“Aqui não é lugar pra mulher”: os bastidores da anestesia em Brasília

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Sob o disfarce de um modelo cooperativista de médicos, o mercado de anestesiologia do Distrito Federal revela aspectos sombrios. Além do controle monopolista exercido por grupos associados à Cooperativa dos Médicos Anestesiologistas do Distrito Federal (Coopanest-DF), surgem denúncias de uma sistemática discriminação de gênero. Relatos de médicas anestesistas, coletados durante uma investigação conduzida pela Polícia Civil do DF, expõem um ambiente hostil, permeado por exclusão, assédio velado e falta de oportunidades para mulheres na especialidade.

Segundo os depoimentos, os grandes hospitais privados de Brasília operam sob o domínio de grupos fechados de anestesistas, todos afiliados à cooperativa. Estes grupos, conforme relatado, rejeitam abertamente a presença feminina. O sistema se assemelha a um feudo, no qual um grupo que controla determinado hospital impede qualquer outro profissional de atuar ali sem sua autorização.

Uma médica ouviu de colegas homens a declaração: ““Aqui não é lugar pra mulher”. Em outra ocasião, um anestesista justificou a ausência de mulheres nos grupos dominantes afirmando: “As mulheres não aguentam a pressão, o ritmo é outro“.

Essa dinâmica empurra as médicas anestesistas para as margens do sistema, forçando-as a trabalhar em clínicas de menor porte, unidades de endoscopia, oftalmologia ou no serviço público. Para muitas, a entrada nos hospitais ocorre apenas como “bagres” – termo utilizado no meio para designar os anestesistas que atuam em condições precárias em benefício dos sócios dos grupos.

Os “bagres” recebem um valor fixo por plantão, independentemente da quantidade ou complexidade dos procedimentos. A ascensão dentro dos grupos requer o pagamento de cotas milionárias, e mesmo quando as profissionais estão dispostas a arcar com esse custo, são preteridas por critérios informais que favorecem os homens. Relatos indicam que os grupos evitam incluir mulheres entre os sócios e priorizam anestesistas dispostos a assumir plantões mais intensos, permitindo que os sócios trabalhem menos.

A hostilidade se intensifica quando essas médicas desafiam os grupos dominantes. O rompimento de um hospital com uma das clínicas ligadas à Coopanest-DF resultou em perseguição às profissionais que aceitaram trabalhar sob o novo modelo. Elas foram alvo de ameaças, mensagens intimidadoras e, em alguns casos, enfrentaram processos para serem expulsas da cooperativa. Além disso, houve tentativas de prejudicá-las em outros locais de trabalho, por meio de denúncias anônimas e informações falsas.

A Operação Toque de Midaz, realizada em abril, visou os principais envolvidos com a cooperativa e as clínicas que coordenavam esse sistema abusivo. A ação foi fruto de uma investigação minuciosa da Delegacia de Repressão ao Crime Organizado (Draco), com apoio do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios. Foram cumpridos mandados de busca e apreensão contra os principais responsáveis por essas práticas condenáveis no setor.

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