A situação problemática com a Venezuela preocupa Lula e seu governo (por Juan Arias)
É evidente que Luiz Inácio Lula da Silva está incomodado com a postura de Nicolás Maduro ao proclamar a si mesmo como vencedor das eleições na Venezuela. Fontes próximas afirmam que ele não apenas está irritado, mas também profundamente preocupado com a situação. O assessor especial de Lula para assuntos externos, Celso Amorim, sugeriu que a Venezuela já tomou seu rumo, indicando que Maduro não voltará atrás em sua decisão e seguirá governando, possivelmente com mais rigidez.
Para Lula, a questão se torna ainda mais delicada, uma vez que seu partido, o PT, havia manifestado apoio antecipado à suposta vitória de Maduro. Lula teve que esclarecer que não controla diretamente seu partido e que, agora como presidente de um governo de centro-esquerda, exigiu transparência ao Governo Maduro, solicitando a divulgação das atas eleitorais que o declararam vencedor.
Nos últimos dias, Lula tem feito esforços persistentes para garantir que Maduro apresente os resultados eleitorais de forma transparente, assegurando que sua suposta vitória tenha ocorrido de maneira ética. Ele se uniu aos presidentes da Colômbia e do Chile para buscar uma solução viável em meio a um impasse aparente. Lula buscou de todas as formas possíveis evitar que Maduro cometesse equívocos que pudessem prejudicar a democracia.
A influência de Lula na Venezuela, devido à sua longa amizade com Hugo Chávez e posteriormente com Nicolás Maduro, parecia ser uma carta forte a seu favor. Lula chegou a afirmar que não considerava a Venezuela uma ditadura e depositava confiança na relação próxima que tinha com Maduro, acreditando que este não o decepcionaria em momentos críticos.
O fracasso de Lula em lidar com a crise na Venezuela não afeta somente sua presidência imediata. Embora os brasileiros estejam mais focados em questões internas, como as eleições municipais, a situação na Venezuela pode reverberar em suas aspirações políticas futuras, especialmente no que diz respeito a seus planos de buscar uma quarta reeleição em 2026, algo crucial para sua política externa e atuação em assuntos globais.
Diante do impasse, Lula, sobretudo considerando seu partido e suas próprias projeções políticas, encontra-se em uma encruzilhada. Precisará buscar uma maneira de reforçar sua posição como mediador na Venezuela, um desafio cada vez mais complexo diante dos atos antidemocráticos de Maduro. Este, inclusive, sugeriu sarcasticamente que Lula relaxasse com uma xícara de chá quando estivesse nervoso, ironizando a situação.
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva pode não ter compreendido completamente que Nicolás Maduro está se mostrando “mais rígido” do que ele imaginava. Por outro lado, há algo que o presidente brasileiro não consegue alcançar, que é a separação da Venezuela, fundamental para suas ambições de presença no continente.
A situação um tanto desesperadora que Lula enfrenta com a obstinação de Maduro me fez lembrar uma história do governo franquista que costuma se repetir com todos os ditadores. Durante o governo do Generalíssimo Franco, surgiu a figura do democrata-cristão Joaquín Ruiz Jiménez, que se destacou ao se tornar embaixador da Espanha junto ao Vaticano e até ministro da Educação.
Ruiz Jiménez fundou a revista “Cuadernos para el Diálogo”, na qual fazia malabarismos para inserir algumas doses de democracia, ainda que às vezes de forma camuflada. Como democrata-cristão, era amigo do Papa Paulo VI, considerado progressista e inimigo de Franco. Certa vez, conseguiu que o Papa escrevesse um artigo para a revista, que foi publicado na primeira página. Aproveitou então para publicar artigos mais ousados, na esperança de que Franco não os censurasse.
Franco chegou a nomeá-lo ministro da Educação. Até que um dia o mandou chamar. Esperou por ele à porta de seu escritório. Sem nem mesmo deixá-lo entrar, apontando o dedo para ele, disse: “Disseram-me que você está muito inquieto”. O ministro, com sua elegância intelectual, respondeu aparentemente: “Meu general, a inquietude é uma dimensão fundamental da alma humana”. E Franco, dando-lhe um empurrãozinho, despediu-se dizendo: “Blá, blá, blá!”. Quando o ministro voltou para casa, um motorista do governo já o havia antecedido com sua demissão do cargo de ministro.
Hoje, nem Maduro é Franco, nem Lula é o intelectual espanhol Ruíz Jiménez. Porém, é possível imaginar que se o presidente brasileiro falasse com Maduro neste momento sobre a inquietude da alma da política e da democracia, poderia acabar recebendo outro desfecho: “Blá, blá, blá”, desta vez de seu amigo político.
(Transcrito do El País)
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