de acordo com o cientista político Renato Dorgan, especialista em pesquisa de opinião pública há mais de duas décadas e sócio-proprietário do Instituto Travessia, especializado em estudos qualitativos.
“Existe a percepção de que o custo de vida aumentou, mas o governo não reconhece isso. Lula insiste em argumentar que nunca houve uma diminuição tão abrupta nos padrões de vida”
De acordo com especialistas, a inflação pode não ser percebida no aumento dos valores dos produtos, mas pesquisas qualitativas indicam o contrário: para as pessoas, os preços estão subindo, como o preço da gasolina e dos alimentos. Esse impacto é particularmente significativo nas classes mais baixas, onde muitos evangélicos estão inseridos, já que os salários não acompanham o aumento do custo de vida – afirma Dorgan.
Desde o início de seu mandato, Lula tem se esforçado para se aproximar do eleitorado evangélico. Em maio, lançou a campanha publicitária “Fé no Brasil”, visando divulgar as ações governamentais e se conectar com os evangélicos. Apesar de não ter participado da Marcha para Jesus, o presidente enviou uma carta elogiando o evento e ressaltando o papel essencial da Igreja na construção de um país mais justo e inclusivo. Além disso, Lula nomeou aliados, como o ministro da Advocacia-Geral da União, Jorge Messias, e a vereadora de Goiânia, Aava Santiago (PSDB), para fortalecer a relação com o segmento religioso.
Os especialistas concordam que, apesar dos acenos do governo ao eleitorado evangélico, a aproximação de Lula com esse grupo enfrenta dois desafios significativos: a atuação do PT e a resistência dos evangélicos em relação à primeira-dama Janja da Silva.
“Lula não é um revolucionário em termos de costumes, não é um defensor vanguardista de novos padrões. A rejeição é mais relacionada ao seu círculo próximo. Temas como aborto, casamento civil de pessoas do mesmo sexo e a descriminalização da maconha são associados à esquerda e geram receio no público evangélico. Não vemos Lula defendendo essas pautas”, afirma Dorgan.
Vinicius do Valle também aponta o PT e a primeira-dama como barreiras para a aproximação de Lula com os evangélicos. “Janja carrega um estigma com essa população, derivado de rivalidades com Michelle (Bolsonaro) e pelo fato de profesar publicamente uma religião diferente. Ela está inserida no campo das religiões de matriz africana, crenças que os evangélicos têm histórico de confronto e até intolerância”, declara.
Devido às limitações em abordar questões ideológicas, Lula busca estabelecer comunicação com os evangélicos por outras vias, segundo Valle. “Uma delas é através da perspectiva econômica e a outra é mostrando que, apesar de não pertencer ao meio evangélico e ter visões progressistas em relação a parte da agenda de costumes, ele valoriza a família, o bem-estar, a solidariedade e tem fé em Deus”, analisa o especialista.
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