Desobediência do X, de Musk, viola Justiça em momento sensível perto de eleições

Publicado:

ANA GABRIELA OLIVEIRA LIMA
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Ao desconsiderar a determinação do STF (Supremo Tribunal Federal) sobre o bloqueio de contas no X (antigo Twitter), Elon Musk, dono da Tesla, desrespeita a Justiça em um período delicado, especialmente com as eleições municipais se aproximando e o risco eminente de disseminação de desinformação, segundo avaliações de especialistas consultados pela reportagem.

De acordo com os especialistas, a empresa deve buscar recursos legais se discorda da decisão ou do valor da multa, porém, é crucial que ela coopere com o processo legal. O alerta é que o descumprimento seletivo de ordens judiciais possa desequilibrar o jogo democrático no Brasil, dependendo do que venha a ser compartilhado na plataforma sem garantias de colaboração com a Justiça nacional.

No último sábado (17), Elon Musk anunciou o fechamento do escritório da empresa no Brasil e culpou o ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes, alegando que ele ameaça prender seus funcionários e pratica censura. Apesar disso, a rede continuará ativa para os usuários no país.

Sem uma base no Brasil, torna-se mais complicado para a empresa cumprir as notificações de ordens judiciais e potenciais sanções. O anúncio do encerramento das atividades no país veio após uma decisão de Moraes que aumentou a multa aplicada ao X por ignorar a ordem da corte de bloquear contas, além de apontar possível responsabilização por desobediência.

A decisão refere-se a sete perfis de apoiadores de Bolsonaro na plataforma, incluindo o senador Marcos do Val (Podemos-ES). Em junho de 2023, o STF autorizou medidas de busca e apreensão contra o senador, juntamente com o bloqueio de suas redes sociais devido a alegações sobre pressão de Bolsonaro para participação em um golpe de Estado.

Na última terça-feira (13), a conta de Marcos do Val permanecia ativa na plataforma. Em sua página, há uma mensagem destacada em que o político denuncia “abuso de poder, censura e violações de direitos constitucionais no Brasil”, referindo-se à atuação de Moraes.

Quanto ao desrespeito à decisão judicial, a reportagem tentou contato com a assessoria do escritório de advocacia Pinheiro Neto, representante legal do X no Brasil, mas não obteve retorno.

Segundo Pedro Gueiros, professor de direito civil e tecnologia na UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e Ibmec-RJ, o desacato à ordem judicial torna-se delicado, especialmente diante das eleições, pois o país enfrenta o risco de disseminação de desinformação nas redes sociais.

Gueiros ressalta que o Judiciário tem legitimidade para impor multas em caso de desobediência e que a empresa deve recorrer se estiver insatisfeita com a medida ou o valor da multa, em vez de ignorá-la.

Após o aumento da multa por Moraes na terça, o valor por dia.A multa por dia foi aumentada para R$ 200 mil por perfil, podendo chegar a R$ 1,4 milhão diariamente no caso das sete contas afetadas. O ministro inicialmente havia fixado a multa em R$ 50 mil por dia em caso de descumprimento.

De acordo com Caio Machado, advogado, especialista em inteligência artificial e desinformação, e pesquisador associado das universidades Harvard e Oxford, a mudança de postura do X reflete uma nova estratégia de modelo de negócio adotada após a aquisição da empresa por Musk.

Machado destaca que as plataformas normalmente seguem um princípio de gerenciamento das redes sem adotar uma postura editorial. No entanto, com a aquisição por Musk, isso mudou: o X passou a desempenhar um papel de curador, amplificando conteúdos e atores políticos específicos (como a entrevista de Musk com Donald Trump) e censurando críticas ao empresário.

A nova abordagem, segundo Machado, não foi acompanhada pelos padrões esperados de veículos editoriais, como prestação de contas ou adoção de critérios profissionais na geração de conteúdo, já que a plataforma continua se apresentando meramente como uma rede social, na avaliação do especialista.

Segundo Machado, a alteração na estratégia do X tem potencial para impactar as eleições brasileiras, uma vez que a plataforma pode favorecer a visibilidade de determinadas forças políticas em detrimento de outras, em um cenário ainda mais complexo com o descumprimento das medidas estabelecidas pela Justiça.

“Machado argumenta: ‘Por todos esses motivos, eu entendo que o Twitter pode ser uma ameaça importante para nossas eleições e não deixa de ser uma força externa influenciando o voto e também a nossa dinâmica política’.”

Para Rafael Viola, professor de direito e tecnologia do Ibmec-RJ e da Uerj (Universidade Estadual do Rio de Janeiro), a recusa da empresa em cumprir a decisão judicial é um desrespeito à administração da Justiça.

Ele ressalta que, devido à proximidade das eleições, com o primeiro turno marcado para 6 de outubro, a situação de desobediência da empresa se torna ainda mais controversa. Depender do que pode ser divulgado na plataforma sem garantia de cooperação com a Justiça brasileira pode gerar desequilíbrio ou dano irreparável ao processo eleitoral.

Viola declara: “Há um devido processo legal no Estado democrático [em caso de desacordo com decisões judiciais]. É muito estranho admitir que uma empresa possa simplesmente se recusar a cumprir as decisões.”

Comentários Facebook

Compartilhe esse artigo:

ÚLTIMAS NOTÍCIAS

Jornalista morto por Israel deixou carta para ser publicada nas redes

Em um ato de coragem, o jornalista da Al Jazeera, Anas Al-Sharif, de apenas 28 anos, previu sua morte em um ataque israelense...

Homem é preso por roubar celular enquanto vendia saco de lixo. Vídeo

Na tarde de 8 de setembro, um episódio inusitado ocorreu em Jacupiranga, interior de São Paulo. Um vendedor ambulante, que estava comercializando sacos...

Astronomia aposta em simulações do céu para treinar algoritmos

A astronomia contemporânea vai muito além do que se via antigamente, quando a observação com telescópios era a única maneira de fazer descobertas....