Uma versão contemporânea da antigamente conhecida como “roda dos expostos” da Idade Média, na qual bebês indesejados eram deixados em igrejas, foi instalada em um convento em um bairro tranquilo da capital Zagreb, na Croácia.
Sensores de movimento acionam um alarme nos celulares das freiras dentro do convento e de um grupo católico antiaborto quando a portinhola é aberta. Uma câmera de segurança garante que a pessoa que deixa o bebê não seja identificada.
“O objetivo é salvar vidas e prevenir o infanticídio”, declarou Alberta Vrdoljak, líder do grupo Betlehem Zagreb, responsável pela “Janela da Vida”, em entrevista à AFP.
No entanto, a Rede de Mulheres da Croácia condenou a iniciativa, classificando-a como “ilegal, perigosa e contra o melhor interesse da criança”, pedindo sua remoção.
A organização antiaborto cita o caso de um recém-nascido abandonado em um parque perto de Zagreb, em maio do ano passado, para justificar a necessidade da baby box (caixa de bebê), destacando que a criança sobreviveu após ser encontrada por dois adolescentes.
Apesar de ainda não ter sido utilizada, a baby box, nomeada como “Janela da Vida”, terá a polícia e os serviços médicos informados caso seja utilizada.
“A sociedade necessita de um local assim, oferecendo uma solução para casos raros, mas reais”, mencionou Zvonimir Kvesic, outro membro do grupo.
Aborto ilegal
O aborto é legal na Croácia, porém tornou-se menos acessível devido à recusa da maioria dos ginecologistas nos hospitais públicos em realizá-lo.
Alguns apontam que a baby box opera em uma área legal incerta, o que levanta possíveis irregularidades.
“Pode parecer uma boa ideia, mas, no final, acaba fazendo as mulheres se sentirem culpadas por abortar, oferecendo uma suposta ‘alternativa’”, expôs Mia Knezevic, funcionária de Zagreb, à AFP.
Vrdoljak refutou veementemente essa acusação, afirmando que a intenção é proporcionar uma alternativa ao infanticídio, não proibir o aborto.
A organização Betlehem Zagreb, que também gerencia uma casa de acolhimento para mulheres e outra para mães solteiras, argumenta que está apenas oferecendo suporte ao sistema.
No entanto, autoridades ressaltam que abandonar uma criança é considerado crime na Croácia, sendo assim, o ministério da Política Social abriu uma investigação.
“Apesar de nobre salvar vidas, é necessário considerar os aspectos éticos e legais que um local como esse implica”, pontuou a defensora dos direitos das crianças Helenca Pirnat Dragicevic à AFP.
Direito à identidade
Dragicevic enfatizou o direito da criança de conhecer sua origem, garantido por uma convenção da ONU, salientando a importância de abordar as causas do abandono infantil.
O Comitê da ONU sobre os Direitos da Criança, em Genebra, tem alertado sobre o uso das baby boxes, instando os países a buscar alternativas.
Por outro lado, alguns especialistas defendem essa prática. “O direito à vida prevalece sobre o direito à informação sobre a origem biológica”, mencionou a professora de direito da Universidade de Zagreb, Aleksandra Korac Graovac, à mídia local. Alegando que “uma criança sem o direito à vida não tem nenhum outro direito”, complementou.
Pelo menos 10 países europeus – Áustria, Bélgica, República Tcheca, Alemanha, Hungria, Itália, Lituânia, Polônia, Eslováquia e Suíça – possuem baby boxes, conforme o grupo Betlehem Zagreb. Elas também são encontradas na China, Índia, Japão e EUA.
“Pode parecer algo medieval, não do século XXI, mas se salvar uma vida, ainda vale a pena”, mencionou Lea, uma advogada de 33 anos que optou por não revelar seu sobrenome.
Dados oficiais indicam que seis casos de infanticídio foram registrados na Croácia na última década.
“Em Nome da Família”
Diferentemente de outros países europeus, o parto anônimo não é permitido na Croácia, apesar do ministério da Saúde ter formado um grupo de trabalho para debater o tema no ano passado.
No mês passado, um grupo ligado à Igreja, chamado “Em Nome da Família”, propôs uma lei para permitir o parto anônimo e tornar obrigatória a instalação de baby boxes em hospitais.
Nos Estados Unidos, as caixas para bebês estão presentes em diversos estados, muitas delas instaladas pela ONG antiaborto Safe Haven, projetadas para permitir que pais em crise entreguem anonimamente seus recém-nascidos de maneira segura e legal. Geralmente, essas caixas estão nas paredes externas de bombeiros e hospitais. Quando um bebê é colocado nelas, a porta externa trava automaticamente, e uma porta interna possibilita que a equipe médica retire a criança de forma ágil e segura, proporcionando cuidados imediatos.
Grupos antiaborto nos Estados Unidos, como a Safe Haven, lutam para ampliar a legislação para criar mais locais de depósito anônimo de bebês, especialmente depois que a lei do aborto (Roe v. Wade) foi revogada em 2022.
A legislação brasileira não prevê um mecanismo semelhante às baby boxes. O abandono de incapaz é considerado crime, segundo o Artigo 133 do Código Penal Brasileiro. No entanto, há alternativas legais para mães que não desejam ou não podem manter seus filhos, como a entrega voluntária para adoção, conforme estipulado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
Origem histórica
As baby boxes têm seu início nos foundling wheels (rodas dos enjeitados) da Europa medieval. Esses dispositivos eram comuns em conventos e igrejas, permitindo que as mães deixassem anonimamente seus bebês indesejados ou que não podiam criar, evitando assim o abandono em locais perigosos.
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