Enquanto cerca de 160 milhões de eleitores nos Estados Unidos vão às urnas nesta terça-feira, para eleger seu presidente, o resto do mundo prende a respiração. Não se trata apenas de quem ganhará o jogo, mas da manutenção das próprias regras do jogo.
Para muitos desses milhões de eleitores, realmente importam temas como a inflação e o nível de emprego. A manutenção do American Way of Life. Ainda que ao preço de uma grande ampliação do nível de instabilidade global.
Já se foi o tempo em que democratas e republicanos se revezavam pacificamente no poder. Democratas mais preocupados com a classe média e os trabalhadores. Republicanos sempre prontos a reduzir os impostos dos mais ricos.
Os candidatos dos dois partidos permanecem protagonistas. Kamala Harris, democrata, promete estabilidade política e apoio às instituições. Donald Trump, republicano, quer ser o timoneiro de uma grande mudança. Para onde?
Algumas das promessas do republicano indicam o caminho. Como expulsar milhões de imigrantes sem documentos, substituir funcionários públicos de carreira por indicações políticas e usar agências federais para alcançar inimigos políticos.
Parecem coisas de um autocrata? Pois são mesmo. E, além das promessas, existe a personalidade de Trump. O mundo já teve uma ideia dessa personalidade ao longo de seu primeiro mandato. Agora ela parece vitaminada pela mágoa da derrota eleitoral de 2020.
Os riscos da personalidade do ex-presidente para a estabilidade americana e global foram apontados pela psicóloga social Michele Gelfand, professora de Comportamento Organizacional e Psicologia da Universidade de Stanford, na Califórnia.
“O caos que Trump semeou durante seu primeiro mandato será bem pior se ele for reeleito”, escreveu Michele em artigo publicado nesta semana no portal global de opinião Project Syndicate.
“Com seu estilo divisivo de liderança”, prossegue a psicóloga, “retórica inflamada e incansável divulgação de desinformação, ele vai nos empurrar para perigosos níveis de conflito e desconfiança”.
Parece familiar? Não à toa já começam a circular boatos de como Trump poderia agir contra a prisão de Jair Bolsonaro, seu mais fiel seguidor no Brasil, e a favor de medidas legais que permitam ao ex-presidente concorrer novamente ao cargo já em 2026.
Não se trata apenas de uma questão de direita e esquerda. A democracia, como a entendemos, parece correr risco. E, o que é mais grave, no país que até hoje se apresenta como um farol de democracia para o mundo.
Nos últimos dias da campanha, Trump chegou a dizer que não deveria ter saído da Casa Branca após perder as eleições. E que a insurreição apoiada por ele em janeiro de 2021 teria, na verdade, sido um “ato de amor”.
O que acontecerá se ele vier a perder mais uma vez? Continuará sentado no Salão Oval? E se ganhar? Permanecerá em guerra contra os inimigos políticos, para se manter indefinidamente no poder?
A própria formulação dessas perguntas poderia parecer um passatempo insensato há poucos anos. Mas a ascensão desse populismo de direita representado por Trump, carregado de ameaças e violência verbal, mudou a política.
Ganhe quem ganhar, metade dos eleitores norte-americanos sairão muito contrariados. Já existe uma enorme divisão entre os cidadãos dos Estados Unidos. O estilo estridente de Trump agora causa muitas preocupações além das fronteiras do país.
A revista inglesa The Economist, porta-voz do liberalismo econômico global, tem reiterado suas preocupações com o futuro das instituições americanas após uma possível vitória de Trump nas eleições.
“Talvez a ameaça mais séria de todas seja a que Trump apresenta à democracia e ao estado de direito”, observa a revista em sua última edição. “Não há dúvida sobre seus instintos autocráticos. A questão real é se as instituições americanas serão capazes de controlá-lo”.
A Europa, que compartilha com os Estados Unidos valores ocidentais como a democracia e o respeito aos direitos humanos, parece ser palco das maiores preocupações com um possível segundo mandato de Trump.
Tanto por seu viés autoritário quanto pela possibilidade – bastante real – de que Washington venha a abandonar a Europa no momento em que esta procura ajudar a conter, pelo menos parcialmente, a invasão da Ucrânia pela Rússia.
A inquietação é tema, por exemplo, do editorial do jornal francês Le Monde, um dia antes das eleições americanas.
“Tudo contribui a fazer das eleições de 5 de novembro nos Estados Unidos um teste sem precedentes na história americana”, ressalta o editorial. “Essa democracia que há muito tempo se apresenta como modelo se revela, infelizmente, incerta e vacilante”.
Tão incerta, aliás, que indica um longo e controvertido período de apuração. O resultado das eleições desta terça-feira exercerá papel decisivo na conformação da ordem global que ainda apenas se insinua neste início do século 21.
Marcos Magalhães. Jornalista especializado em temas globais, com mestrado em Relações Internacionais pela Universidade de Southampton (Inglaterra), apresentou na TV Senado o programa Cidadania Mundo. Iniciou a carreira em 1982, como repórter da revista Veja para a região amazônica. Em Brasília, a partir de 1985, trabalhou nas sucursais de Jornal do Brasil, IstoÉ, Gazeta Mercantil, Manchete e Estado de S. Paulo, antes de ingressar na Comunicação Social do Senado, onde permaneceu até o fim de 2018.
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